Como se traduz e se imprime o saber das conquistas espanholas na Itália do século XVI?1 Logo de início, tal questão transcende o campo linguístico e retórico próprio à história das práticas e teorias da tradução e se reveste potencialmente de uma dimensão política acentuada. Isso por três razões ao menos. Em primeiro lugar, a questão está na maneira pela qual se apresenta os textos sobre populações e os territórios conquistados pela Espanha a um público que está, em sua maior parte, sob dominação direta ou indireta dos poderes espanhóis. Em segundo lugar, esses textos, que tradicionalmente são agrupados sob a categoria de Crónicas de Indias, em sua maior parte têm um teor ideológico marcado, uma vez que todos esses relatos são interpretações da conquista, tendo por objetivo defender (ou, em alguns casos, contestar) a ação e os direitos dos atores, sejam eles os conquistadores ou os representantes da Coroa. Por fim, não é irrelevante o fato de que os dois principais lugares de publicação dessas traduções sejam as duas capitais que conseguiram, ao longo de todo o século XVI, manter sua independência diante do poder imperial e espanhol: Veneza, é claro, mas também, em menor grau, Roma2.
Ampliando o trabalho já realizado sobre as traduções de López de Gómara e de Cieza de León feitas em Roma por Agustín Cravaliz3, minha proposta aqui é interrogar à luz desse triplo condicionamento político o conjunto de paratextos que apresenta essas traduções ‘venezianas’ e ‘romanas’. A hipótese que pretendo testar é a de um papel determinante do horizonte de recepção das traduções, mais exatamente dos lugares de suas publicações e do contexto editorial no qual elas aparecem, tanto pela significação geral que é atribuída aos textos fontes quanto pelas lógicas que presidem os processos de tradução4.
A tradução e a publicação em Roma das duas partes da Historia general de las Indias de Francisco López de Gómara e de La cronica del Peru de Pedro Cieza de León constituem uma espécie de anomalia. Esses três livros, lançados na Espanha em 1552 e 15535, foram publicados em italiano em 1555-1556 pelos irmãos Valerio e Luigi Dorico6. Roma era certamente um centro incontornável de informação diplomática, e começava a se tornar um importante local de coleta e de difusão de informação sobre as missões de evangelização (o que somente viria a acontecer plenamente nas últimas décadas do século). Mas a imprensa romana, embora muito ativa, produzia muito menos livros em geral do que a imprensa veneziana7, e quase nenhum deles continha informações provenientes dos atores envolvidos na expansão naval, política e militar. Nesse setor, até essa data (1555-1556), Veneza detinha com efeito um verdadeiro monopólio: com exceção dos primeiros anos das navegações de Colombo e de Vespúcio, em cuja difusão Roma desempenhou um papel que não foi de forma alguma nulo8, bem como de algumas raras publicações milanesas de frágil tiragem, é essencialmente a partir de Veneza que se disseminou por via impressa a difusão italiana de informação geográfica, odepórica e naturalista sobre o novo mundo e o conjunto de espaços do globo recém explorados9. De fato, a parte mais “espanhola” da obra ramusiana, o Terzo volume delle navigationi e viaggi, foi publicada em 1556, depois que a parte portuguesa, Primo volume delle navigationi e viaggi, já havia sido impressa duas vezes, em 1550 e 1554. Os anos da metade do século representam o ápice de um longo processo de difusão veneziana desse saber das conquistas, mas um ápice duradouro uma vez que as décadas seguintes viram, além das reedições de Ramusio, a tradução de um número importante de obras intelectuais de origem ibérica sobre as “Índias”, em particular as de Nicolás Monardes publicadas pelos Ziletti10.
Provavelmente não é coincidência o fato de essa “anomalia” romana ter sido rapidamente “corrigida”. Publicar Cieza e Gómara em Roma ao mesmo tempo em que o terceiro volume das Navigationi e viaggi estava sendo publicado era, de certa forma, superar os venezianos (além disso, com textos cujas informações eram mais atualizadas do que a maioria dos textos de Ramusio), e se poderia esperar que eles reagissem rapidamente. Após as primeiras edições princeps publicadas pelas editoras dos irmãos Dorico, as várias reimpressões de cada um dos volumes (três ou quatro, dependendo do caso) viram a luz do dia em Veneza por três impressores diferentes, que reproduziram as traduções de Cravaliz11 de forma idêntica. Além disso, dois outros impressores venezianos, Andrea Arrivabene e Giordano Ziletti, publicam muito rápido outras traduções de Cieza e de Gómara, por seu turno reimpressas várias vezes12. Ora, são as traduções de Cravaliz que vão assegurar a esses textos, particularmente ao de López de Gómara, uma força de difusão extraordinária, na Europa e para além dela: é com efeito o italiano de Cravaliz e não o castelhano de Gómara que traduz Martin Fumée (1569) e que lerá Montaigne, é também esse texto “italiano” que será difundido até o Império Otomano13. Mas é provável que sem suas reimpressões venezianas, a tradução “romana” não teria sido suficiente para difundir tão largamente as versões de Cravaliz (e é também particularmente significativo que uma vez que um texto “americano” é publicado em Roma ele deva ser rapidamente e intensamente republicado em Veneza). A situação chegou a tal ponto que Serge Gruzinski apresentou essas traduções de Cravaliz como ilustrações exemplares da maneira como Veneza soube ser a protagonista da “conquista do mundo como uma imagem concebida” (isto é, essa “conquista” que definiria – segundo as palavras de Martin Heidegger que Gruzinski retoma por sua conta – “o processo fundamental dos tempos modernos”14). Nesse caso específico, essa “conquista” é, no entanto, romana antes de ser veneziana; mas se trata de um caso excepcional, que deve ser tratado como tal.
Essa singularidade romana não é unicamente quantitativa. Ela se torna bastante clara quando comparamos os conteúdos dos paratextos dessas traduções romanas com os das bem mais numerosas traduções venezianas. Dito de outro modo, não é indiferente que essa “conquista da imagem do mundo” seja transmitida a partir de Roma ou de Veneza, na medida em que justamente – como vamos ver – a imagem da conquista do mundo que é dada por Cravaliz em Roma em 1555 difere sensivelmente da que é dada em Veneza ao longo de todo o século.
