Sentidos (tra)vestidos: a individuação e a constituição do sujeito travesti pelo Estado


resumo resumo

Lidia Noronha Pereira
Telma Domingues Da Silva



riam apontar um alto número de soropositivos e/ou de contaminados com diversas doenças sexualmente transmissíveis entre os que se declaram travestis. Com isso, a imagem que o Estado faz do sujeito travesti, a partir deste cartaz, indica que o vê como parte de um grupo de cidadãos “portadores” de doenças infectocontagiosas e que necessitam ser identificadas (como estratégia de contenção de uma disseminação das doenças). Isto é, justifica-se a consideração a partir do Estado de um lugar determinado, ou de uma classe de indivíduos (os travestis), que se identifica em função de elementos próprios de sua vida privada (isto é, seus hábitos sexuais...).

Temos, assim, uma interlocução específica, uma vez que este sujeito é convocado pelo Estado enquanto travesti. Veja a especificidade dessa identificação: não se trata de considerar uma faixa etária ou uma classe profissional, por exemplo, mas sim um comportamento no âmbito sexual, em que se instaura o discurso da moral.

A significação do sujeito travesti pelo Estado, então, se dá a partir da área da Saúde, que concebe o travesti como um possível portador de doenças advindas do sexo. O que nos leva a pensar em um indivíduo que pode ter tantas doenças sexualmente transmissíveis é o fato de ele não se preservar nas relações sexuais. O número de doenças que circunda o sujeito travesti, no cartaz, sugere ainda vários parceiros – sem proteção. Ora, quem mais ficaria na dúvida de ter ou não alguma doença sexualmente transmissível se não aqueles que têm vários parceiros e não se preservam? Temos, possivelmente, a imagem que o Estado faz do travesti: constitui grupo de risco que deve ser controlado.

Consideremos o enunciado que o cartaz traz, dividido em quatro partes:

 

  1. “Travesti, não fique na dúvida. Faça o teste da AIDS.
  1. Fique sabendo. O teste é gratuito, rápido, seguro e sigiloso.
  1. Aproveite também para fazer os testes de sífilis e hepatites B e C.
  1. E use sempre camisinha.”

 

Tais dizeres sustentam-se em outros dizeres aí presentes. Como Orlandi (1988) aponta, o que não está dito (o não dito) pode ser de várias naturezas, seja, por exemplo, aquilo que sustenta o que está dito, seja o que está suposto, seja aquilo a que o que está dito se opõe ou outras maneiras diferentes de se dizer o que se disse. Nesse sentido, pensamos que esses enunciados (os ditos acima expostos) relacionam-se a não ditos tais como: