Blockchain: promessas e potenciais da tecnologia



Blockchain: promessas e potenciais da tecnologia

Blockchain: promises and potential of technology

 

Márcia Pinheiro Ohlson1

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6219-4379

 

 

Resumo: Esta resenha trata do livro A expansão social do blockchain, organizado pela Profa. Dra. Lucia Santaella a partir dos trabalhos do grupo de pesquisa Sociotramas, por ela coordenado. O livro apresenta um total de onze artigos que abordam a tecnologia blockchain a partir de diferentes aspectos, das criptomoedas ao combate às fake news, passando por meios de pagamento, integridade de dados pessoais e educação. Uma publicação de valor inestimável para aqueles que buscam conhecer os meandros desta tecnologia denominada blockchain.

Palavras-chave: Blockchain; Bitcoin; Criptomoedas; Fake News; Confiança.

 

Abstract: This review is about the book A expansão social do blockchain, organized by Prof. Dr. Lucia Santaella based on the work of the Sociotramas research group, coordinated by her. The book presents a total of eleven articles that address blockchain technology from different aspects, from cryptocurrencies to the fight against fake news, through means of payment, integrity of personal data and education. A very important publication for those who seek to know the ins and outs of this technology called blockchain.

Keywords: Blockchain; Bitcoin; Criptocurrencies; Fake News; Trust.

 

Esta resenha trata do livro A expansão social do blockchain, organizado pela Profa. Dra. Lucia Santaella a partir dos trabalhos do grupo de pesquisa Sociotramas2, por ela coordenado, em 2019. De acordo com a professora,

 

o tema selecionado para estudo é pesquisado e discutido durante o ano para se coroar em um evento em que os trabalhos já elaborados passam pela discussão do grupo do qual recebem contribuições, antes de serem reunidos em um volume para publicação (SANTAELLA, 2020, p. 7).

 

O livro apresenta um total de onze artigos que abordam a tecnologia blockchain a partir de diferentes aspectos, das criptomoedas ao combate às fake news. De acordo com a organizadora, buscou-se “manter o difícil fio do equilíbrio entre a ingenuidade eufórica e o pessimismo disfórico” (SANTAELLA, 2020, p. 8). Vejamos um pouco de cada um destes artigos.

O primeiro deles, de autoria da própria professora Santaella, intitulado Blockchain: De onde veio, onde está e para onde vai, apresenta um panorama da tecnologia até o início do ano de 2020. Importante salientar que o artigo foi publicado antes do boom dos NFTs (non-fungible tokens) e da popularização sobre a Web3. Já de saída, Santaella nos alerta para o fato de que bitcoin e blockchain, embora tenham surgido praticamente juntos, não são sinônimos. Na verdade, blockchain é a tecnologia que está por trás do bitcoin, uma criptomoeda criada em 2008 por Satoshi Nakamoto, pseudônimo para um/uma/um grupo de desenvolvedor(es). A autora define o blockchain como “uma base de dados descentralizada que mantém o rastro dos dados transacionados de uma maneira segura, verificável e permanente” (SANTAELLA, 2020, p. 12). São destacados neste artigo os potenciais, entraves e perspectivas da tecnologia, com ênfase, especialmente, nas características de confiança, desintermediação, distribuição e imutabilidade dos registros.

Em Blockchain e a crise de confiança na sociedade do controle, Marcelo de Mattos Salgado conceitua e contextualiza a crise de confiança nos países ocidentais. A partir dos estudos de Adam Smith, o autor pontua a questão da presença do intermediário para que se estabeleça uma relação de confiança entre partes. “A figura de intermediários, como um magistrado civil, serviu ao longo dos séculos para legitimar um laço – social ou econômico, por exemplo – com a efetiva terceirização da confiança (SALGADO, 2020, p. 26). O autor apresenta a tecnologia blockchain como uma possibilidade de substituição da confiança entre os indivíduos por uma tecnologia que traz implícita esta confiança. Além disso, articula, a partir do pensamento de Byung-Chul Han, como a transparência total pode ser também uma forma de violência. Ao final, afirma, muito oportunamente, que “ao reduzir ou remover o elemento humano da confiança, que é, possivelmente, o laço mais essencial entre seres humanos, é razoável considerar que uma tecnologia como o blockchain modifica profundamente a sociedade” (p. 36).