Para mostrar isso, se impõe um rápido panorama das maneiras pelas quais são apresentadas as traduções desses textos em Veneza, de acordo com as formas que mantêm certas constantes ao longo de todo o século XVI. Em seguida, nos voltaremos sobre as introduções dadas por Cravaliz a suas próprias traduções romanas.
1. Todo o primeiro período da recepção dos textos sobre as navegações espanholas na América é marcado por uma insistência sobre a novidade junto da aparição e da difusão rápida e massiva da denominação ‘Novo mundo’ popularizada em primeiro lugar pelo Mundus novus, tradução em latim de um texto de (ou inspirado em) Vespúcio15. É claramente no gênero de mirabilia que Costanzo Baiguera classifica a carta de Colombo que ele publica em 1505: “La quale lettera per le mirabile che in essa se contengono havendo io traducta de Hispana in nostra Italica lengua (...) per fare cosa grata a tutti quelli che sono desiderosi de cose nove et degne da essere lecte et sapute, l’ho dedicata a tua Magnificentia la quale scio se delecta de historie degne et presertim nove, quale questa maravigliosa et inaudita”16. Há muitos módulos retóricos e qualificativos exemplares da primeira recepção em tradução de grandes textos da “Descoberta”.
Em um segundo tempo, essa tendência se inverteu em uma direção claramente humanista, mais “científica”, os paratextos vinculam à cosmografia e à filosofia natural os conteúdos das obras traduzidas. O que é surpreendente é que essa direção é marcada e compreende textos que têm inclusive uma dimensão política e militar evidente. Não são nem os acontecimentos militares nem as conquistas de Cortés que são destacados pela tradução de Niccolò Liburnio em 1524, nem ainda as conversões de populações inteiras (esses elementos militares e religiosos estavam bem presentes na dedicatória de Savorgnan ao papa Clemente VII), mas, como aparece claramente em sua carta dedicatória ao patriarca de Aquileia, Marino Grimani, sua contribuição à ciência dos humanistas17: ele se refere diretamente a todos os “diversi e dottrinati maestri di natura” que descreveram “la macchina del mondo”, e não hesita em vincular o texto de Cortés, a despeito de “la mediocrità del suo comporre”, a longa linhagem dos “prelibati geogrephi & cosmogrephi, cioè scritorri del sitio della terra & del mondo” que se sucederam desde Ptolomeu.
Um outro texto com forte dimensão político-militar é a Verdadera relación de la conquista del Perú y provincia del Cuzco de Francisco Xerez, traduzida em 1535 por Domingo de Gaztelu, secretário do embaixador da Espanha em Veneza, sob o título Libro primo de la conquista del Peru & prouincia del Cuzco de le Indie Occidentali18. Aqui também, se trata antes de tudo de um relato de conquista: Xerez é o secretário de Pizarro. Ora o livro contém um segundo frontispício apresentando dessa vez um título longo que precisa seu conteúdo em termos que não aparecem no original publicado em Sevilha um ano antes:
La admirabile ampla et vera narratione della conquista del Peru & provintia del Cuzco chiamata la nova Castiglia [...] Nella quale si contengono molte cose degne di admiratione circa le cittadi eggregie di quelle provintie & costumi di habitatori, & massivamente de la gran quantita de oro & argento & molte pietre di valore & ricche minere che in quelle bande sono ritrovate & gli fatti degni de memoria che li Spagnoli hanno fatto nella detta conquista, e quali deletteranno mirabilmente il lettore.
O novo título enfatiza o caráter informativo e descritivo do texto, concentrando-se principalmente nos costumes da população local, em suas cidades e na riqueza de seus territórios. Em sua carta dedicatória ao doge Andrea Gritti, Gaztelu insiste no fato de que ele havia, no entanto, hesitado a traduzir essa obra, precisamente em razão do fato que ela permanece “alquanto scema [...] delle altre cose che lo authore haveria possuto dire de li costumi & modo del vivere & complessione & ornamenti delle persone & habitatione di tale gente”. A observação é preciosa uma vez que ela indicaria precisamente quais poderiam ser as supostas expectativas do público leitor desse tipo de traduções, incluindo aí o primeiro dos leitores visados, a saber o próprio doge: o conhecimento de novos povos, de seus costumes e de seu habitat. Além disso, é notável que os espanhóis que claramente dependem da representação diplomática espanhola em Veneza (Domingo de Gaztelu nesse caso, Alfonso de Ulloa um pouco mais tarde) insistem nos conhecimentos geográficos, antropológicos, eventualmente econômicos (cidades, costumes, riquezas) proporcionados por esses textos, bem mais que sobre suas contribuições à glória política e militar da Coroa.
Desse processo que poderíamos chamar de “epistemologização” das conquistas, Ramusio representa de alguma maneira o apogeu, em particular quando ele introduz suas próprias traduções de relatos de conquistas espanholas em seu terceiro volume de 155619. A posição de Ramusio, que consiste em extrair a dimensão propriamente científica de fontes historiográficas hispânicas cujas questões eram também de natureza ideológico-política, aparece assim como tipicamente veneziana. Ramusio despolitiza Pietro Martire d'Anghiera e Gonzalo Fernandez de Oviedo, no sentido que ele os despoja de tudo que neles revela a conflitualidade e a propaganda espanholas, e guarda deles apenas suas contribuições ao conhecimento do mundo (aos “studiosi” que constituem o público explicitamente visado por Ramusio) – o que o conduz também a reabilitar, contra todos “gli istorici spagnuoli”, a figura de Colombo, “il qual fu il primo inventore di discoprire & far venire in luce questa metà del mondo” (f. 4vº). Ramusio também é um dos primeiros a colocar em evidência a antinomia própria às crónicas de Indias, relatos de conquistas e guerras civis de um lado, ciências da terra, do homem e da natureza de outro. Ao fazer isso, ele contrasta as duas principais temáticas das crônicas espanholas que, muito frequentemente, permanecem indissociáveis sob a pena de seus autores:
[gli] studiosi [...] desiderano di leggere e intender particolarmente & piú volentieri le cose sovradette che la natura produce in quelle parti, dissimili da quelle che nascono presso di noi, che di sapere le guerre civile che hanno fate gli Spagnuoli tra loro, ribellandosi alla Maestà Cesarea per la immensa ingordigia dell’oro, delle quali guerre tutti gli historici Spagnuoli s’hanno affaticato & affaticano di scrivere con una estrema diligenza (f. 3vº).
