Espaço enunciativo urbano: entrevista com os idealizadores do projeto pesquisa Escola Verde


resumo resumo

Rhafaela Rico Bertolino Beriula
Andressa Fabrina Klauck
Tânia Pitombo De Oliveira



1. Introdução

 

As questões que permeiam a formulação ‘desenvolvimento sustentável’ não são pacíficas. Indaga-se sobre o que é e sobre ao que se refere. As possíveis respostas se modificam a depender da cena enunciativa em que é vinculada.

Nesse sentido, este estudo visa considerar o acontecimento enunciativo do Projeto Pesquisa Escola Verde (doravante PPEV) desenvolvido no espaço urbano da cidade de Sinop, região norte do Estado de Mato Grosso e institucionalizado pela Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), através das enunciações de dois sujeitos – idealizadores do PPEV – que foram entrevistados no ano de 2019, buscando interpretar os enunciados de acordo com os contextos linguísticos, os lugares de enunciação e a posição sujeito que cada entrevistado ocupa.

Para dar conta da discussão proposta, este estudo se pauta na perspectiva teórica e metodológica da Semântica do Acontecimento. Faz-se necessário salientar que, utilizar-se dessa perspectiva teórica é tomar a enunciação como acontecimento de linguagem, onde língua e sujeito se constituem através do funcionamento do simbólico, compreendendo-a como prática política, movendo o espaço urbano tomado como espaço de significação. Assim, por meio da Semântica do Acontecimento, o objetivo deste trabalho se caracteriza em apresentar e discutir a nomeação, a referência e a designação da formulação do nome do projeto a partir da Semântica do Acontecimento e entender o funcionamento enunciativo de ‘Educação Ambiental’ e ‘desenvolvimento sustentável’ encontrados no corpo do objeto pesquisado.

Os recortes apresentados e analisados foram retirados do arquivo1 que contém a entrevista com os idealizadores do PPEV2, o Promotor de Justiça atuante na comarca de Sinop/Mato Grosso e a Professora coordenadora do projeto doutora em Educação Ambiental. A entrevista com o Promotor de Justiça da cidade aconteceu no dia 20 de março de 2019 no âmbito do Ministério Público Estadual, já a entrevista com a Professora Doutora coordenadora do PPEV ocorreu no dia 28 de março de 2019 em uma sala da UNEMAT.

               

2. Projeto Pesquisa Escola Verde (PPEV): uma proposta de educação ambiental e sustentabilidade social

 

(01) Locutor-Promotor de Justiça: A inquietação é que moramos no meio da Floresta Amazônica e, Sinop, é uma cidade pelada. (itálico nosso)

 

De início, é imprescindível destacar aqui que o PPEV, discutido neste trabalho, é advindo da primeira etapa do projeto intitulado ‘Projeto Escola Verde’ (PEV) realizado entre 2016/2018, construído, nomeado e designado pelo Promotor de Justiça que havia se inquietado em ver a cidade de Sinop/Mato Grosso – principalmente as escolas – praticamente desarborizadas, como aponta seu enunciado ‘peladas’. Nesse funcionamento o Promotor ressignificou a cidade de Sinop, nomeando-a como ‘Sinop: a cidade pelada’.

Ante a isto, iniciou a construção do projeto que teve como objetivo reverter a verba recolhida pelo termo de ajuste de conduta3 – acordo pago por pessoas que praticam alguma categoria de danos ambientais, que tem como objetivo reparar o dano ao direito coletivo e evitar possíveis ações judiciais – em compras de mudas de árvores que foram plantadas em todas as escolas públicas e, com sua expansão, o projeto alcançou ruas e determinadas avenidas da cidade.

Percebe-se que, a partir da inquietação do Promotor em ver a cidade de Sinop ‘pelada’/desarborizada, houve a ação enunciativa que provocou o movimento de sentidos e significados, levando à ressignificação de algumas ações ambientais que movimentaram não só o espaço público, mas todo o espaço urbano. Ou seja, através do funcionamento enunciativo houve o movimento de alteração na geografia urbana da cidade de Sinop.

É interessante destacar que, de acordo com Guimarães (2013) ao enunciar a palavra ‘cidade’, retoma-se o significado de urbano, o que indica o oposto do rural/espaço rural. A oposição indica também o jogo antônimo de arborizada ↔ desarborizada e pelada ↔ coberta/vestida que aponta as diferenças entre os espaços urbano e rural. Nesse sentido, o dizer a ‘cidade pelada’ indica a oposição ao espaço rural e, também, ao espaço da floresta – como a cidade de Sinop está localizada na Amazônia Legal, pode ser tratado como espaço amazônico –, apontando que, o rural e as florestas estão vestidas/cobertas pelo verde, enquanto a cidade Sinop está ‘pelada’. Assim, compreende-se que o uso da palavra ‘verde’ nos nomes do PEV e o PPEV, retomam o significado de vestir/cobrir a cidade de Sinop de verde.

A relação de oposição aponta a constituição do falante – Locutor-Promotor de Justiça – no espaço de enunciação. Ao dizer, o falante coloca as palavras na existência de seu dizer, contudo, percebe-se que retoma outras vozes, outras enunciações, outras línguas que vêm significando na história e, no que lhe concerne, significam o seu dizer.

Assim, os espaços de enunciação são “[...] espaços de funcionamento de línguas, que se dividem, redividem, se misturam, desfazem, transformam por uma disputa incessante. São espaços “habitados” por falantes, ou seja, por sujeitos divididos por seus direitos ao dizer e aos modos de dizer.” (GUIMARÃES, 2002b, p. 18).

Para Guimarães (2013, s. p., grifo do autor), “A palavra cidade significa um espaço geográfico caracterizado por uma concentração populacional que se dedica a atividades econômicas (comércio, indústria, mercado financeiro, atividades culturais, etc) não rurais (agricultura, pecuária, etc).” Entremeio ao espaço urbano e contemporâneo da cidade, têm-se espaços sociais que se caracterizam pelas relações linguísticas dos sujeitos que nela se encontram. São espaços que se constroem diariamente, através da circulação de sentidos. Esses espaços, que são identificados e designados pelos sujeitos, apresentam o funcionamento das relações histórico-sociais, assim, “Os nomes de espaços na cidade, e o que os acompanha, não só ocupam lugar neste espaço social, ou nele circulam, como lhe dão sentidos, identificam estes lugares. E nesta medida constroem de algum modo uma geografia urbana. Identificam-na.” (GUIMARÃES, 2019, p. 22).

