Conferência de Abertura

Gabriel Lombardi - Culpa e desejo nos dispositivos do capitalismo

Médico. Doutor em Psicologia pela Universidade de Buenos Aires. AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano. Professor titular de Clínica de Adultos na Faculdade de Psicologia da Universidade de Buenos Aires e integrante da Comissão de Doutorado. Diretor do Serviço de Clínica psicanalítica da Universidade de Buenos Aires em Avellaneda.

A noção de dispositivo, precisada por Foucault e Agamben, implica um conjunto de estruturas heterogêneas a serviço de um poder anônimo, atualmente sem Deus nem mestre único, mas talvez mais coercitivo do que qualquer outro império. As distopias às quais o capitalismo conduz foram vislumbradas e alentadas por Bentham (a maior felicidade para o maior número) e no século XX inspiraram roteiros de A. France, A. Huxley, G. Orwell, P. K. Dick e os irmãos Wachowski, entre tantos outros.

Os dispositivos, explica Foucault, são estruturas em rede nas quais as práticas do poder incluem o epistêmico, de modo que elas suprimem o que é e o que não é científico. É a partir deles que K. Pooper pôde “demonstrar” que a psicanálise não é científica.

A conferência exporá as condições externas da nominação e tratamento do sintoma induzidos pelos dispositivos do capitalismo, levando em conta os seguintes pontos:

  • Programando o bem e a felicidade, o capitalismo é um dispositivo de contrato da culpa, sem fé nem deus que possa perdoar (Benjamin). O ser devedor facilmente se constitui aí, segundo Freud e Heidegger, no fundamento de uma forma de não ser. Isto se depreende do fato de que o dispositivo, por definição, separa o desejo em jogo do lugar da decisão (Agamben).
  • A angústia é considerada neles como sem significado (P. D. Kramer: Listening to Prozac) desconectando toda abertura existencial ao ato em que o desejo poderia realizar-se.
  • As “redes sociais” que reforçam os dispositivos do capitalismo minam o laço social como apoio do desejo: são redes de isolamento social, cuja estrutura é radicalmente diferente do laço social no sentido lacaniano (C. Soler).
  • A nominação exterior do sintoma desvaloriza sua dignidade e seu valor de insurreição, de tomada de decisão, ainda quando esta for “I would prefer not to” como no Bartleby de Melville.
  • A programação do prazer e o tratamento farmacológico do sintoma corrói a experiência da felicidade, que no humano só se alcança no acontecimento não programado (Lacan, L’éthique de la psychanalyse e Télévision). Aí, no real do reus o desejo impõe seu caráter de condição absoluta, impõe sua lei no real que é sem lei.

Os níveis de ressonância do inconsciente assinalados por Lacan: alíngua, mas também a agramática e a (a)lógica nos permitem outra interpretação do sintoma, propriamente discursiva, e da situação atual, a res eligens (ser falante ou ser escrevente, mas sobretudo ser social, cf. Aristóteles e Hegel).  

Que nomes convêm ao sintoma? A ser escutado ou a ser escrito caso a caso, a partir “desse incurável onde o ato encontra seu fim próprio” (Lacan, Autres écrits, p. 381). Os sucessivos autodiagnósticos e nominações do analisando podem ser escutados em outros dispositivos nos quais uma Escola de psicanálise se baseia.

 

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Mesa-Redonda I

O sintoma e o sentido

Lauro José Siqueira Baldini - Um caleidoscópio de nomes

Professor do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da UNICAMP. Atua na área de Linguística, com ênfase em Análise de Discurso, trabalhando na articulação entre esta disciplina e os campos do materialismo histórico e da psicanálise.

Um caleidoscópio de nomes. Assim podem ser descritos os novos manuais de diagnóstico de saúde mental, a forma como a mídia trata do mal-estar e a própria maneira como os sujeitos de situam com relação ao sofrimento. Mas a que se deve essa profusão de nomenclaturas? Ao que ela visa? Buscaremos expor como Lacan, ao investir na categoria de sujeito em sua relação com o sintoma, propõe uma saída para a questão que não hesita em colocar uma questão para a saída: de que não podemos nos curar? Centrando sua reflexão sobre a negatividade fundamental do humano, a partir de sua relação com a linguagem, Lacan elabora uma prática clínica e uma reflexão teórica que fazem frente ao avanço sem limites do capitalismo e à redução do humano a uma síntese de comportamentos descritíveis em termos de normalidade. De fato, o que está em jogo é a própria sobrevivência do conceito de sujeito como aquilo que pode resistir aos psicologismos e biologismos que nos confortam com a promessa de uma saída sem questão: a miragem de um sujeito sem perguntas a fazer, afogado em respostas pré-fabricadas.