Essa inclinação em favor dos saberes naturais (e frequentemente também “culturais”, relativos a costumes e práticas) e essa oposição, ou ao menos essa indiferença, à própria essência da matéria histórica em seu sentido classicamente político-militar (os relatos de conquista e de guerras civis), parece ser a base para a maioria das publicações venezianas que se seguirão20. Andrea Arrivabene é para nós um caso particularmente interessante uma vez que ele apresenta uma tradução anônima de Gómara que compete, em 1557, com a tradução romana de Cravaliz que acaba de ser publicada. É significativo que ele se proponha a estabelecer uma definição inédita do que dá aos homens a maior glória: não mais as armas, mas a “navigatione a diverse parti della terra, per conoscere gli altrui costumi & paesi”21.
É ainda em um contexto tipicamente humanista que aparecem as Histoire del s. d. Fernando Colombo, traduzidas por Alfonso de Ulloa, informante espanhol bem conhecido em Veneza, em 157122 (uma tradução que é mais importante que o original porque o original não sobreviveu e o texto de Fernando Colombo só é conhecido por nós por meio dessa versão). A obra é introduzida pelo matemático e cosmógrafo Giuseppe Moleti, um amigo próximo de Gian Vincenzo Pinelli, que coloca o livro sob o signo do elogio aos sábios descobridores, de “tutti coloro che d’alcuna cosa profittevole sono stati ritrovatori ; & in tal pregio appresso a gli antichi ascesero, che non contentandosi dar loro lode humana, li connumeravano tra gli Iddei”23. Cristóvão Colombo é aí designado como um “huomo veramente divino” porque “primo inventore” de “cose rarissime, & per molti secoli ascose”24. Quanto a seu filho Fernando, ele é aí apresentado como um dos mais grandes humanistas da época – e com toda a razão, como nos lembra a pesquisa mais recente25. A importância do papel desempenhado pelos venezianos na promoção de Cristóvão Colombo contra uma grande parte da literatura espanhola da época bem foi observada pela crítica26.Mas a leitura dos paratextos das traduções revela que isso se deveu muito menos a supostas razões de solidariedade patriótica presumida entre antigas repúblicas marítimas (em virtude do postulado pouco crível de uma sororidade entre Veneza e Gênova) do que ao filtro epistemológico caro aos venezianos, que os conduziu a exaltar os exploradores mais que os conquistadores – o que não impede, é claro, que essa prioridade dada aos saberes tenha também em Veneza uma dimensão propriamente política27.
Além do papel que desempenha de maneira evidente a tradição científica veneziana e paduana nessa história tão particular de traduções dos relatos da conquista espanhola, convém também evocar a hostilidade ao menos tácita que ela manifesta em relação à dimensão propriamente militar dessa conquista. Uma hostilidade que, sabemos, se mostrou abertamente em 1565 com La Historia del Mondo nuovo de Girolamo Benzoni28. Esse livro – é preciso lembrá-lo porque é raramente com esse título que ele é evocado – não se apresenta como uma contra-história da conquista, mas como uma obra destinada a mostrar “à maneira de um espelho”, com ajuda de gravuras comentadas, os costumes e as técnicas dos Índios, assim como seus recursos naturais específicos. Em poucas palavras, um trabalho guiado principalmente por um desejo de transmissão de conhecimentos, mais do que pela vontade de difundir uma “lenda negra” por meio de um panfleto. O livro de Benzoni representa uma versão radicalizada do tropismo das publicações venezianas sobre o Novo Mundo: os fatos de armas da conquista são tão depreciados quanto os efeitos de saber são exaltados.
2. Face ao filtro intelectual das traduções venezianas que se sucederam ao longo do século XVI, as traduções romanas de Cravaliz apresentam um contraste marcante29. O exame de suas cartas dedicatórias permite estabelecer que a publicação italiana dessas três grandes vertentes da história da conquista espanhola está intimamente ligada a questões políticas e diplomáticas. Em uma palavra: no cruzamento da diplomacia e da ciência, essa publicação visa elaborar um saber das conquistas que exalta, de Roma, a monarquia espanhola.
Sabemos poucas coisas sobre Augustín Cravaliz. Que ele era originário de San Sebastián no País Basco, que ele residiu por muito tempo em Roma, durante os pontificados de Paulo IV e Pio IV pelo menos, e que ele aí estava a serviço da embaixada da Espanha. Ele defende em todo caso muito ativamente os interesses espanhóis em Roma: ele é notadamente o autor de um Discurso sobre el negocio de la precedencia delante de su Sanctidad ante España y Francia (Roma, maio de 1564), cujo objetivo era demonstrar, sobre a base de histórias, “que la España es cabeça de Europa”30. O fato que esse seja o único outro texto conhecido de Cravaliz é significativo: seus prólogos escritos poucas dezenas de anos mais cedo, e particularmente o primeiro, que introduz o livro de Cieza, são já uma defesa e demonstração da proeminência internacional da monarquia espanhola. Melhor: os argumentos do memorial de maio de 1564 para defender a presença espanhola – a Espanha apresentada como uma única e mesma entidade desde os tempos imemoriais e a reafirmação de seu papel messiânico, com uma perfeita continuidade desde os Visigodos até hoje – retomam os principais pontos dos prólogos de 1555.
