Revista Rua


Sujeitos ambulantes: pistas para uma nomadologia urbana
Wandering subjects: clues to an urban nomadology

Gabriel Schvarsberg

A exploração de outro tipo de cartografia para acessar a cidade nômade mostrou que, ao contrário de todos os esforços atuais para acabar com a rua, seja por meio de sua funcionalização como via expressa, seja por seu esvaziamento decorrente do fenômeno da condominização e da culturalização do medo, ou por sua pastichização cenográfica, mas, altamente homogeneizada e controlada em zonas históricas, a experiência da rua ainda perdura e segue também ela própria desviando desses padrões importados e absorvidos em meio à vertiginosa inserção das cidades brasileiras nos circuitos econômicos globalizados. É possível se pensar então que ainda haja um desejo coletivo, eminentemente urbano, de rua. Essa experiência, ao contrário do que se poderia pensar, é de fácil acesso, bastando apenas que se experimente a cidade com o corpo, ao nível do chão. Esta talvez seja a melhor forma de nos libertarmos das armadilhas das visões, discursos e imaginários que se produzem à distância, nas visões macro e nos informes publicitários, que reduzem a complexidade da vida coletiva a mapas, categorias e leituras planificadas e estanques ou simples imagens rentáveis.
Foi possível assim, em meio ao percurso investigativo, perceber que mesmo ruas localizadas em regiões consideradas normalmente como áreas homogêneas de concentração de renda, esquadrinhadas pela cartografia tradicional (caracterização socioeconômica, demografia, estudos censitários, etc.) segundo usos e significados ligados apenas à propriedade do solo, abrigam também usos opacos ali infiltrados pela sarjeta, que não apenas desviam destes padrões de significação como, algumas vezes, produzem inversões incompatíveis com a leitura da cidade sedentária. Assim, a cidade nômade, enquanto modo de ver e experimentar a cidade, mostra que a rua em sua ingovernabilidade, onde quer que esteja localizada, encerra a possibilidade de construção de territórios moventes relativamente autônomos em relação aos padrões dos usos legitimados, planejados e fixos do contexto onde se inserem.
Nestas circunstâncias, instauradas no tempo da ação, onde os espaços proprietários são parcialmente suspensos e a terra converte-se em simples suporte, um campo de disputas se instaura fazendo com que os modos de vida hegemônicos se deparem com a diferença. Em meio aos conflitos que emergem nesta “partilha do sensível” (RANCIÈRE, 2005), ocorrem também acordos tácitos, concessões, vistas grossas, solidariedades, “jeitinhos”, rearranjos, mesmo que provisórios, que caracterizam uma política própria da rua. É neste nível que a cidade nômade mostra que seus espaços-tempos estão abertos, em construção, transformando-se na ação das