Sentidos (tra)vestidos: a individuação e a constituição do sujeito travesti pelo Estado


resumo resumo

Lidia Noronha Pereira
Telma Domingues Da Silva



cepção de forma sujeito, conforme compreendida, por exemplo, por Haroche (1992), Orlandi afirma a noção de sujeito individuado como política e não psicológica:

 

[...] As formas de individuação do sujeito pelo Estado, estabelecidas pelas instituições, resultam em um indivíduo ao mesmo tempo responsável e dono de sua vontade. É o sujeito individuado, de natureza sócio-histórica ideológica, indivíduo já afetado pela língua e pela ideologia que se identifica pela sua inscrição nas diferentes formações discursivas, de que resultam distintas posições sujeitos, relativamente às formações sociais. Assim, a noção de sujeito individuado não é psicológica mas política, ou seja, a relação indivíduo-sociedade é uma relação política. Nesta teorização, nenhum dos elementos que a constituem pode ser pensado sem os demais (p. 22).

 

Assim, consideramos os cartazes do Ministério da Saúde no Brasil direcionados ao sujeito travesti como gesto de memória de um Estado, gesto que se dá através de um discurso que individua, identifica o sujeito a determinada(s) posição(ções)-sujeito na sociedade.

Observa-se que, no processo de interlocução do Estado com o sujeito travesti, funciona a projeção de um imaginário, conforme descreveu Pêcheux (1969). Pensando em um diálogo entre um sujeito A e um sujeito B, o autor afirma que se deve considerar o lugar social de cada sujeito no discurso. Tais lugares sociais estão representados nos processos discursivos, fazendo funcionar uma série de formações imaginárias que marcam o lugar de A e B, ou, mais especificamente, a imagem que A e B se atribuem um ao outro, a imagem que fazem de seu lugar e do lugar do outro. Sintetizando, Pêcheux afirmará que

existem nos mecanismos de qualquer formação social regras de projeção que estabelecem as relações entre as situações (obviamente definíveis) e as posições (representações dessas situações)” (p. 81-82).

 

Acrescenta ainda que também o “referente”, ou seja, o contexto, a situação do discurso, é pertencente da mesma maneira às condições de produção e passível dessa mesma projeção imaginária. Dessa forma, aponta que

 

todo processo discursivo supunha, por parte do emissor, uma antecipação das representações do receptor, sobre a qual se funda a estratégia do discurso (p. 83).