Mas antes de se deter sobre os prólogos de Cravaliz, algumas palavras se impõem sobre os conteúdos das obras que ele traduz e introduz. Os livros de Cieza de León e de López de Gómara têm em comum o fato de serem ao mesmo tempo histórias da conquista e histórias naturais do Novo Mundo. São “histórias naturais e morais”, para aplicar o título que Acosta escolherá trinta e cinco anos mais tarde – mas que já é adequado ao menos em parte a essa nova matéria científica reportada da América, que é indissociavelmente ciência natural e ciência humana. Elas ligam muito estreitamente um saber de tipo político-militar e uma ciência do homem e da natureza que a exploração e a conquista da América renovam profundamente. Na realidade essa constatação vale para o conjunto da literatura ibérico-americana sobre o Novo Mundo: é por essa razão justamente que as traduções venezianas puderam destacar a dimensão científica desses textos; as recriminações de Ramusio contra os historiadores espanhóis que se interessavam unicamente pelos conflitos internos à Conquista são tendenciosas, uma escolha clara em favor de uma recepção científica desses textos, mais do que uma constatação objetiva. Por todo canto se impõe nessa época o sintagma descubrimiento y conquista que tem, entre outros efeitos, o de afirmar que a conquista político-militar é também uma conquista epistêmica – um sintagma que rapidamente se cristalizou, e isso por muito tempo uma vez que a historiografia moderna o apropriou e não hesita ainda hoje em utilizá-lo de maneira acrítica para designar o conjunto do processo de exploração e de colonização das Américas. Embora se inscrevam no gênero clássico da história política e militar – ambos pretendem ilustrar o gesto de dois homens em guerra: Pizarro no caso de Cieza de León, Cortés no caso de Gómara – nenhum desses autores se deixa limitar por ele. Cieza é particularmente inovador em relação a trabalhos anteriores consagrados à conquista do império Inca: é aqui que pela primeira vez se transmite um vasto saber sobre a região dos Andes31. Como foi observado, o fato que o autor seja um militar que participou das expedições de Pizarro não o impede de produzir um “texto científico” que é “en gran medida un estudio – el primero editado en Europa – de la geografía e historia natural del territorio compreendido entre Panamá y Potosí”32, fundamental para os conhecimentos geográficos, meteorológicos, antropológicos, zoológicos e botânicos da região andina. Diferentemente, a Historia general de las Indias é obra de um letrado de formação humanista: embebido de cultura italiana durante os dez anos que passou na península, Gómara jamais colocou os pés na América, mas conheceu pessoalmente Cortés por ocasião da campanha de Argel, da qual participou ao retornar da Itália, em 1541. Foi a serviço de Cortés que ele escreveu a biografia do conquistador, que é sua História do México, a segunda parte da Historia General de las Indias, cuja primeira parte é apresentada como um tratado erudito, tanto geográfico quanto histórico, consagrado à América, e começa, além disso, com capítulos propriamente cosmográficos repletos de referências científicas antigas que, no entanto, ele não teve problemas em questionar33. Além da famosa afirmação inicial de que “La mayor cosa después de la creación del mundo, sacando la encarnación y muerte del que lo crió, es el descubrimiento de Indias”, Gómara defendeu um certo número de ideias: unicidade, rotundidade e completa habitabilidade da Terra, existência de continentes bem distintos, unidade do gênero humano etc.
Passemos agora à contribuição de Cravaliz e à significação de sua operação editorial que se lê essencialmente em suas cartas dedicatórias. Importam notadamente os destinatários dessas epístolas que permitem reconstituir o meio no qual ele opera e o contexto imediato que dá sentido a essas traduções.
O ano de 1555 é o da ascensão ao trono do papa mais violentamente antiespanhol que teria conhecido o século XVI, o antigo inquisidor geral Gian Pietro Carafa, Paulo IV (23 de maio); em 1556, ele declara guerra aos espanhóis no reino de Nápoles, desencadeando assim a última sequência das guerras de Itália. A hostilidade do novo papa para com os espanhóis se devia essencialmente a uma rejeição de qualquer concessão em favor dos protestantes, visto que Carlos Quinto promoveu primeiramente a reconciliação no quadro do Concílio e, em seguida, aceitou a Reforma de fato e de direito quando da paz de Augsburgo de 1555 – Carafa o tratava com o título de “imperador herege”. Mas ela tinha também um certo aspecto político: o napolitano Paulo IV permanecia ligado à antiga “liberdade da Itália” e ele não mais escondia que seu ódio dos Habsburgos vinha precisamente do fato que eles pretendiam reforçar mais ainda sua dominação sobre a península.
As cartas dedicatórias da Crônica do Peru e da Conquista do México são endereçadas a dois cardeais entre os mais fortes da cúria, Gian Michele Saraceni e Rodolfo Pio di Carpi, que têm a particularidade de serem ao mesmo tempo próximos do novo papa Carafa (ele os tinha escolhido um e outro para serem membros da congregação do Santo Ofício), e filo-espanhóis. Quando Cravaliz se endereça a eles para enaltecer a Espanha em um contexto de grande tensão entre a Santa Sé e a Espanha, ele tenta de toda forma influenciar nos acontecimentos em curso.
Essas cartas são, de um lado, a que introduz Cieza e se endereça a Saraceni, um elogio da obra militar e conquistadora da Espanha, e de outro, a que introduz Gómara e é endereçada a Rodolfo Pio, um elogio de Cortés.
Mostrei em um outro estudo que a primeira era em parte uma cópia muito singular de passagens importantes do Príncipe de Maquiavel, particularmente de seus capítulos 12 e 14, no sentido de uma exaltação sem nuances da conquista pela força militar34. Inicialmente, uma retomada do gesto próprio ao Príncipe de deixar de lado as leis (aqui redobradas pela religião) em favor das armas:
[...] quantunque tra gli huomini più lodati et famosi, si giudichino degni di non picciola lode i fondatori delle religioni, et appresso i dattori delle leggi, sono nondimeno oltre a tutti laudatissimi i principi che preposti a gli esserciti hanno ampliato il regno loro, o i confini della patria [...]35.
Em seguida e sobretudo, uma cópia do princípio maquiaveliano em virtude do qual o príncipe não deve ter outro objeto nem outro pensamento a não ser a guerra:
il perché si dee sforzare ogni Principe non havere altro oggetto né altro pensiero, se non gli ordini, et gli essercitii della guerra ; percioché la guerra è sola arte che convien a chi comanda, et è di tanta virtù che non solo mantiene quei che son nati Principi, ma molte volte fa gli huomini di picciola, et privata fortuna salire ad altri, et honoratissimi gradi, sì come all’incontro quando non se ne è fatto stima, tutti i più grandi sono, o ruvinati, o caduti al basso ; non si dovria per tanto non solo mai levare il pensiero dallo essercitio delle armi, ma nella pace non meno essercitarle che nella guerra36.
