Entre o corpo e a enunciação. O retorno à voz em Marina Lima
Pedro de Souza Felipe Jose Martins Pereira
diferentes fontesno espaço acústicodo espetáculo.Na tela, vê-se oponto preciso de origem da voz emMarina ese escutaa propagação de umecovocal cuja fonte não é visualmente reconhecida.Por instantes,expõe-se, emplano fechado, omovimento facialdacantora, aomesmo tempo em que seescutaa emissãodapalavraparir. Ocloseno rosto mostra MarinaLima coma boca fechada ao mesmo tempo em que um eco exterior ao seu corpo ressoa alongando o último traço sonoro da palavra que ela acaba de cantar.Todos esses elementos operados por câmeras e microfonesressaltam, com tudo o queissosignifica em termos deprocesso subjetivante, aalteridade vocal da extensãoaguda originadaem outro corpo.
Pode-se dizer que, no espaço em que MarinaLima seapresenta cantando, não só ela, masmuitas outras vozesemitem sons e fazendo corpo com o dela. Pode-se dizerainda quenão apenas do corpo da cantora sai voz, mas também dos instrumentos que participam de uma mesma performance acústica. Michele Grosjean (2001, p.74) lembraque “todos os instrumentos de música têm uma boca e um corpo”. Ligo estaobservação aofato de que, no acústico de MarinaLima, mostra-se todas as bocas queelaconvoca a fazer coro com ela, comdestaque parao seu violão e para suabacking vocal. Estaé acorista que, minutos depois deMarina tercomeçado a cantar acanção, estáalipresente nomesmo espaço acústico. Ela émostrada nointervalo entreuma parte e outra da execução de “Grávida”, fazendoovocalizeque entremeia voz de gargantae bocaquiuza.
O aparecimento dessa figurafemininapor trás e ao lado dacena docanto deMarina poderiaser um fatobanal dearranjos vocais para apresentações ao vivo. Mas há o trabalho dacâmera queintervém edá destaque a esse corpofazendo umcom o de Marina na hora de marcar o pontodo ritornello, traço própriodesta composiçãode Arnaldo Antunes. Nestasequência, asduas repetem juntas em um duo a mesma melodia entoada até então – desta vez sem palavras, apenas com articulação vocal da silaba composta pela nasal /n/ e a vogal /a/:na-na-na-na-na-.
Aaudiodescrição aquiserve de ponto de apoio para apontar o destaque da participação vocal de Marina no mesmo ponto da canção em que ela profere a palavraparir. Neste ponto não é mais o eco vindo de outro lugar que faz a extensão, mas a própria voz da cantorasustentada na garganta. Aqui a voz, mediante o rouquenho inerente a seu timbre, retoma o mesmo efeito sonoro produzido pelo alongamento da vogal /i/, na última silaba deparir.