De acordo com Guimarães (2002b), o espaço do sujeito e o espaço que o sujeito ocupa só é considerado ‘espaço’ por ser historicamente determinado pelos processos sócio-históricos e ideológicos, pois é determinado pelo movimento da linguagem que designa durante a construção do processo histórico. Ainda de acordo com Guimarães (2007), o processo de determinação ocorre pela articulação e pela reescrituração o que, no que lhe concerne, conduz e apresenta o que a palavra designa no texto.

Nesse processo de construção, os sujeitos fazem parte da constituição do espaço urbano, ou melhor, são as engrenagens que fazem com que o ‘espaço urbano’ seja reconhecido e designado como tal. Por isso, o espaço urbano deve ser tomado como espaço em permanente construção, pela linguagem. Espaço essencialmente político que se movimenta através das designações que ocorrem através das distribuições dos espaços.

Assim, no espaço urbano retratado neste trabalho em que história e língua se articulam produzindo novos sentidos, o PEV entrou em funcionamento atravessado pela manifestação real concreta da narrativa urbana, provocando novas significações e experiências nos espaços públicos, nos espaços dos sujeitos que se relacionam nesses ambientes e, também, aqueles que por ali passam, pois, ao movimentar/alterar o espaço urbano através da arborização inauguram-se novos olhares, ou seja, há a construção de novos modos de significar o espaço urbano.

Ao final do PEV o Promotor de justiça em parceria com uma das professoras engajadas no projeto, vislumbraram a oportunidade de encaminhar a segunda etapa do projeto em conjunto com professores e alunos da UNEMAT. Neste acontecimento se instaura o PPEV, como se apresenta na cena enunciativa seguinte:

 

(02) Locutor-Promotor de Justiça: [...] me veio a inquietação do seguinte, não adianta sair plantando árvores se não fazermos a formação de público, que acredito ser importante. E, a melhor formação de público que pode acontecer é na escola.

 

Na segunda etapa a UNEMAT e a promotoria de justiça propõem para as instituições escolares a discussão e a construção de um livro sobre a importância de se trabalhar a prática política relacionada com a Educação Ambiental e a sustentabilidade social nas escolas, através de encontros de formação continuada para os professores que atuam nos espaços escolares públicos de Sinop.

Assim, o PPEV possui a participação do poder público, das instituições educativas e da sociedade em geral que, integradas, trabalham no processo de transformação do meio social e que levam em consideração a relação de equilíbrio “[...] entre o ser humano e a natureza inserida no contexto das relações sociais.”, conforme aponta Layrargues (2009, p. 28).

Nesta conjuntura, faz-se necessário discorrer sobre a relação entre Educação Ambiental e desenvolvimento sustentável que, de acordo com Layrargues (2009), encontram-se umbilicalmente associadas aos seres humanos e com a íntima relação que possuem, ao mesmo tempo, com o ecológico e o urbano.

Para Layrargues (2009, p. 11, grifo do autor) há duas especificações que podem ser discutidas em torno da temática da Educação Ambiental: “[...] a clássica função moral de socialização humana com a natureza, e também a pouco compreendida função ideológica de reprodução das condições sociais [...]” reprodução esta que contempla a possibilidade tanto de manutenção como de transformação social.

Desta maneira, o PPEV leva em consideração o espaço ao qual o projeto está destinado: a instituição escola. Assim, o PPEV se utiliza de sua função moral de socialização e da função ideológica de reprodução das condições sociais para alcançar o objetivo do projeto, que é trabalhar a Educação Ambiental no ambiente escolar, para que, a partir dela, ocorra o desenvolvimento sustentável da sociedade.

 

3. O funcionamento enunciativo do ‘Projeto Pesquisa Escola Verde’: o movimento da designação e da formulação constituídos pela nomeação

 

Inscrever-se na perspectiva da Semântica do Acontecimento é posicionar o olhar para o enunciado na tentativa de entender o sentido através do funcionamento da linguagem. Nessa perspectiva, a Semântica do Acontecimento é definida como “[...] lugar em que se trata a questão da significação ao mesmo tempo como linguística, histórica e relativa ao sujeito que enuncia” (GUIMARÃES, 2002a, p. 85).

Assim, toma-se o PPEV e os excertos das entrevistas coletadas como textos. Textos que se entrelaçam na linguagem, nos sentidos e nas variadas significações no corpo de suas constituições. Cabe aqui ressaltar também que, como textos, o PPEV e as entrevistas se apresentam como acontecimentos de linguagem inscritos em determinados momentos, o que os leva a instalar uma temporalidade que projeta sentidos, assim, de acordo com Oliveira (2006, p. 23) “[...] os sentidos de um elemento linguístico se dão enquanto parte de um enunciado, enquanto parte de um texto”.

A temporalidade do falar se dá no acontecimento, e ao falar está-se recorrendo ao interdiscurso – retomando a Análise de Discurso por Orlandi (2017) – de uma memória de sentidos, ou seja, o sujeito quando fala é afetado pelo esquecimento o qual significa em sua posição de sujeito. Este esquecimento, de acordo com Guimarães (2002b) leva o Locutor a se dividir e a se separar do locutor-x, apagando-o. Assim, “Esse funcionamento do Locutor dividido pelo próprio jogo de se representar como idêntico a si, quando se lhe é dispare, é o processo pelo qual a enunciação apaga seu caráter social e histórico.” (GUIMARÃES, 2002b, p. 30). O que compreende em descobrir que, o acontecimento da linguagem coloca o sujeito enunciador em lugares sociais e lugares de enunciações.

De acordo com Guimarães (2002b), tudo isso, remete-se a cena enunciativa que temporaliza, não em um ponto cronológico, mas sim em um espaço de temporalização, o que o leva a referir sobre o funcionamento da língua pelo interdiscurso e o memorável, dando-lhe assim um significado no funcionamento político no acontecimento da enunciação. Assim, a cena enunciativa se caracteriza em determinar a posição do Locutor que, em seu lugar social de locutor, apropria-se do falar que ocorre na temporalização do acontecimento.