É uma retomada quase palavra por palavra das primeiras linhas do capítulo XIV do Príncipe37. Ora essas linhas servem aqui para introduzir um resumo da história da Espanha, um relato feito unicamente de conquistas, de perdas e de reconquistas militares desde as origens até o ano de 1494. Naquele ano, não querendo Deus que depois da Reconquista essa “nação destinada aos empreendimentos mais gloriosos e a novas conquistas” depusesse as armas, o rei da França Charles VIII desceu à Itália para conquistar o reino de Nápoles, “o que levou as coisas da Itália para o estado em que elas se encontram hoje” e obrigou o rei Católico a vir em seu socorro. No mesmo momento, Deus permite também que comece a conquista “desse novo mundo” descoberto por Cristóvão Colombo, conduzindo assim seus habitantes “à fé do Cristo, no seio da nossa santa mãe Igreja, em parte pelas armas e em parte pela pregação e inculcação das letras sagradas”38.
Então, qual é o efeito dessa carta de dedicação? Ela se serve da mais recente das crónicas de Indias para transformá-la em ferramenta de uma hegemonia espanhola sobre a Itália fundada declaradamente sobre um modelo imperial e belicista de ascendência maquiavélica. Um único e mesmo movimento, o da conquista armada legitimada pela vitória – e logo por Deus –, une a Reconquista, a conquista da América e a dominação espanhola sobre a península itálica. O paralelo e a contemporaneidade entre a conquista do Novo Mundo e a vitória imperial sobre os exércitos franceses que não fizeram nada além de semear o caos na península, permite defender o caráter divino e providencial dessa nova Monarquia que trabalha para a grandeza da Igreja. Ao mesmo tempo em que eles libertaram da condenação os habitantes do Novo Mundo, os espanhóis libertaram os italianos dos franceses; os italianos que também fazem parte de uma Conquista que começa, sublinha Cravaliz, com obra do “glorioso Cristóvão Colombo nativo de Savona” (sic). A união dos italianos com a força imperial e a exaltação da vitória espanhola aparecem assim como os motores da difusão italiana da literatura sobre o Novo Mundo.
Da cúria e em uma carta endereçada ao cardeal do Santo Ofício, uma legitimação da conquista e da pax hispanica se exprime assim com as mesmas palavras de Maquiavel. Traduzir a conquista em italiano, traduzi-la no texto maquiaveliano: é apenas uma e mesma coisa. O fato merece ser sublinhado uma vez que é justamente no quadro do Santo Ofício e por iniciativa de Paulo IV que se preparava então o primeiro Index no qual Maquiavel logo figuraria.
Algumas palavras, mais rapidamente, sobre a segunda epístola dedicatória, endereçada ao cardeal Rodolfo Pio, para introduzir a tradução da Historia di Mexico de Gómara, em sua reedição em 155639. Aqui Maquiavel também está presente, mas diferentemente: Cravaliz se faz nesse caso mais “maquiavélico” que “maquiaveliano”. O elogio de Cortés é esmaltado com comentários elogiosos sobre sua capacidade de manipular os Índios jogando com suas divisões (“con quanta accortezza d’ingegno conobbe le parcialità, che erano fra li Indiani”), sobre seu uso sábio do segredo e da dissimulação (“io non sono chi usò mai la più rara dissimulation di questo perfettissimo capitano…”) e sobre sua “astuta dimostratione” e sua “cauta dissimulatione”. Enfim, para se assegurar talvez que se reconheça a fonte da qual ele não cessa de beber, Cravaliz fecha sua carta afirmando que Cortés sabia como segurar a sorte “pelos cabelos, para fazê-la agir à sua maneira” (“egli teneva lei per il suo crine, per fargli (sic) fare a suo modo”)40.
Há ainda uma terceira carta dedicatória assinada por Cravaliz introduzindo La historia generale, que se encontra apenas nas edições venezianas. Ela é endereçada a Cosme I. É em sua maior parte uma simples tradução da dedicatória que Gómara endereçou originalmente a Carlos Quinto. Mas aqui, Cravaliz – se ele for o autor da carta, porque a dúvida merece ser levantada – não retoma as afirmações importantes de Gómara sobre a natureza providencial da descoberta e da conquista espanhola das Índias, “para que la convertiessedes a su sancta ley”. Ele insiste, no entanto, sobre dois pontos que estavam ausentes na original: “la grandissima patientia & constantia di quel glorioso Colombo” de uma parte; os muito numerosos erros que os filósofos antigos pronunciaram sobre o Novo Mundo de outro lado. O autor da dedicatória pode desta vez deixar de lado a interpretação política, militar e religiosa da “descoberta” e da “conquista” para se vincular apenas a uma leitura científica desses textos. Presente nas únicas reedições venezianas do volume, essa exaltação da glória ‘epistêmica’ dos espanhóis “venezianiza”, em suma, o Gómara de Cravaliz.
Parece, então, que a significação atribuída aos textos de origem e a lógica que preside os processos de tradução não são as mesmas, caso as publicações sejam elaboradas em Veneza ou em Roma. As crónicas de Indias são multiformes e contêm uma ampla gama de informações, de natureza histórica, geográfica, antropológica, militar etc. No entanto, durante um grande período, as traduções publicadas em Veneza as inserem no seio uma tradição que é mais larga e mais uniforme, fortemente marcada pela ciência dos humanistas. Os laços entre a história das edições venezianas e os círculos intelectuais, acrescentados sem dúvida outros tipos de fatores, sobredeterminam de tal modo a recepção desses textos “americanos”, que o próprio Cortés vem a ser apresentado como um herdeiro de Ptolomeu. Com todo o rigor, o conjunto reduzido das crônicas das Índias oriundo das prensas romanas certamente não é comparável à produção veneziana: não somente porque o número de volumes envolvidos é desproporcional, mas porque à longa duração observada em Veneza se opõe a atividade extremamente concentrada e conjuntural de Augustín Cravaliz, único tradutor “romano” das Crônicas. No entanto, as características próprias aos paratextos dessas edições nos obrigam a situar a reflexão no quadro do que deveria ser uma “geografia e história da tradução italiana”, para parafrasear Dionisotti: na Roma da metade dos anos 1550, o lugar, a instituição pontifical, a conjuntura, a identidade e a posição política do tradutor e enfim a das dedicatórias tendem a politizar em excesso os textos e os autores que teriam agora por figura tutelar não mais Ptolomeu, mas Maquiavel, por horizonte de referência não mais os saberes da Terra mas o elogio da força e da conquista. Para dizê-lo em termos gramscianos, além dos textos são as “linguagens”, isto é, “as concepções de mundo”, que se traduz. E essas traduções se elaboram e se difundem a partir de lugares sempre situados. O papel de Veneza certamente se deve, acima de tudo, à importância industrial e comercial de suas gráficas, mas há mais do que isso: uma operação de “conquista do mundo como uma imagem concebida”, que é alcançada, acima de tudo, por meio de traduções, e que re-semantiza explicitamente a conquista em um sentido epistemológico. Não é coincidência que o mais importante dos atores desse processo, Giovani Battista Ramusio, justifique sua obra contrapondo a descoberta à conquista41: a verdadeira conquista, a que não pode escapar dos venezianos e mais amplamente dos italianos na época mesma em que eles estão dominados e marginalizados politicamente, se situa nas explorações que todos os príncipes têm o dever de promover, na experiência e no saber da Terra e de seus povos, na renovação da imagem de um mundo em expansão.
