Revista Rua


A que Tradição Pertence a Tradição Gramatical Russa
(To what tradition does the Russian grammatical tradition belong?)

Patrick Seriot

central, a pedido do príncipe Rostilav da Grande Morávia[12], inquieto com o avanço dos germanos em direção ao Leste. Para isso, eles criaram uma língua livresca, sobre a base do dialeto búlgaro-macedônio da região de Salônica, que eles conheciam bem, para traduzir do grego ao eslavo os textos de base da teologia cristã. Eles criam um alfabeto, de início o “glagolítico”, depois o “cirílico”, adaptado à fonética do dialeto que servia de base à língua livresca. Esta língua, chamada em francês de “vieux-slave” (Eslavo Antigo) tem a particularidade de ser desde o início uma língua sagrada, reservada a um uso religioso, diferentemente do grego e do latim, que eram línguas de cultura antes de se tornarem línguas da religião cristã. Ora, é exatamente essa particularidade funcional que é ressaltada nas polêmicas dirigidas contra os gregos, mas também contra os letrados latinofônicos, que têm tendência a duvidar da dignitas, quer dizer, da capacidade desta língua de expressar todas as sutilezas da teologia bizantina. Mas é esta língua que vai servir de união aos eslavos ortodoxos, enquanto os eslavos católicos, vivendo no mundo cultural latino, seguiram um modelo de gramatização dos vernáculos muito diferente.
Diferentemente do latim, o eslavo antigo era, durante a Alta Idade Média, ainda suficientemente próximo dos falares vernaculares para ser, se não perfeitamente compreendido, ao menos percebido como uma forma prestigiosa e elevada da língua e não como uma língua estrangeira. Na Rússia foi preciso esperar o século XVIII para que se notasse que a língua livresca da Igreja não era a forma pura da qual o russo corrente tinha se distanciado, mas um idioma de base dialetal eslava meridional, quer dizer, o antigo búlgaro-macedônio.
            Mas essa proximidade com os vernaculares tornava a língua livresca facilmente permeável a estes últimos, de modo mais ou menos inconsciente para os letrados que escreviam. Uma língua morta utilizada por homens vivos só podia se deteriorar com o tempo. Apareceram então variantes locais da língua livresca: os diferentes eslavos (eslavo russo, eslavo búlgaro, eslavo servo etc.). Essa degeneração, que poderia levar à criação de línguas eslavas nacionais em países ortodoxos desde o século XIV, provocou, ao contrário, reações, de início nos Bálcãs, depois, com o afluxo de refugiados em seguida à tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453, na Rússia moscovita e rutena. A deterioração havia cessado, a ortografia e a morfologia tinham sido restauradas, enquanto o léxico havia enriquecido consideravelmente por derivação


[12] Esse território recobriria hoje aproximadamente as atuais Hungria e Eslováquia.