Deste modo, “[...] o sentido de um elemento linguístico tem a ver com o modo como este elemento faz parte de uma unidade maior ou mais ampla.” (GUIMARÃES, 2002b, p. 7). Nessa seara, a enunciação é tomada como acontecimento, que provoca a própria temporalidade. É nessa enunciação que ocorre a relação do sujeito com a língua, em que o acontecimento não é um fato no tempo. O acontecimento temporaliza. Constitui o seu presente e um depois que abre o lugar dos sentidos, ou seja, o passado é no acontecimento, rememorações de enunciações que constituem essa nova temporalização, tal como a latência de futuro.

Sobre os lugares enunciativos, Guimarães (2002b, p. 23) discorre que,

 

[...] são configurações específicas do agenciamento enunciativo para “aquele que fala” e “aquele para quem se fala”. Na cena enunciativa “aquele que fala” ou “aquele para quem se fala” não são pessoas, mas uma configuração do agenciamento enunciativo. São lugares constituídos pelos dizeres e não pessoas donas de seu dizer. Assim estudá-la é necessariamente considerar o próprio modo de constituição destes lugares pelo funcionamento da língua.

 

Os objetos de estudo deste trabalho são compostos por enunciados constituídos na materialidade linguística histórica, social e ideológica, carregados de sentidos que podem ser compreendidos através de estudos interpretativos das nomeações, designações e referências, que as retomam desde que são enunciadas por locutores em suas posições. A partir dessas distinções empregadas por Guimarães (2002b) é possível compreender o acontecimento linguístico que o PPEV instaurou na visão do Ministério Público Estadual e da UNEMAT.

Seguindo a perspectiva de Guimarães (2003), a nomeação é tomada como funcionamento semântico pelo qual algo adquire existência histórica, ou seja, recebe um nome, distinguindo-se assim de outras nomeações. Assim, a nomeação do projeto caracteriza-se como a reescrituração do PEV (que será tomado ao longo deste trabalho como primeira etapa) para o então nomeado PPEV (segunda etapa), onde a inserção da palavra ‘pesquisa’ inaugura/reconstrói, dá novos delineamentos na nova etapa de trabalho, dando-lhe nova significação e designação; ou seja, gerou-se um acontecimento linguístico e uma reorientação do projeto.

A reescrituração, de acordo com Guimarães (2014, p. 61), se dá de forma infinita na linguagem, atribuindo, através do designar e nomear, predicações ao reecriturado, que ocorre pelo acontecimento temporal de quem enuncia, “A reescrituração é, para mim, um procedimento enunciativo pelo qual se diz o que já se disse, e isso produz uma atribuição de sentido aos termos da reescrituração.”

Assim, a reescritura é um procedimento da enunciação de algo que já foi dito outras vezes, dessa forma, “[...] não há texto sem o processo de deriva de sentidos, sem reescrituração” (GUIMARÃES, 2002b, p. 28). Nesse contexto, “Ao se observar uma reescrituração [...] é importante ver que parafraseamentos se podem fazer no caso.” (GUIMARÃES, 2014, p. 61)

Desta maneira, a palavra ‘pesquisa’ inclui-se no nome da segunda etapa do projeto para poder marcar a reescrituração de sentidos e a reformulação dos direcionamentos. Assim, enquanto na primeira etapa houve a preocupação em arborizar escolas e espaços públicos da cidade de Sinop, com a ajuda das crianças e adolescentes das escolas, a segunda etapa se reescritura e propõe a construção de um livro voltado para a Educação Ambiental e o desenvolvimento de uma sociedade sustentável, construído a partir de formações continuadas e atividades complementares/eventos realizados nas escolas, através do apoio e participação da comunidade escolar. Nesse processo, o espaço escolar, assim como o espaço urbano da cidade de Sinop, se movimenta e se (re)significa, colocando o político como próprio deste funcionamento.

A partir do momento que o nome do PPEV é nomeado, designa-se diferentemente da primeira etapa do projeto e passa a funcionar como elemento significativo das relações sociais, construindo e se reconstruindo para fazer parte do momento histórico que ocupa, acometendo a si existência histórica. Então, quanto ao designar, de acordo com Guimarães (2002b), pode-se dizer que é dar significação a determinado nome, ou seja, dar significação linguística e histórica no mundo.

O designar não se caracteriza como abstrato que indica ou rotula algo, mas sim algo que acomete o linguístico e histórico, que leva a possuir contato com o real. Isto é, como aponta Guimarães (2002b, p. 9), “Seria significação enquanto algo próprio das relações de linguagem, mas enquanto uma relação linguística (simbólica) remetida ao real, exposta ao real, ou seja, enquanto uma relação tomada na história”.

Nesse sentido, o PPEV determina o seu lugar de enunciação. Vale pontuar, conforme Guimarães (2003, p. 22), que um “nome, ao designar, funciona como elemento das relações histórico-sociais que ajuda a construir e das quais passa a fazer parte”. Assim, a segunda etapa, ao realizar a formação continuada com os professores no âmbito escolar – no intuito de debater as questões da Educação Ambiental e de uma sociedade sustentável –, ao incluir as discussões no Projeto Político Pedagógico e ter como propósito construir um livro junto ao corpo docente e discente, designa o funcionamento do simbólico com o político, sendo que o político se dá na contradição, “[...] é a contradição que instala o conflito no centro do dizer.” (GUIMARÃES, 2014, p. 51), “[...] conflito entre uma divisão normativa e desigual do real e uma redivisão pela qual os desiguais afirmam seu pertencimento.” (GUIMARÃES, 2002b, p. 16).

 

Ele (o político) se constitui pela contradição entre a normatividade das instituições sociais que organizam desigualmente o real e a afirmação de pertencimento dos não incluídos. O político é a afirmação da igualdade, do pertencimento do povo ao povo, em conflito com a divisão desigual do real, para redividi-lo, para refazê-lo incessantemente em nome do pertencimento de todos no todos. (GUIMARÃES, 2002b, p. 17).

 

Seguindo as contribuições de Guimarães (2002a; 2002b), coloca-se em movimento a importância do projeto para a construção permanente dos acontecimentos de linguagem e não a simples indicação ou rotulação de algo. O processo de circulação e funcionamento do PPEV afeta, parafraseando Guimarães (2009), as próprias condições que levaram a sua produção, uma vez que produz, constantemente, sentido no embate político que faz parte.