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Data de Recebimento: 18/03/2024
Data de Aprovação: 05/09/2024
1 Meus agradecimentos especiais à Elisa Andreata por sua leitura e por suas preciosas sugestões para este texto.
2 Sobre a questão discutida da dominação imperial “informal” que a Espanha teria exercido sobre Roma, a despeito da soberania pontifical, no início da idade moderna, ver Maria Antonietta Visceglia, « Vi è stata una “Roma spagnola”? » em Id., La Roma dei papi. La corte e la politica internazionale (secoli XV-XVII), a cura di Elena Valeri e Paola Volpini, Rome, Viella, 2018, p. 199-211, que coloca em evidência a “extraordinária complexidade” da hegemonia espanhola em Roma, contra a visão bem mais unilateral do livro de Thomas James Dandelet, Spanish Rome 1500-1700, New Haven e Londres, Yale University Press, 2001.
3 Ver Romain Descendre, «L'état, le droit, le territoire : domination et crise du modèle juridique dans la pensée politique italienne du XVIe siècle », Gionale critico della filosofia italiana, 2014, XCIII, no 1, p. 11-25 e R. Descendre, Jean-Louis Fournel e Jean-Claude Zancarini, « Après les Guerres d'Italie : Florence, Venise, Rome (1530-1605) », Asterion, 23 novembre 2016, nº. 15, http://journals.openedition.org/asterion/2802.
4 Sobre essas edições italianas propostas em uma perspectiva da história dos saberes naturais, ver José Pardo-Tomás, « Obras españolas sobre historia natural y materia médica americanas en la Italia del siglo XVI », Asclepio, I, 1991, p. 51-94.
5 Francisco López de Gómara, La istoria de las Indias y conquista de Mexico, Zaragoza, en casa de Augustín Millán, 1552; Pedro Cieza de León, Parte primera de la chronica del Peru. Que tracta la demarcacion de sus prouincias, la descripcion dellas, las fundaciones de las nueuas ciudades, los ritos y costumbres des indios, Sevilla, en casa de Martin de Montesdoca, 1553. No entanto, até 1555, ambos os títulos foram reeditados várias vezes: o de Gómara ao menos sete (o que levou à separação das duas partes em determinadas impressões, História geral de um lado, História da conquista do México de outro); o de Cieza ao menos quatro.
6 P. de Cieza de León, La prima parte de la cronica del grandissimo regno del Perù [...] tradotta pur hora nella nostra lingua italiana per Augustino de Cravaliz, Roma, Valerio e Luigi Dorico, 1555; F. López de Gómara, Historia di Mexico, et quando si discorperse la nuova Hispagna, conquistata per l’illustriss. et valoroso principe don Fernando Cortes [...] tradotta nel volgare italiano per Augustino de Cravaliz, Roma, Valerio e Luigi Dorico, 1555; Id., La historia generale delle Indie occidentali, con tutti li discoprimenti, & cose notabili, che in esse sono sucesse, da che si acquistorno fino a hora [...] tradotta nel volgare italiano per Augustino de Cravaliz, Roma, Valerio e Luigi Dorico, 1556. Dois estudos recentes foram consagrados à prática de tradutor de Cravaliz: C. Albertin, « Le traduzioni italiane cinquecentesche della Crónica del Perú di Pedro de Cieza de León », in Actas del XXVI Congreso Internacional de Lingüística y de Filologia Románicas, vol. VIII, E. Casanova Herrero, C. Calvo Rigual (ed.), Berlin, W. de Gruyter, 2013, p. 329-339, e Ead., « Las traducciones al italiano de las crónicas de Indias en la segunda mitad del siglo XVI », Orillas, Revista d’ispanistica, 2, 2013, http://orillas.cab.unipd.it.
7 No século XVI, enquanto um pouco menos de 9000 volumes teriam sido publicados em Veneza, um pouco mais de 2000 teriam visto o dia em Roma, segundo centro da península. Ver Marco Santoro, Storia del libro italiano. Libro e società in Italia dal Quattrocento al Novecento, Milan, Bibliografica, 1994, p. 108. Ver ainda Laurent Pinon, « La culture scientifique à Rome au miroir des livres (1527-1650). Apports et limites de l'approche bibliographique », em Rome et la science moderne entre Renaissance et Lumières, éd. A. Romano, Rome, École Française de Rome, 2008, p. 173-206.
8 Além de Giuliano Dati, Lettera delle isole nuovamente trovate, Roma, Eucharius Silber, há a edição de Mundus Novus de Vespúcio, publicada por Silber, provavelmente em 1504, da qual restam apenas alguns exemplares.
9 Sobre esse caráter arquidominante de Veneza como centro de difusão na Itália dos livros de origem espanhola sobre o Novo Mundo (“la abrumadora mayorìa de ediciones venecianas”), ver J. Pardo-Tomás, artigo citado (p. 62 para a citação).
10 J. Pardo-Tomás, artigo citado.
11 Para se ater às reedições venezianas publicadas até 1576: quatro reedições da Historia delle Indie occidentali em três editores diferentes (Lorenzini, Franceschini, Bonardio); três reimpressões da Historia di Mexico (renomeada em certos casos de Historia di don Ferdinando Cortes, seguindo a reimpressão romana de 1556, igualmente em casa de Lorenzini, Franceschini e Bonardio); quatro reimpressões da Cronica del regno del Perù (sempre pelos mesmos editores).
12 Contrariamente ao que muitos catálogos indicam, a edição Arrivabene de 1557 (impressa naquele ano por Ziletti e Arivabene) da La seconda parte delle historie generali dell'India (que é na verdade a tradução da primeira parte da Historia general) não reproduz a tradução de Cravaliz, mas a de um tradutor anônimo. Ver também La seconda parte delle historie dell'India, appresso Giordan Ziletti, 1564.