Dora Kaufman e Marcela Pereira, no terceiro artigo da coletânea propõem um panorama sobre a tecnologia, especialmente a sua utilização no mercado financeiro. Blockchain: Promessas e realidades da tecnologia traz informações sobre o Bitcoin, mas também sobre a plataforma Ethereum, a segunda mais importante blockchain pública, pensada para uma utilização para além das criptomoedas, o que inclui os chamados “contratos inteligentes”. No mercado financeiro, destacam, a partir de Tapscott e Tapscott (2016) oito atividades dos bancos que podem ser substituídas pela tecnologia blockchain: i) autenticação de identidade e valor; ii) movimentação de valor; iii) armazenamento de valor; iv) empréstimo de valor; v) troca de valor; vi) financiamento e investimento; vii) segurança de valor e gerenciamento de risco; e viii) contabilidade de valor. Concluem as autoras destacando a complexidade da nova tecnologia.

O quarto artigo do livro dialoga diretamente com o capítulo anterior, pois trata da utilização da tecnologia blockchain na indústria de meios de pagamentos. Blockchain: Impactos sobre meios de pagamentos e potencial disruptivo é de autoria de Alcely Strutz Barroso, Marcelo Graglia, Patricia Huelsen e Wilton Brito. Os autores destacam a complexidade desta indústria, especialmente pela quantidade de instituições que fazem parte do ecossistema. A tecnologia blockchain traz a promessa de eliminação de intermediários, unindo, com segurança, compradores e vendedores de forma direta. “(...) elos da cadeia deixam de fazer sentido: como os distribuidores (adquirentes e subadquirentes), as bandeiras de cartões e o próprio banco”, afirmam os autores.

Magaly Prado, no quinto artigo da coletânea, apresenta o Blockchain como antídoto às fake news. Nele, a autora se propõe a “examinar soluções direcionadas que empregam a tecnologia blockchain para jornalistas armazenarem metadados, tornando-os seguros” (PRADO, 2020, p. 78). O blockchain no jornalismo tem valor, segundo a autora, especialmente por sua qualidade de imutabilidade dos registros, característica útil desta tecnologia para proteger eventuais adulterações ou censura. A autora faz um extenso levantamento de aplicações que utilizam a tecnologia no jornalismo, útil para aqueles que pretendem se aprofundar no estudo destas plataformas: Civil.co, Publiq Network, Pressland, Terion, NewsBlocks, Decentralized News Network (DNN), Trive e Pack.

Na sequência de um capítulo que trata do problema da desinformação, temos um artigo que trata de vigilância e privacidade de dados. Em Blockchain: Garantia da integridade de dados pessoas sem ferir a privacidade, Paulo Fernando Silvestre Júnior e David de Oliveira Lemes nos lembram que a premissa de que somos nós os donos de nossos dados pessoais é muitas vezes usurpada e/ou violada, pois as informações são nossas mas são também riqueza para outros, como sugere a metáfora de que os dados são o novo petróleo. Para os autores, o blockchain poderia, potencialmente, fazer com que os indivíduos se tornem efetivamente os donos de seus dados. Porém, apontam que a característica da imutabilidade dos registros entraria em conflito com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) e com o chamado “direito ao esquecimento”.

Em Blockchain no YouTube: Uma análise videográfica, o que está em análise não é a tecnologia em si, mas como a esta é representada no Youtube. Maria Collier de Mendonça, Patrícia Fonseca Fanaya e Thiago Mittermayer se debruçaram sobre um vídeo explicativo postado em janeiro de 2016 no canal do Fórum Econômico Mundial. A análise parte dos cinco princípios das novas mídias de Lev Manovich (2001), quais sejam: representação numérica, modularidade, automação, variabilidade e transcodificação. Concluem que o vídeo intitulado “What is Blockchain”, apesar de investir em um didatismo pela narração e simulações gráficas, deixa a desejar na explicação, de acordo com os comentários postados. “(...) concluímos que o vídeo não consegue explicar claramente como a tecnologia blockchain funciona, logo, apresenta problemas relativos à credibilidade em suas promessas” (MENDONÇA et al., 2020, p. 120).

Blockchain: Certificação da aprendizagem na sociedade do conhecimento, de Thaïs Helena Falcão Botelho e Winfried Nöth, inicia relembrando os primórdios da tecnologia, ou seja, o whitepaper de Satoshi Nakamoto. Os autores apontam algumas iniciativas de utilização da tecnologia na educação, como o Blockcerts, um aplicativo de fácil manuseio que administra certificados acadêmicos digitais. Destacam que atualmente há uma “busca massiva por novos conhecimentos” (BOTELHO e NÖTH, 2020, p. 132), cujo pano de fundo é a aceleração das mudanças da sociedade, o que exige dos cidadãos e trabalhadores uma atualização constante. Concluem os autores pontuando a passagem da sociedade da informação para a sociedade do conhecimento e o consequente aumento exponencial do ensino à distância. O blockchain seria a tecnologia ideal para certificar e autenticar todas as trocas de conhecimento entre indivíduos, grupos e instituições.