À guisa de ilustração, apresenta-se a seguir o movimento que ressignifica o projeto e o designa:

 

Essa prática enriquecerá o Projeto Político Pedagógico das Escolas, a abordagem dos conteúdos, os planejamentos interdisciplinares, integrando a questão ambiental ao cotidiano escolar, pois é uma expressão social, cultural, ambiental promovedora de saberes e sentidos. Assim, agregar esforços de instituições públicas inseridas no processo de formação iniciada e continuada, bem como da sociedade civil para o desenvolvimento de estratégias de intervenção ambiental na escola remete ao conjunto de ações preventivas e paliativas para minimizar os efeitos ambientais da atividade humana, em que a escola assume a responsabilidade de estar à frente para a defesa de uma sociedade sustentável. (UNEMAT, 2018, p. 9).

 

              Como se pode observar no excerto acima, a designação do projeto possui relação com a nomeação, tratam-se de acontecimentos de linguagem em que tanto o nome quanto a designação do PPEV são recortados por uma memória tomada em temporalidades específicas, na qual acontece a sua significação. Ademais, analisar a designação de uma palavra na enunciação, neste estudo a inserção da palavra ‘pesquisa’, é, segundo Guimarães (2002b, p. 28), “[...] ver como sua presença no texto constitui predicações por sobre a segmentalidade do texto, e que produzem o sentido da designação.” Neste caso, a palavra ‘pesquisa’ designa as condições de trabalho da segunda etapa do projeto.

No que toca a referência, Guimarães (2010, p. 128) expõe que “[...] é a relação, num acontecimento de enunciação específico, entre uma expressão linguística e algo no mundo, que a expressão particulariza entre outras”. Assim, a Educação Ambiental e desenvolvimento de uma sociedade sustentável são as expressões linguísticas particularizadas no enunciado. Desta forma, o sentido é toda a significação de um enunciado, ou seja, Educação Ambiental e desenvolvimento sustentável – que são as referências – são partes constitutivas e inseparáveis do PPEV.

Quanto a relação entre designação e referência, Guimarães (2002b) aponta que, deve-se buscar a forma que o nome se refere no texto em que está inserido e observar como este se relaciona com outros nomes pela textualidade, dando a aparência de substituibilidade. Nesse sentido, as formas de se referir que circundam o nome são um modo de determiná-lo e de predicá-lo, assim, a reescrituração predica algo de uma palavra sobre outra, através do próprio movimento de polissemia da reescritura.

Nessa seara, a partir dos domínios semânticos de determinação (doravante DSD) – dada a relação de uma palavra com outra que se estabelece durante as análises, no funcionamento do texto –, observou-se que as nomeações e as predicações produzem sentidos e significam o espaço enunciativo do espaço urbano da cidade de Sinop, ou seja, apontam o funcionamento da significação do texto que determinam o sentido das expressões linguísticas. (GUIMARÃES, 2007).

Assim, temos a relação de nomeação, designação e referência. Assim,

 

É interessante ver como este tipo de consideração do funcionamento da designação, nomeação e referência, coloca absolutamente em cheque qualquer tentativa de tratamento composicional do sentido. Esta impossibilidade está ligada ao fato de que a relação integrativa de uma expressão deve ser remetida à textualidade e não às relações imediatas e segmentais num enunciado. E isto se liga diretamente ao caráter próprio do funcionamento político da linguagem no acontecimento da enunciação. (GUIMARÃES, 2002b, p. 94).

 

Vislumbrou-se até este ponto do trabalho, a discussão acerca da nomeação, designação e referência no projeto. Contudo, há de se destacar também o próprio movimento integrativo da nomeação do PPEV, uma vez que, a palavra ‘verde’ no enunciado do projeto apresenta-se como elemento que possui aparência de substituibilidade por outros elementos linguísticos, que significam e ressignificam, o que gera novos significados e interpretações, que serão discutidos no próximo tópico.

‘Verde’ para → ‘árvore’ → ‘Educação Ambiental’ → ‘desenvolvimento sustentável’

 

4. O ‘verde’ como elemento de substituibilidade no enunciado

 

Para que as análises aconteçam faz-se necessário discutir a posição sujeito e os lugares de enunciação que os entrevistados idealizadores do PPEV ocupam. Primeiramente, o Promotor de Justiça ao enunciar, se constituí em seu lugar social de Promotor de Justiça, atuante na comarca de Sinop/Mato Grosso, idealizador do PEV e do PPEV, caracteriza-se assim como Locutor-Promotor no espaço de enunciação da promotoria.

O espaço de enunciação ocorre no espaço em que sujeito e língua se encontram/funcionam, num lugar central e decisivo de enunciação. Conceitua-se, de acordo com Guimarães (2014), como espaço de relação constitutiva com o falante, que coloca o político como parte própria do funcionamento. “São espaços de funcionamento de línguas, que se dividem, redividem, se misturam, desfazem, transformam por uma disputa incessante. São espaços habitados por falantes, ou seja, por sujeitos divididos por seus direitos ao dizer e aos modos de dizer.” (GUIMARÃES, 2002b, p. 18).

Segundo Guimarães (2002b), a enunciação acontece por meio dos agenciamentos específicos da língua e é no acontecimento que se dá o agenciamento político. Assim, há um embate entre línguas e falantes que é inerente aos espaços de enunciação em que os falantes são tomados por agenciamentos enunciativos. Uma cena enunciativa é caracterizada por constituir maneiras específicas de tomada da palavra nas relações entre as figuras de enunciações e as formas linguísticas. É, portanto, um espaço particularizado por uma “[...] deontologia específica de distribuição dos lugares de enunciação no acontecimento.” (GUIMARÃES, 2002b, p. 23).

Já os lugares enunciativos, conforme Guimarães, constituem-se por configurações específicas do que ele chama de agenciamento enunciativo para a pessoa que fala e para quem se fala. Assim, a pessoa que fala ou para quem se fala não são exatamente pessoas, mas sim configurações do agenciamento enunciativo. Para Guimarães (2002b; 2014), a cena enunciativa é constituída por lugares enunciativos, isto é, distribuição de lugares que se realizam pela temporalização pertencente do acontecimento. Assim, a temporalidade é alicerce da cena enunciativa.

A ação de assumir a palavra configura-se como o ato de colocar-se no lugar que enuncia, isto é, o lugar do Locutor. Portanto, a ideia de Locutor é tomada como lugar social de locutor, ou seja, para o locutor existir enquanto origem do que enuncia, é necessário que ele não seja ele próprio, que não fale de si próprio, porém de um lugar social do qual enuncia, isto é, um lugar social de Locutor. A título de exemplificação, se o presidente da república decretar X, ele fará isso porque assume o lugar de Locutor-presidente que fala a língua portuguesa. Aqui, de acordo com Guimarães (2002b), há um lugar de inseparabilidade da língua e do Estado cujo ponto máximo se dá pela resistência as outras línguas.