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Marcos Aurelio Barbai - Entre o nomear e o escutar: a depressão

Pesquisador no Laboratório de Estudos Urbanos- - Nudecri/Unicamp. Atua na área de Linguística, com ênfase em Análise de Discurso principalmente nos seguintes temas: discurso, subjetividade, cidade, segurança, criminalidade, imigração e psicanálise. 

O meu objetivo é pensar através da instância discursiva da circulação, ou seja, “o momento em que o dizer se mostra como é”, os processos de denominação da depressão. De fato, quero pensar a categoria da depressão em um duplo movimento de política da palavra: de um lado o nascimento desse significante a partir daquilo de que ele é signo (a instância material da palavra e o arquivo); e de outro o intervalo, em que se insere a questão do sujeito (a emergência do próprio significante, a subjetividade). Ao articular a fronteira entre enunciação e enunciado evoca-se aqui a função da escrita e da escuta. Com a escrita tem-se o trabalho material com a função de um signo (a prática de leitura dos objetos semânticos no mundo) e a questão da nomeação (que é da ordem, como diz Lacan, do significante em estado puro). Já com a escuta pode-se tocar no processo atual, nas condições de produção do capitalismo, do estabelecimento de um batalhão de sujeitos depressivos “o significante é realmente criacionista”, assim como na medicalização desse estado, desse sintoma.  Com esse trabalho tocamos naquilo que é da ordem da dor de existir e da vida desapossada de sua fala.

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Juliana Santana Cavallari - Mal-estar na inclusão: processos de subjetivação (im)possíveis

Professora, orientadora e pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da Universidade do Vale do Sapucaí (UNIVÁS).

Investigar o discurso político-educacional da inclusão e observar seus efeitos nos processos de subjetivação e nas relações sociais estabelecidas no espaço escolar tem sido o foco de algumas pesquisas das quais participo, desenvolvo e oriento, no âmbito das Ciências da Linguagem. Nesta exposição, pretendo divulgar um estudo desenvolvido sob minha orientação, à luz do encontro epistemológico entre a Análise de Discurso e a Psicanálise, a fim de propor uma discussão sobre a relevância e incidência do diagnóstico médico no processo de subjetivação de alunos ditos especiais, uma vez que tais documentos – cada vez mais presentes e solicitados no espaço escolar – por serem de natureza prescritiva e classificatória, provocam mal-estar, pois acabam designando e individualizando o sujeito por meio de sua patologia, fixando-o a significantes que o classificam como incapaz, anormal, deficiente, etc. Acreditamos que a designação, legitimada pelo diagnóstico e discurso médico, impede outras nomeações e identificações possíveis, reforçando a segregação de alunos em situação de inclusão, sobretudo nas escolas regulares. Nossas considerações partem do estudo de caso de um aluno, em fase de alfabetização, com o diagnóstico de Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD). Observar o efeito que o diagnóstico produziu no sujeito designado, em sua subjetivação e nos professores que lidavam diariamente com o aluno em questão, foi o foco da análise empreendida. Como material de pesquisa foram analisados diagnósticos médicos que versam sobre a especificidade do caso estudado, algumas produções escolares do aluno e formulações de professores que convivem com este aluno. A análise dos registros sugeriu que a aposta em uma prática docente criativa e responsável (no sentido do engajamento e do laço social), com vistas à singularidade, pode produzir (re)posicionamentos do sujeito-aluno frente a sua constituição subjetiva, além de deslocamentos significativos no processo de aprendizagem.

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Ana Laura Prates Pacheco -  Nomear a: por uma ética do não todo

Psicanalista, A.M.E. da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Fórum São Paulo. Coordenadora da Rede de Pesquisa de Psicanálise e Infância do FCL-SP. Pesquisadora Colaboradora do Laboratório de Estudos Urbanos - Nudecri/Unicamp

No Seminário 21 Les non-dupes errent, Lacan propõe uma modulação da noção de Nome do Pai – que havia orientado sua proposta clínica e epistemológica – para outra mais radical: Pai do Nome. A partir daí passamos a um debate a respeito das consequências de uma ética da nomeação em Psicanálise, que não se reduza ao Nominalismo. Trata-se de uma proposta que implica em uma subversão da lógica clássica – a qual se baseia no princípio da não contradição – para a criação de uma outra lógica que inclua as modalidades do impossível e do contingente, presentes na noção do saber inconsciente como conjunto aberto. Tal abertura feminilizante não é da ordem de uma ortodoxia (opinião verdadeira), mas abre a possibilidade ética de sustentar o paradoxo a partir de um dizer verdadeiro, da medida em que a verdade é “não-toda”. Para sustentar essa subversão, Lacan recorre à topologia cardinal do nó borromeano a qual procuraremos demonstrar. Quais são as consequências dessa aposta para o laço social entre os “seres falantes”, incluindo o laço da relação amorosa?