13 Serge Gruzinski, Quelle heure est-il là-bas? Amérique et islam à l’orée des temps modernes, Paris, Seuil, 2008.
14 S. Gruzinski, « L'Italia nello specchio della storia globale », Giornale di storia, 17/2015, World History, www.giornaledistoria.net. Para a referência a Heidegger, ver « L'époque des conceptions du monde », in Essais et conférences, Paris, Gallimard, 1980, p. 85.
15 Sobre essa questão e sobre a bibliografia relevante, permito-me reenviar a R. Descendre, « Le Mundus novus d'Amerigo Vespucci », in Histoire du monde au VXe siècle, P. Boucheron (dir.), Paris, Fayard, 2009, p. 588-593 e « Il nuovo mondo e l'altro », in Atalnte storico della letteratura italiana, Sergio Luzzatto e Gabriele Pedullà (dir.), vol. 1, Delle origini al Rinascimento, Torino, Einaudi, 2010, p. 679-685.
16 Cristoforo Colombo, Copia de la lettera per Columbo mandata a li sermi re et regina di Spagna de le insule et luoghi per lui trouate, Venezia, Costanzio Baiguera e Simone da Lovere, 1505, n. p.
17 La preclara narratione di Fernando Cortese della Nuova Hispagna del mare Oceano, al sacratissimo, & inuictissimo Carlo di Romani imperatore sempre augusto re d'Hispagna [...] dalla Facondia latina al splendore della lingoa volgare per messer Nicolo Liburnio con fidelta & diligenza tradota al commodo & sodisfattione degl’honesti & virtuosi ingegni, Venezia, Bernardino Viani e Giovanni Battista Pederzano, 1524. Sobre esse texto ver Lucia Binotti, « Liburnio e Ramusio lettori delle crónicas delle conquiste spagnole », Annali d’italianistica, X, 1992, p. 80-95; Ead., « Liburnio traduttore della “Carta” di Cortés. L'immagine del Nuovo Mondo e la “questione della lingua” in Italia », in Italia ed Europa nella linguistica del Rinascimento: confronti e relazioni, II, M. Tavoni éd., Ferrara, 1996, p. 131-144, e por fim o artigo de Ivano Paccagnella no presente volume. {N.T.} Ivano Paccagnella « Tradurre il Mondo Nuovo: la Carta di Cortés fra Savorgnan, Liburnio e Ramusio » in Traduire. Tradurre. Translating: Vie des mots et voies des œuvres dans l'Europe de la Renaissance, J-L. Fournel e I Paccagnella (dir.), Genève, Droz, 2022, p. 551-567.
18 Francisco de Xerez, Libro primo de la conquista del Peru & prouíniia del Cuzco de le Indie Occidentali, Venezia, Stefano da Sabbio, 1535.
19 [Giovan Battista Ramusio], Terzo volume delle Navigationi et Viaggi nel quale si contengono Le Navigationi al Mondo Nuovo, alli Antichi incognito [...], Venezia, Giunti, 1556 (o nome do autor não é mencionado): ver particularmente o Discorso sopra il terzo volume delle Navigationi et viaggi nella parte del Mundo Nuovo, indirizzato all'eccellente M. Hieronimo Fracastoro, f. 2rº-5vº. Sobre as Navigationi et Viaggi, ver ainda o artigo de Fiona Lejosne neste volume. {N.T.} Fiona Lejosne « Traduire les découvertes depuis le portugais et l'espagnol au sein des Navigationi e viaggi (1550-1559) de Ramusio » in Traduire. Tradurre. Translating: Vie des mots et voies des œuvres dans l'Europe de la Renaissance, J-L. Fournel e I Paccagnella (dir.), Genève, Droz, 2022, p. 569-581.
20 Uma exceção, no entanto: a dedicatória do editor Giordano Ziletti à La terza parte delle historie dell’Indie. Nella quale particolarmente si tratta dello scoprimento della prouincia di Incatan (sic) detta nouua Spagna [...] Nuouamente tradotta di lingua spagnuola, da Lucio Mauro. Con la tauola delle cose piu notabili, che nella presente opera si contengono, Venezia, Giordano Ziletti, 1566. Os índios são aí apresentados como inumeráveis inimigos idólatras que precisavam ser derrubados para a maior glória da religião cristã e da Espanha.
21 [F. López de Gómara], La seconda parte delle Historie generali dell’India, con tutte le cose notabili accadute in esse dal principio fin’à questo giorno, & nuouamente tradotte da spagnuolo in italiano. Nelle qualli, oltre all’imprese del Colombo et di Magalanes, e si tratta particolarmente della presa del re Atabalippa, delle perle, dell’oro, delle spetierie ritrouate alle Malucche, et delle guerre ciuili tra gli spagnuoli, Venezia, Andrea Arrivabene, 1557, f. 2rº.
22 Sobre o tradutor Ulloa ver notadamente Nicoletta Lepri, « Appunti sul “camino della virtù” di Alfonso de Ulloa », in Il viaggio della traduzione: atti del convegno, Firenze, 13-16 giugno, 2006, éd. Maria Grazia Profeti, Firenze University Press, p. 57-77, bem como o artigo de Maria Laura Puliafito supramencionado.
23 Historie del s.d. Fernando Colombo; nelle quali s’ha particolare, et vera relatione della vita, et de’ fatti dell’ammiraglio d. Christoforo Colombo, suo padre, et dello scoprimento, ch’egli fece dell’Indie Occidentali, dette mondo nuovo, hora possedute dal sereniss. re catolico. Nuouamente di lingua spagnuola tradotte nell’italiana dal s. Alfonso Ulloa. Venezia, Francesco de Franceschi, “Al molto Mag. S. il S. Baliano di Fornari, Gioseppe Moleto”, n. p.
24 Ibid.
25 A importância de Fernando Colombo para a história dos saberes está no centro do livro recente de Edward Wilson-Lee, The Catalogue of Shipwrecked Books. Christopher Columbus, His Son, and the Quest to Build the World Greatest Library, 2018, Scribner, New York, Londres etc., 2018.