Assim, a enunciação se dá e pode ser analisada de acordo com a distribuição de lugares sociais e enunciadores na cena enunciativa, constituindo-se pelo acontecimento de linguagem que temporaliza, remetendo-se sempre que o enunciar ocorre sempre por disparidade do Locutor.

Ao enunciar da posição Locutor-Promotor, o sujeito leva o seu lugar de dizer a outros espaços que envolvem a sua posição-sujeito, como por exemplo, as escolas envolvidas com o projeto. Desta maneira, toma o lugar do dizer como locutor-universal, que segundo Guimarães (2002b, p. 29) “[...] é um dizer que se apresenta como válido para todos e cada um e para todas as situações [...] como válido para qualquer fato como aquilo que vai dirigir os fatos”.

Definir o lugar de dizer do Locutor-Promotor na designação do sujeito é determinar o que fala à medida que se considera o espaço enunciativo, político e social que pertence. Assim, segundo Oliveira (2006, p. 34) “[...] a enunciação é entendida como prática política, o que se explicita pela consideração do espaço de enunciação como espaço de divisão das línguas e dos sujeitos.” Nesse quadro, pode-se afirmar que os espaços de enunciação são os locais que ocorrem o funcionamento de línguas que se constroem, se desconstroem e se reconstroem.

A segunda entrevistada, ocupa o lugar social do dizer e a posição-sujeito de professora doutora da UNEMAT e coordenadora do PPEV, que se estende a outros espaços de enunciação referentes ao projeto. Dando ênfase na posição sujeito, para melhor compreensão, tem-se como exemplo que se a professora for à escola para tratar assuntos referentes as netas, tomará a posição-sujeito avó; destarte, se a professora for a esta mesma escola para tratar de assuntos referentes ao projeto, o lugar social do dizer da Locutora-professora coordenadora passa a ser a posição-sujeito que ocupa frente ao projeto, a de professora doutora coordenadora do PPEV.

Assim como o primeiro entrevistado, a professora também ocupa o lugar de enunciador-universal, conforme pontua Guimarães (2002b, p. 31), que é “[...] o lugar que fala a partir da posição do discurso científico.”, uma vez que se trata de um indivíduo caracterizado como pesquisadora da educação.

Dada essa breve explanação sobre a posição-sujeito e os lugares de enunciação dos entrevistados, dar-se-á início às análises de substituibilidade.

Para tanto, conforme pontua Guimarães (2002b, p. 7), operar as análises da perspectiva da semântica linguística é “[...] considerar o processo no qual uma forma constitui sentido em um enunciado, enquanto enunciado em um texto”. Tem-se assim uma relação integrativa que afere sentido à unidade que não se limita à escrita, pois faz parte de uma unidade mais ampla que considera o texto e o acontecimento enunciativo.              

Para tanto, temos a seguinte representação:

Nessa conjuntura, o modo como o termo predica e determina, dentro dos movimentos textuais do PPEV, permite compreender sua designação que, no que lhe concerne, apresenta o funcionamento semântico enunciativo dos termos que constituem o nome do projeto, retomando aquilo que está no memorável. Ou seja, se liga a palavras que dão sentido ao enunciado de acordo com as condições de produção que marcam/determinam o sentido na historicidade. Assim, considerar o DSD é compreender os sentidos construídos na enunciação, em sua forma histórica.

Para entender as substituibilidades acima apresentadas se faz necessário compreender primeiramente o acontecimento, o espaço de enunciação e a cena enunciativa que estabelece a relação integrativa com o nome PPEV. Guimarães (2002b, p. 12) assevera que “O acontecimento tem como seu um depois incontornável, e próprio do dizer. Todo acontecimento de linguagem significa porque projeta em si mesmo um futuro”.

A partir do DSD, percebe-se as relações dos termos que se configuram e constituem o enunciado do PPEV. Tais termos configuram e determinam o funcionamento do texto recordando o memorável que, juntamente com a latência de futuro, na cena enunciativa, configuram os sentidos e os processos de significação. Assim, “[...] as palavras significam segundo as relações de determinação semântica que se constituem no acontecimento enunciativo. Ou seja, são relações que se constituem pelo modo como se relacionam com outras num texto [...]” (GUIMARÃES, 2007, p. 80).

 

Um aspecto importante aqui é que no DSD são as relações que constituem o sentido de uma palavra e estas são apresentadas por uma escrita própria. Esta escrita estabelece as relações por meio de alguns sinais específicos, que fazem parte do que seja o DSD. Os sinais são os seguintes: ├ ou ┤ou ┴ ou, ┬ (que significam determinam, por exemplo y ├ x significa x determina y, ou x ┤y significa igualmente x determina y); – que significa sinonímia; e um traço como ⸺⸺⸺⸏, dividindo um domínio significa antonímia. (GUIMARÃES, 2007, p. 80-81)

 

A partir de Guimarães (2007), temos a representação do DSD do PPEV:

Compreendeu-se que no PPEV, os termos ‘verde’ e ‘árvore’ constroem uma relação sinonímica no enunciado, dada as condições de produção da criação do projeto mencionadas anteriormente. Porém, para que tais termos tenham essa relação e signifiquem dentro do projeto, os termos ‘educação ambiental’ e ‘desenvolvimento sustentável’ constituem os sentidos apresentados do projeto, determinando e constituindo o nome do PPEV. Assim, dado o percurso de sentido constituído pelos termos, a organização enunciativa do PPEV aponta o modo como os termos se configuram, o que indica o processo de determinação que constitui sentidos e significados no funcionamento enunciativo.

Nesse sentido, ressalta-se os seguintes excertos dos entrevistados:

 

(03) Locutor-Promotor de Justiça: [...] o Projeto Escola Verde nasceu aqui na promotoria, na verdade nasceu de uma inquietação minha e, obviamente, cresceu e foi criando adeptos. A inquietação é que moramos no meio da Floresta Amazônica e, Sinop, é uma cidade pelada. Fazem-se os loteamentos, abrem-se ruas e se esquecem das árvores, e elas têm uma grandiosa importância, tanto em questões de temperatura, questões ambientais..., além de que oferece uma gama de benefícios[...]. (itálico nosso)

 

Nesse primeiro excerto, deu-se destaque a duas falas que remetem à ‘árvore’ e a falta dela, termos que levaram o Promotor de Justiça a instituir a primeira etapa do projeto e a nomeá-lo como ‘Projeto Escola Verde’, ou seja, a cor ‘verde’ é utilizada como substituto de árvore, pois a cor é o que predomina quando se refere ao meio ambiente natural, o que se reforça no enunciado a seguir.