Mesa-redonda II

O sintoma e o social

Claudia Castellanos Pfeiffer - Cidade, Saúde e Políticas Públicas: a Reforma Psiquiátrica no Brasil

Pesquisadora no Laboratório de Estudos Urbanos- Nudecri/Unicamp  e professora do programa de pós-graduação em Linguística, no IEL/Unicamp. Especializada em Análise de Discurso, atua, principalmente, nas seguintes linhas: análise de discurso, saber urbano e linguagem, ensino, história das ideias linguísticas e divulgação científica. 

Com objetivo de compreender parte do processo discursivo que configura as políticas públicas de saúde mental implementadas no Brasil, nos últimos 40 anos, busco observar a textualização dessas políticas através de dois movimentos de análise: o processo de ressemantização do modelo de gestão pública em saúde mental: a passagem do hospital psiquiátrico e a configuração do CAPS (Centro de Atenção Psicossocial); e o processo de produção de sentidos na configuração das leis que instituem a reforma psiquiátrica no Brasil. Esses dois movimentos de análise podem nos permitir verificar a direção de sentidos apropriados pelo Estado, em forma de política governamental, para gerir e administrar uma questão humana e política: o enlace e a tensão entre a loucura e o laço social.

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Cristiane Pereira Dias - O amor e a tecnología

Pesquisadora do Laboratório de Estudos Urbanos - Nudecri/Unicamp e professora credenciada no Curso de Especialização em Jornalismo Científico (LABJOR/IEL) e no Mestrado em Divulgação Científica e Cultural (MDCC - LABJOR/IEL). Desenvolve pesquisa sobre linguagem no espaço digital, espaço urbano, refletindo sobre a questão do sujeito e da produção de identidade no mundo contemporâneo.

Num mundo cada vez mais tecnológico e que produz sujeitos cada vez mais individualizados pela tecnologia, sujeitos solitários e autômatos, caberia perguntar por quem nos apaixonaremos? A tela (especular) medeia em grande parte as relações entre sujeitos, afetos e relacionamentos, substituindo muitas vezes a presença física. Mudam, com isso, os rituais afetivos, os encontros. Recentemente, o filme Her (Ela) (2014), de Spike Jonze, abordou essa questão num drama futurista no qual o personagem Theodore se apaixona por Samantha, um sistema operacional que acaba de adquirir para seu computador. Com esse trabalho, pretendo, nessa perspectiva, colocar em questão o amor e suas im-possibilidades na relação com a tecnologia. O amor na contemporaneidade.

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Paula Chiaretti -  O discurso de livros de autoajuda e os sintomas prêt-à-porter.

Docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem na Universidade Vale do Sapucaí. Tem experiência nas áreas de Análise do Discurso e Psicanálise.

Freud, em 1930, coloca o mal-estar como um dos efeitos da entrada do indivíduo na sociedade e a busca pela felicidade como finalidade e intenção reveladas pela forma como os homens conduzem suas vidas. Para Freud, os homens pedem isso da vida: serem e permanecerem felizes. No entanto, muitos obstáculos se interpõem a esse fim.  Ainda assim, podemos observar hoje uma volumosa produção discursiva que não somente prevê a possibilidade de que essa finalidade (de ser e permanecer feliz) se realize, como a impõe como necessária. É o caso de muitos livros de autoajuda que por meio de um discurso prescritivo elabora um projeto de ‘felicidade’ que supostamente funcionaria para todos. Mais que um (não muito variado) catálogo de soluções, esses discursos disponibilizariam sintomas prêt-à-porter, cujo caráter massivo pode ser relacionado às condições de produção, ou seja, condições simbólicas e materiais de sua produção, relacionadas em grande medida ao discurso capitalista e ao discurso da ciência. O discurso do livro de autoajuda forjaria um sujeito universal, ou uma certa subjetividade, que reflete, ao mesmo tempo, a negação do abandono do princípio do prazer e uma demanda atual e social de gozo. Além disso, poderíamos considerar que a paradoxal constituição de sujeito pautada, por um lado, pela necessidade da renúncia ao estado primitivo de completude e gozo absoluto e, por outro, pela orientação ao ideal, se configura como um lugar privilegiado para a ancoração de tal produção discursiva.