26 Ver notadamente Angela Caracciolo Aricò, « L’immagine del Nuovo Mondo nella cultura veneziana », Versants: revue suisse des littératures romaines, 22, 1992, p. 69-89, e Ead. « Il Nuovo Mondo e l’Umanesimo: immagini e miti dell’editoria veneziana », in L’impatto della scoperta dell’America nella cultura veneziana, A. Caracciolo Aricò éd., Roma, Bulzoni, 1990, p. 25-33.
27 Sobre esse laço entre saberes do mundo e política em Veneza ver Fiona Lejosne, Écrire le monde depuis Venise au XVIe siècle. Giovanni Battista Ramusion et les Navigazioni e viaggi, Genève, Droz, 2021.
28 La historia del mondo nuovo di m. Girolamo Benzoni milanese. La qual tratta dell’isole, et mari nuouamente ritrouatti, et delle nuoue città da lui proprio vedute, per acqua e per terra in quattordeci anni, Venezia, Francesco Rampazetto, 1565.
29 Sob o titulo “Traduire à Rome le savoir des conquêtes : Austín de Cravaliz” expus uma primeira versão dos resultados apresentados nessa parte quando do colóquio Babel Rome: débats historiographiques et enjeux méthodologiques de l’écriture d’une historie globale des savoirs du XVIe siècle, organizado na Escola francesa de Roma por Elisa Andreatta e Antonella Romano em 27 e 28 de junho de 2017.
30 M. A. Visceglia, « Il ceremoniale come linguaggio politico. Su alcuni conflitti di precedenza alla corte di Roma tra Cinquecento e Seicento », in Cérémonial et rituel à Rome (XVIe-XIXe siècle), éd. M. A. Visceglia e C. Brice, Rome, EFR, 1997, p. 117-176 (nota p. 129). Ver também Bertrand Haan, « L’affirmation d'un sentiment national espagnol face à France du début des guerres de Religion », in Le sentiment national dans l'Europe méridionale aux XVIe et XVIIe siècle (France, Espagne, Italie), Madrid, Casa de Velázquez, 2007, p. 75-90. Existem vários manuscritos do Discurso (notadamente o ms 1022 da Biblioteca nacional de Madri e o ms. Harley 3520 B do British museum em Londres), incluindo uma versão italiana (em um códex minucciano do Instituto storico germanico di Roma).
31 José Pardo Tomás e María Luz López Terrada, Las primeras noticias sobre plantas americanas en las relaciones de viajes y crónicas de Indias (1493-1553), Instituto de Estudios Documentales e Históricos sobre la Ciencia (Universitat de València-C.S.I.C.), Valencia, 1993, p. 125-126.
32 Ibid., p. 131.
33 F. López de Gómara, La istoria de las Indias y conquista de Mexico, op. cit.
34 R. Descendre, « L’État, le droit, le territoire », artigo citado.
35 Em P. de Cieza de Leon, La prima parte de la cronica, op. cit. Texto citado da edição de 1560: Cronica del gran regno del Perù, con la descrittione di tutte le provincie, e costumi, e riti, con le nuove città edificate, et altre strane et maravigliose notitie. Parte prima. Scritta da Pietro di Cieca di Lione in lingua spagnuola. Tradotta nela italiana per Agostino di Cravaliz, Venezia, Francesco Lorenzini da Turino, 1560, n. p.
36 Ibid.
37 Machiavelli, Il Principe, XIV, 1-2: “Debbe dunque uno principe non avere altro obietto né altro pensiero né prehendere cosa alcuna per sua arte, fuora della guerra et ordini e disciplina di epsa ; perché quella è sola arte che si aspetta a chi comanda, et è di tanta virtù che non solamente mantiene quelli che sono nati principi, ma molte volte fa gli uomini di privata fortuna salire a quello grado. E per adverso si vede che, quando e principi hanno pensato più alle delicatezze che alle arme, hanno perso lo stato loro”; XIV, 7: “Debbe pertanto mai levare il pensiero da questo exercizio della guerra ; e nella pace vi si debbe più exercitare che nella guerra”.
38 “non piacque a Dio, che riposassero quelle vittoriose armi, et natione inclinata alla militia, et destinata ad imprense più gloriose, et nuovi acquisti ; perché calando in Italia il Re Carlo VIII di Francia alla Conquista del Regno di Napoli, havendo gelosie il Catolico Re delle sua Isola de Sicilia, mandò con il gran Capitano sussidio di gente per guardala, et aiutare il Re de Napoli suo parente, laqual cosa fu principio di far venire le cose d’Italia a i termini che hoggidì si ritrovano, con ruina di chi ne fu causa di fado venire, quasi nel medesimo tempo per permissione Divina, et per la patientissima fatica et constantia del glorioso Christofano Colombo nativo di Savona, et guidato da Iddio, si fece da i Spagnuoli il gloriosissimio viaggio, che fu principio di acquistare quel nuovo mundo, gli habitanti del quale havendogli prima conquistati, parte com l’armi, et parte con le prediche et ammonitioni delle sacre lettere hanno ridotto alla Fede di Christo, al gremio della Santa madre chiesa” in P. de Cieza de Léon, Cronica, op. cit., n. p.
39 F. Lopez de Gómara, Historia del illustriss. et valorosiss. capitano don Ferdiando Cortes marchese della Valle, et quando discoperse, et acquisto la Nuova Hispagna. Scritta per Francesco Lopes de Gomara in lingua spagnuola, & hora tradotta nella italiana per Agostino de Craualiz, Roma, Valerio e Luigi Dorici, 1556.
40 Ibid., dedicatória de A. de Cravaliz “All’Illustrissimo e Reverendissimo Signore il Cardinal di Carpi”, n. p.
41 Ver R. Descendre, « Dall’occhio della storia all’occhio della politica. Sulla nascita della geografia politica nel Cinquecento (Ramusio e Botero) », in Nascita della storiografia e organizzazione dei saperi, E Mattioda (dir.), Firenze, Olschki, 2010, p. 155-179; R. Descendre e F. Lejosne, « Giovanni Battista Ramusio et la ‘conférence’ des récits : Anciens et Modernes dans les Navigationi e viaggi », in Le présent fabriqué (Espagne-Italie, XVe-XVIIe siècles), éd. F. Crémoux, J. L. Fournel, C. Lucas et P. Civil, Paris, Classiques-Garnier, 2019, p. 181-195, e enfim a tese de Fiona Lejosne, op. cit.