(04) Locutor-Promotor de Justiça: [...] o nome Escola Verde, como havia dito anteriormente, se encaixa como uma luva, porque o projeto é de Educação Ambiental, então seria aí o verde falando mais alto no ouvido e na consciência das crianças.

 

Observa-se do excerto acima transcrito que o acontecimento de linguagem ‘Escola Verde’ temporaliza em dois momentos, primeiramente do PEV e depois no PPEV. A enunciação dessa segunda fase rememora enunciações anteriores, o que funciona como uma nova temporalização, estabelecendo novas significações e objetivos que provocam novos sentidos e possibilitam a reescrituração das próprias definições das palavras citadas nos dicionários, como no exemplo dos verbetes a seguir4:

 

Ver.de - substantivo masculino. Cor resultante da combinação do amarelo com o azul. Forragem fresca: o verde dos campos. Qualquer vegetação: floresta que mantém seu verde original. adjetivo - Diz-se dessa cor: cor verde. Que ainda tem seiva; que não está seco: madeira verde. Que não está maduro: fruta verde. [Figurado] Sem experiência; inexperiente, principiante. [Figurado] Que traz consigo o vigor, a vontade de algo novo. Diz-se de carne fresca: carne verde. Diz-se do vinho novo: vinho verde. [Política] Que faz parte ou é apoiador de qualquer inciativa (grupo, partido político etc.) que visa a defesa do meio ambiente, buscando preservar seus ecossistemas naturais. substantivo masculino - [Política] Esse movimento, grupo ou partido. expressão - Jogar verde para colher maduro. Fazer insinuações hábeis, para incitar alguém a revelar o que esconderia numa pergunta direta. (DICIO, 2019, s. p.)

 

De.sen.vol.vi.men.to sus.ten.tá.vel - substantivo masculino. Processo de desenvolvimento que busca proteger o meio ambiente, assegurando as necessidades da geração atual, sem esgotar os recursos naturais do planeta para as gerações futuras; ecodesenvolvimento: representantes de 180 países ligados à ONU discutirão uma política de desenvolvimento sustentável para o planeta. (DICIO, 2019, s. p.)

 

Ár.vo.re - substantivo feminino. Planta lenhosa cujo caule, ou tronco, fixado no solo com raízes, é despido na base e carregado de galhos e folhas na parte superior. Mecânica. Eixo usado para transmitir um movimento ou para transformá-lo: árvore de cames.

Árvore genealógica, quadro que dá, sob forma de árvore com suas ramificações, a filiação dos membros de uma família. [Anatomia] Árvore da vida, parte interna e ramificada do cerebelo, cuja seção figura uma árvore. [Psicologia] Teste da árvore, teste projetivo dos retardamentos e das perturbações da personalidade, que se revelam no desenho de uma árvore executada pelo indivíduo.

Árvore de Natal, árvore que se arma na noite de Natal, na sala principal da casa, e de cujos ramos pendem presentes e brindes. (DICIO, 2019, s. p.)

 

Tem-se também a substituição na projeção de sentidos na formulação da nomeação do projeto, que traz como um de seus objetivos assumir a responsabilidade de discutir nos espaços escolares acerca da Educação Ambiental “[...] em defesa de uma sociedade sustentável.” (UNEMAT, 2018, p. 9). Apresenta-se assim a substituibilidade de:

 

‘Verde’ para → ‘árvore’ → ‘Educação Ambiental’ → ‘desenvolvimento sustentável’

 

Dada essas substituibilidades, os idealizadores do projeto reafirmam a importância de uma sociedade sustentável através das representações de ‘árvore’, ‘Educação Ambiental’ e ‘desenvolvimento sustentável’, o que nos remete a fala de Rodrigues (1996), que aponta só ser possível esta relação através de um desenvolvimento ligado à natureza considerando-a como um bem para com a sociedade, valorizando a diversidade biológica e cultural desse meio. Desta maneira, Educação Ambiental e desenvolvimento sustentável referem-se entre si constantemente – por isso que na representação há uma flecha de duas indicações –, uma vez que visa a educação, o crescimento responsável e o compromisso social para garantir condições dignas de vida sustentáveis para a sociedade.

              De acordo com Guimarães (2002a; 2002b), as relações que constituem os sentidos das palavras são relações inscritas na história, ou melhor, nas enunciações que constituem o processo sócio-histórico e ideológico.

Deste modo, além do contexto da substituibilidade, pode-se apontar também o DSD do PPEV:

 

 

O DSD acima apresentado demonstra a relação das palavras no enunciado do PPEV, o que determina os sentidos que são encontrados nos textos – no arquivo do PPEV e nas entrevistas coletadas. Ou seja, aponta o funcionamento das palavras na enunciação e como, através da relação enunciativa constituída na história, compõem os sentidos do texto.

 

[...] dizer qual é o sentido de uma palavra é poder estabelecer seu DSD. E isto só pode ser feito a partir do funcionamento da palavra nos textos em que aparece. Outra coisa importante, um DSD é construído pela análise das relações de uma palavra com as outras que a determinam em textos em que funciona. Desde modo podemos dizer o que significa uma palavra num certo texto, num conjunto de textos relacionados por algum critério que os reúna: do mesmo autor, sobre um certo assunto, de um certo momento, etc. (GUIMARÃES, 2007, p. 81).

 

Assim, para os idealizadores do PPEV, para que ocorra verdadeiramente o compromisso social que garanta condições dignas de vida sustentáveis para a sociedade, Layrargues (2009) apresenta que Educação Ambiental e o desenvolvimento sustentável só poderão contribuir com a sociedade se levarem em conta as desigualdades sociais, as questões políticas, o cenário econômico do país e, atualmente a permeabilidade das tecnologias digitais. Tem-se assim a importância da Educação Ambiental como educação crítica da realidade vivenciada, que fomenta a percepção da necessária integração do meio ambiente com os indivíduos. Assim, os sentidos de Educação Ambiental são ampliados por estarem presentes nas discussões sobre sustentabilidade. Ou seja, se dão em processos parafrásticos.