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Sandra Leticia Berta -  O sintoma-suplência e a incidência política do analista.

Analista Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano. Coordenadora da Rede de Psicose do Fórum do Campo Lacaniano de São Paulo (FCL-SP) , Coordenadora da Rede Clínica do FCL-SP, membro fundador da Rede de psicanálise e Saúde Pública do FCL-SP.  Supervisora de Margens Clínicas. 

Uma das últimas formulações de Lacan sobre o sintoma referem ao sintoma como acontecimento (contingência) e como suplência à não relação. Trata-se de uma noção crucial a clínica psicanalítica para indicar uma orientação ao tratamento possível do gozo do falaser. Sintoma que, pela contingencia no qual o mesmo se precipita, possa agenciar uma suplência ao real  à luz da  “incidência política em que o analista teria seu lugar”. Entendemos que o analista não pode abolir essa suplência à “não relação”, menos ainda tentar reduzi-la, mas com e por ela  fazer índice do real em questão. Portanto, uma advertência torna-se imprescindível:  que no uso de sua política, o psicanalista esteja advertido que do fracasso da extinção do real e do sintoma depende a eficácia da sua operação.

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Conferência de Encerramento

Eni Puccinelli Orlandi -  Do Fato para o Acontecimento: um  gesto simbólico no confronto ideológico

Pesquisadora do Laboratório de Estudos Urbanos - Nudecri/Unicamp, professora e coordenadora do Programa de Pós Graduação em Ciências da Linguagem da Universidade do Vale do Sapucaí e professora colaboradora do IEL da Universidade Estadual de Campinas.  É pesquisadora 1A do CNPq.

Usualmente, em análise de discurso,  relaciona-se  estrutura e acontecimento (M. Pêcheux, 1990). De minha parte procuro, neste estudo, relacionar Fato e Acontecimento no modo como se passa da história (fato) para a historicidade no discurso (acontecimento), isto é, introduzindo a questão do simbólico junto à de ideologia. O gesto analisado é o de Daniel Alves comendo a banana que lhe atiram no campo de futebol.

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Minicurso

Gabriel Lombardi

O inconsciente: laço social e política

Quando os dispositivos do capitalismo informatizam e desvalorizam as referências míticas do ser falante, despossuindo-o de sua sabedoria local e tradicional, a psicanálise se institui como reação do sujeito do sintoma que sustenta sua dignidade de res eligens enquanto dividido, isto é, não totalmente submetido a tais dispositivos, e do ser aberto nessa angústia que indica a porta do ato, e não somente para saber para onde fugir, porque também pode ser a porta do retorno ao laço social genuíno.

Em lugar da hipno-educação da psicofarmacologia e do cognitivismo, a psicanálise aposta no inconsciente como reserva libidinal que permanece aberta à possibilidade do laço social; aí o ser falante encontra sua garantia num desejo indestrutível, condição absoluta que lhe permite um desprendimento seguro de todas as determinações, incluindo aquelas dos dispositivos do capitalismo.

O inconsciente não se reduz então a uma elucubração do saber sobre a língua, esse laleo [bla bla bla] baboso no qual gozamos como autistas, porque ele também é o resguardo ético da possibilidade do vínculo social. O estatuto do inconsciente não somente é então linguageiro, mas é também político, no sentido aristotélico do termo, e seu estatuto real é ético (Lacan, Seminário 11), já que o real que interessa à psicanálise é o reus do qual fala o último Lacan. A advertência que fez logo cedo: “só podemos ser culpados de ter cedido no desejo” é o chamado mais radical que se possa imaginar nesta época de triunfo de um capitalismo feroz e culpabilizante em extremo – que leva às oscilações entre a exultação consumista e a depressão pelo desperdício do próprio bem. “Não há outro bem que aquele que pode servir para pagar o acesso ao desejo”, insiste Lacan em sua concepção do estatuto ético do inconsciente (A ética da psicanálise, última aula).

O inconsciente, ao extrair-nos do “um” impessoal heideggeriano, preserva essa latência, esse destino singular que busca o encontro de nossos gozos parciais com um desejo que nos chamou desde o Outro enquanto tal. Aí reside o interessante, o inter-esse que é o contrário da depressão, no encontro possível entre nossos gozos miseráveis e o que concorda socialmente como desejo de desejo. É o melhor destino do pulsional e não deveria ser adormecido farmacologicamente, nem reeducado, mas analiticamente resolvido.

(As inscrições para o minicurso são limitadas e devem ser feitas pelo e-mail: publabe@unicamp.br)