Revelando o outro: fotojornalismo e representações da pobreza no sertão


resumo resumo

Thiago Manchini de Campos



Podemos assim propor a construção de um aparato de análise partindo de uma concepção ampla da noção de formação discursivam a qual é em Foucault (2007) definida como a possibilidade de se especificar, entre um determinado número de enunciados caracterizados por um sistema de dispersão, uma regularidade ou regularidades ou seja, encontrar na dispersão de fotos produzidas a partir de diferentes autores, temas, regiões, locais e temporalidades, as regularidades que permitam que sejam classificadas como “imagens da pobreza no sertão”. Podemos também pensar na mesma noção a partir de Pêcheux (1988, p.160) que a define como o que pode e deve ser dito – o que pode e deve ser mostrado sobre a pobreza – e que, como consequência, caracteriza as regularidades.

Memória, interdiscurso e a operacionalização da noção de formação discursiva, tomada por um viés amplo, permitem pensar na fotografia - materialidade significante que funciona ao nível do simbólico - como um processo de paráfrase e polissemia (ORLANDI, 1987): entre o dizer “o mesmo” (regularidade) e a ruptura (dispersão), apontando para a possibilidade de outros sentidos, ou seja, que o sentido sempre pode vir a ser outro.

Esta breve exposição leva a outro ponto a se considerar, já que possibilita pensar a imagem, seu funcionamento e efeitos de sentido através da tensão entre o visível e o invisível. Primeiramente, a construção de uma memória através do processo de repetição – paráfrase – do mesmo tema, técnicas, estilo, método, personagens, cenários, ambiente, elementos visuais, etc. que, através da regularização e sistematização produz a relação entre certos indícios que apontam para o que pode e deve ser dito e visto sobre o sertão e a pobreza.  Em segundo lugar refletir sobre o caráter polissêmico da linguagem que, via interdiscurso, opera a possibilidade de outros sentidos através da invocação de imagens esquecidas. Uma foto, mesmo que filiada a uma rede de imagens constituídas por paráfrases de si, é única “fala” diferente, desestabilizando em um só movimento a produção de um espaço de interpretação da pobreza no sertão, remetendo a outras imagens, silenciadas, apagadas. As duas ordens – visível/paráfrase/reprodução, invisível/polissêmia/transformação não se inscrevem em uma lógica dicotômica, sendo exatamente na tensão entre as duas que é possível observar o processo de constituição dos sentidos no discurso imagético.