É o que se extrai da Conferência Internacional Ambiente e Sociedade: Educação e Sensibilização do Público para a Sustentabilidade que ocorreu em Tessalôsnica, na Grécia no ano de 1997. Na oportunidade,

 

A educação e a formação da consciência pública foram consideradas pilares da sustentabilidade junto com a legislação, a economia e a tecnologia, implicando integração de esforços e coordenação de setores fundamentais, rápidas e radicais mudanças de condutas e estilo de vida, bem como nos padrões de produção e consumo. (PELICIONI; PHILIPPI-JUNIOR, 2005, p. 8).

 

              Tratando-se ainda de substituibilidade, sobre a relação de desenvolvimento sustentável com o PPEV, os entrevistados enunciam que:

 

(01) Locutora-Professora Doutora Coordenadora do PPEV: Falar de educação ambiental é falar de desenvolvimento sustentável, não há como não relacionar um com o outro porque na educação ambiental nós vamos tratar do nosso dia a dia, nós vamos tratar dos nossos conceitos na nossa formação, na educação, sempre utilizo o termo criança porque tratando lá da escola, mas quando se fala da criança lá na escola também inserindo a formação aqui na universidade. Então, a educação ambiental veio pra contribuir com as demais ‘educações’, ao falarmos do meio ambiente o desenvolvimento sustentável está inserido nisso. Quando eu penso naquele espaço da escola, eu preciso me colocar, porque não é só a escola que está naquele bairro, há pessoas que lá residem, que lá fizeram sua moradia, enfim, tem como concepção o desenvolvimento sustentável, se planejaram para estar lá, tem um planejamento de um desenvolvimento para sua vida, para sua sobrevivência. [...] nos colocamos dentro desse contexto, enquanto educadores ambientais. (itálico nosso)

 

(02) Locutora-Professora Doutora Coordenadora do PPEV: [...] então são conceitos que são definidos numa discussão voltada para o projeto, mas que vem tratar como foco, principal, a educação ambiental, e o desenvolvimento sustentável que está inserido no campo escolar, pois quando eu penso naquele espaço da escola, eu preciso me colocar, porque não é só a escola que está naquele bairro, em volta/quem frequenta, todo aquele em torno, são as pessoas que lá estão, que lá residem, que lá fizeram sua moradia, enfim, se planejaram para estar lá, tem um planejamento de um desenvolvimento sustentável para sua vida [...]. (itálico nosso)

 

(05) Locutor-Promotor de Justiça: Isso anda pare passo, de mãos dadas, não tem como você ter o desenvolvimento sustentável sem Educação Ambiental. Sem consciência ambiental não tem como você falar em sustentabilidade! E nós estamos buscando através de conhecimento formal, através de pesquisas [...] a conscientização ambiental, neste nosso formato, é extremamente importante. [...] Sem educação não tem como se falar em desenvolvimento nenhum, quanto mais desenvolvimento sustentável. (itálico nosso)

 

Como se extrai dos enunciados acima transcritos, o enunciado (01) da Locutora-Professora Doutora Coordenadora do PPEV apresenta duas perspectivas, no primeiro itálico a utilização do verbo ‘haver’ representado na fala por ‘é’ remete à interpretação de que Educação Ambiental e desenvolvimento sustentável podem ser considerados sinônimos, enquanto no segundo dá-se a entender que o desenvolvimento sustentável está inserido nos debates acerca da Educação Ambiental trabalhada no projeto, ou seja, em conformidade com o disposto no documento que propõe o PPEV. No enunciado (02) da Locutora-Professora Doutora Coordenadora do PPEV, os termos de Educação Ambiental e desenvolvimento sustentável não aparecem como termos de substituibilidade, mas, ao mesmo tempo, os termos são correlacionados com suas práticas na educação e no projeto.

No que se refere ao enunciado (04), em seus dois destaques em itálico, têm-se a Educação Ambiental e o desenvolvimento sustentável como termos que possuem nomeações diferentes. Contudo, no contexto do projeto, referem-se um ao outro e designam o PPEV, pois ambos não convivem de forma isolada por possuírem uma relação inseparável. Isto se reforça pelo uso da expressão ‘de mãos dadas’ e a utilização por três vezes da preposição ‘sem’.

Essa conclusão encontra amparo em Oliveira (2006) quando afirma que a designação significa nas relações linguísticas simbólicas históricas – expostas ao real – e a referência é entendida como parte desse procedimento maior que é a designação, uma vez que particulariza algo no/pelo enunciado.

Assim, segundo Guimarães (2002b, p. 27) “[...] é fundamental observar como o nome está relacionado pela textualidade com outros nomes ali funcionando sob a aparência da substituibilidade”. Portanto, a substituibilidade da palavra ‘Verde’ – apresentada na nomeação do projeto – para outros termos, como árvore/Educação Ambiental/desenvolvimento sustentável, retratam a cena enunciativa onde ocorreu a assunção das palavras ao nomear o projeto pelos Locutores, uma vez que conforme Guimarães (2002b, p. 23) “Uma cena enunciativa se caracteriza por constituir modos específicos de acesso à palavra dadas as relações entre as figuras da enunciação e as formas linguísticas”.

Na cena enunciativa, os Locutores-entrevistados se encontram no lugar de enunciação no/do acontecimento, o que configura, de acordo com Guimarães (2002a; 2002b), o agenciamento enunciativo de ‘aquele que fala’ em sua posição sujeito para ‘aquele para quem se fala’ durante a cena enunciativa. Assim, compreende-se que, o lugar dos sujeitos na cena enunciativa são ‘lugares constituídos pelos dizeres’ – pelos dizeres outros – que se constroem pelo funcionamento da língua nos espaços.

 

5. Conclusão

 

Para concluir esta reflexão, faz-se necessário voltar ao objetivo do trabalho que, através dos delineamentos da Semântica do Acontecimento, propôs caracterizar, apresentar e discutir acerca dos elementos de nomeação, a referência e a designação – utilizados por Guimarães (2002b) – da formulação da nomeação do Projeto Pesquisa Escola Verde (PPEV) e, buscar também, entender os funcionamentos enunciativos de ‘Educação Ambiental’ e ‘desenvolvimento sustentável’ encontrados no corpo das entrevistas dos idealizadores do projeto.