O artigo seguinte oferece uma reflexão sobre a utilização desta tecnologia na educação, através de uma revisão da literatura. Blockchain: registro de competências e percurso da aprendizagem informal, de autoria de Patrícia Margarida Farias Coelho e João Mattar destaca os usos do blockchain na educação “especificamente para a emissão de diplomas e aprendizagem ao longo da vida” (COELHO e MATTAR, 2020, p. 142). No primeiro caso, a tecnologia potencialmente evitaria fraudes em titulações acadêmicas, dada a possível comprovação de sua autenticidade. No segundo caso, o blockchain atuaria como suporte para a aprendizagem ao longo da vida, armazenando a trajetória do aluno/ cidadão, seja de fontes de aprendizado formal ou informal.

Em Mr. Robot: criptomoedas e representações na cultura geek, o penúltimo artigo do livro, Fabio de Paula e Ana Maria Di Grado Hessel revelam, “tendo o seriado Mr. Robot como referência, como a cultura geek representa as criptomoedas” (PAULA e HESSEL, 2020, p. 153). A série estadunidense foi transmitida pelo canal USA Network entre os anos de 2015 e 2019. O bitcoin aparece na série de duas formas: como uma moeda relacionada a atividades criminosas, mas também como alternativa a um possível colapso financeiro mundial. A série, de acordo com os autores do artigo, “propõe a seus milhões de espectadores uma reflexão acerca das estruturas de poder e do próprio sistema financeiro mundial” (PAULA e HESSEL, 2020, p. 162).

O último artigo da coletânea, de autoria de Kalynka Cruz-Stefani, retorma o tema das fake news. Em Estratégias de combate às fake news, a autora reflete sobre como a inteligência artificial, romantizada no cinema, pode trazer danos à sociedade quando utilizada para produzir e disseminar a desinformação. A autora acredita que “o princípio da rede distribuída, tal qual proposta no blockchain, seja uma espécie de resgate do conceito de inteligência coletiva na web; afinal, não cabe a um ator humano a certificação de um fenômeno, mas à sequência de atores humanos e não-humanos, coletivamente imiscuídos” (CRUZ-STEFANI, 2020, p. 173-4). Conclui a autora que nos casos em que seja necessário rastrear a fonte original da desinformação a tecnologia blockchain pode ser de grande valia.

A publicação, de valor inestimável para aqueles que buscam conhecer os meandros desta tecnologia denominada blockchain, deixa de fora, entretanto, a questão ambiental que envolve a tecnologia. Sabe-se que a mineração do bitcoin, por exemplo, a principal criptomoeda, tem um gasto energético equivalente a alguns países inteiros.

De acordo com o gráfico Hype Cicle for Blockchain, 2021, da consultoria Gartner, mesmo as criptomoedas – apenas uma das aplicações possíveis do blockchain – ainda não se encontra na fase denominada “plateau of productivity” (planalto da produtividade, em tradução livre3. Outras aplicações como plataformas de blockchain ou contratos inteligentes se encontram no “vale da desilusão”. Já os chamados NFTs (non-fungible tokens) estariam em pleno “pico das expectativas infladas”. Vale a pena acompanhar o desenrolar desta tecnologia nos próximos anos e publicações como a que temos em mãos, organizada por Santaella e produzida pelo grupo Sociotramas são de grande valia.

 

Referências:

GARTNER, 2021. Hipe Cycle for Blockchain. Disponível em https://blogs.gartner.com/avivah-litan/2021/07/14/hype-cycle-for-blockchain-2021-more-action-than-hype/ Acesso em 16 de maio de 2022.

SANTAELLA, Lucia (org). A expansão social do blockchain. São Paulo: EDUC, PIPEq, 2020.

TAPSCOTT, Don; TAPSCOTT, Alex. Blockchain revolution: como a tecnologia por trás do bitcoin está mudando o dinheiro, os negócios e o mundo. São Paulo: Editora SENAI-SP, 2016.            

 

Data de Recebimento: 04/09/2022
Data de Aprovação: 24/10/2022


1  Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. marcia.ohlson@gmail.com.

2  https://sociotramas.wordpress.com/

3  A consultoria Gartner, embora não deixe claro no seu blog quais os critérios que utiliza para posicionar as tecnologias em uma ou outra fase do seu desenvolvimento, classifica as tecnologias em 5 tipos, de acordo com a expectativa e o tempo, a saber: “Innovation Trigger, Peak of Inflated Expectations, Trough of Disillusionment, Slope of Enlightenment e Plateau of Productivity” (GARTNER, 2021).