Sentidos (tra)vestidos: a individuação e a constituição do sujeito travesti pelo Estado


resumo resumo

Lidia Noronha Pereira
Telma Domingues Da Silva



Assim, consideraremos inicialmente as condições de produção desse discurso médico de Estado, os lugares sociais dos sujeitos envolvidos nesse discurso, bem como as relações de força e o processo de antecipação inerentes a qualquer funcionamento discursivo.

Importante frisar que a imagem do corpo do sujeito travesti é aqui concebida como materialidade significante: sua inscrição no simbólico e os discursos que a atravessam – não apenas uma imagem impressa em formato cartaz, mas os sentidos para o gesto de interpretação do corpo que vão significar nos processos de identificação do sujeito travesti. Assim, pretendemos analisar como o sujeito travesti é inscrito, pela sua simbolização, em dois cartazes de circulação pública, de âmbito nacional, material que é produto do gesto administrativo do Estado sobre o seu cidadão.

Esse modelo de mídia – o “cartaz” –, utilizado por diversas instituições, busca informar o sujeito movente, que “precisa” saber de tudo – o que for possível! No nosso caso, consideramos a circulação de cartazes em Postos de Saúde: local em que é comum encontrarmos não só cartazes, mas também panfletos, banners e até leques de carnaval, com orientações à população relacionadas à saúde, por exemplo, informações sobre os tipos de insetos, sobre as diferenças sintomáticas entre gripe e dengue e, certamente, sobre a sexualidade, sobretudo a prevenção das chamadas “doenças sexualmente transmissíveis” (DST). Percebe-se, então, como o Estado responde ao que lhe seria um dever em relação a seu cidadão, posicionando-se como o que “orienta”, “define”, “diferencia”, sempre buscando saber como a população age, sofre, vive – um saber tal que alimenta o poder, o controle sobre esta mesma população.

Em Haroche (1992) encontramos uma reflexão sobre as formas históricas de subjetivação. A partir dessa reflexão, Orlandi (2004) afirma que:

 

O Estado funda sua legitimidade e sua autoridade sobre o cidadão, levando-o a interiorizar a idéia de coerção ao mesmo tempo em que faz com que ele tome consciência de sua autonomia (de sua responsabilidade, portanto). (...) podemos afirmar que a submissão do homem a Deus (à letra) cede lugar à sua submissão ao Estado (às letras, ao jurídico). (p. 90).

 

Foucault (1988) aponta que a necessidade “de saber”, característica de nossa sociedade, está intimamente ligada às formas de poder que estruturam as relações sociais. Assim, quanto mais se sabe sobre o sexo e suas manifestações, por exemplo, mais domínio se tem. Dessa forma, como coloca Foucault (idem), saber e poder, poder e prazer são os elementos que impulsionam formas de dominação e o controle do sexo é produto dessa interação entre saber-prazer-poder.