Assim, o PPEV e as entrevistas foram tomadas como textos, afirmados como acontecimentos que se inscreveram historicamente e linguisticamente no tempo e no espaço da cidade de Sinop, uma vez que, deixou/deixa marcas no enunciado e nos espaços que transita.

Desta forma, no espaço urbano da cidade de Sinop, onde o simbólico e o político se articulam, o PPEV produziu/produz novas relações de sentidos. Assim, ao observar a relação entre nomeação, designação e referenciação neste trabalho, buscou-se produzir interpretações que possibilitaram novos sentidos, o que se tendeu a compreender como ocorreu a construção e as designações do Projeto Escola Verde (PEV) até alcançar os desígnios da segunda etapa do projeto o PPEV. Tomou-se então ambos os projetos como algo único, reconhecido e construído pelo rememorado apresentado no interdiscurso dos locutores que idealizaram e coordenam o projeto.

Para tanto, a inclusão da palavra ‘pesquisa’ e as substituibilidades da palavra ‘verde’ que estão presentes no enunciado do PPEV, instauram sentidos que puderam ser estudados em seu modo de integração com o restante do texto linguístico e histórico, ou seja, a partir do acontecimento do PPEV, houve o funcionamento de outros acontecimentos de linguagem, o que rememoram outras questões.

Neste sentido, os termos ‘árvore’, ‘Educação Ambiental’ e ‘desenvolvimento sustentável’ aparecem como termos substitutos para a palavra ‘Verde’, uma vez que, tanto o arquivo do PPEV quanto os entrevistados, estabelecem uma relação entre tais especificações nas enunciações. Além de que os termos ‘Educação Ambiental’ e ‘desenvolvimento sustentável’ aparecem com uma estreita relação, ou então, como sinônimos no projeto, contudo, percebe-se que há significações diferentes para tais termos, mas podem ser e/ou – e para alguns autores citados durante este trabalho – devem ser trabalhados conjuntamente para que se alcance o objetivo de atingir um desenvolvimento de uma sociedade sustentável através da Educação Ambiental pautada em contribuições nas relações de ensino-aprendizagem compostos no espaço escolar.

A partir dos domínios semânticos de determinação (DSD), observou-se que as nomeações e as predicações produzem sentidos e significam o espaço enunciativo do espaço urbano da cidade de Sinop. Compreendeu-se que os termos ‘verde’ e ‘árvore’ constroem uma relação sinonímica no enunciado, dada as condições de produção da criação do projeto. Mas, para que ‘verde’ e ‘árvore’ estabeleçam a substituibilidade e a relação sinonímica, os termos ‘educação ambiental’ e ‘desenvolvimento sustentável’ determinam o objetivo do projeto, o que leva a compreensão de que, constituem os sentidos apresentados no projeto, determinando e constituindo o nome do PPEV.

Para tanto, o DSD indica que, dado o percurso de sentido constituído pelos termos – “[...] o que significa uma palavra num certo texto, num conjunto de textos relacionados por algum critério que os reúna: do mesmo autor, sobre um certo assunto, de um certo momento [...]” (GUIMARÃES, 2007, p. 81) –, a organização enunciativa do PPEV aponta o modo como os termos se configuram, o que indica o processo de determinação que constitui sentidos e significados no funcionamento enunciativo.

No acontecimento histórico e linguístico o qual o nome funciona, a nomeação é tomada como parte primordial em um enunciado, pois, é a partir dela que há a escritura na textualidade. Assim, o nomear do PPEV torna-se memorável, significa em espaços e enunciados que o acompanham e se refere a temporalidades específicas as quais produzem sentidos e apontam o acontecimento ligado ao real. Para tanto, interpretar como o nome do projeto está se relacionando no próprio enunciado, e na própria textualidade, abriu novos sentidos dos outros termos que ali foram empregados e estão em funcionamento junto com o PPEV, o que traz contribuições não só para o social ao qual o projeto está relacionado, mas também acrescenta com as questões discutidas na área da Semântica do Acontecimento.

 

 

Referências

 

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. In: DICIO, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2019, s. p. Disponível em: https://www.dicio.com.br/indole/. Acesso em: 19 maio 2019.

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GUIMARÃES, Eduardo. Linguagem e conhecimento: produção e circulação da Ciência. Rua, Campinas, n. 15, v. 2, p. 5-14, nov., 2009. Disponível em: https://www.labeurb.unicamp.br/rua/anteriores/pages/home/capaArtigo.rua?id=75. Acesso em: 20 maio 2019.

GUIMARÃES, Eduardo. Os limites do sentido: um estudo histórico e enunciativo da linguagem. 2. ed. Campinas: Pontes, 2002a.

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SILVA NETO, Pompílio Paulo Azevedo. Projeto Pesquisa Escola Verde. [Entrevista cedida para Andressa Fabrina Klauck e Rhafaela Rico Bertolino Beriula]. 20 mar. 2019, Sinop, MT, 2019. Gravação digital (16 m 13 s).

TRUGILLO, Edneuza Alves. Projeto Pesquisa Escola Verde. [Entrevista cedida para Andressa Fabrina Klauck e Rhafaela Rico Bertolino Beriula]. 28 mar. 2019, Sinop, MT, 2019. Gravação digital (42 m 59 s).

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO – UNEMAT. Estrutura Do Projeto De Pesquisa Escola Verde: Estudo Sobre Política E Formação em Educação Ambiental. Sinop: Diretoria de Gestão de Pesquisa; Unemat, 2018.

 

 

Data de Recebimento: 22/01/2020
Data de Aprovação: 15/02/2021

 


1  O arquivo completo da entrevista foi construído por Rhafaela Rico Bertolino Beriula e Andressa Fabrina Klauck.

2  Os dois participantes da pesquisa – o Promotor de Justiça da cidade de Sinop e a Professora Doutora coordenadora do PPEV na UNEMAT – concordaram e assinalaram o Termo de Consentimento Informado (TCI). O TCI apresentou todos os condicionamentos e caminhos da pesquisa, o termo de aceite de participação e colaboração na entrevista semiestruturada, a autorização da gravação da entrevista, sua transcrição e sua posterior divulgação e escrita em um trabalho científico.

3  O termo de ajuste de conduta é um acordo realizado entre o Ministério Público e o violador que cometeu danos ambientais. O termo está circunscrito e previsto no § 6º do art. 5º da Lei 7347/85 e no art. 14 da Recomendação do CNMP nº 16/10.

4  O verbete ‘Educação Ambiental’ não está presente no dicionário.