Claudia Pfeiffer[1]
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0331-9626
Encerrando mais um ano de publicações da revista Rua, reúnem-se na seção Estudos 13 potentes artigos que nos permitem vislumbrar diferentes dimensões das relações simbólicas e políticas entre os sujeitos e os espaços por meio de diversas práticas e acontecimentos. Abre a seção a tradução de Dener Ferrari de um saboroso artigo de Romain Descendre, Saberes e conquistas da América entre Veneza e Roma: as traduções italianas das Crônicas de Indias no século XVI, que perscruta, por meio da filologia política, sentidos instalados em relatos de viagem que fazem parte da construção de imaginários sobre o assim chamado “novo mundo”. Em outro espaço-tempo e com outras tecnologias do conhecimento, Marcia Alves Soares da Silva, em seu artigo Relatos de uma viajante: geoetnografia da cidade de Santiago utilizando biossensor, destaca o crescente uso de tecnologias, especialmente de biossensores, mas também de outras como as fotografias, na análise do complexo cotidiano urbano. É também a tecnologia na relação com a etnografia que entra em foco no artigo O uso etnográfico do Google Lens: Possibilidades, limitações e experimentações estratégicas, no qual as autoras refletem sobre o uso de tecnologias de reconhecimento de imagem como forma de mediação entrecultural na pesquisa em ciências sociais e humanas. Por seu lado, no artigo O caminhar e o cartografar individual e coletivo: três experiências nos trilhos férreos de São Carlos, SP, encontra-se uma reflexão sobre procedimentos e metodologias de leitura de espaços da cidade que convocam formas de expressões que constroem processos de subjetivação através dos afetos, dando a ver o que os autores chamam de territórios existenciais. Também olhando para laços e desenlaces efetivados no espaço urbano, Fabio Scorsolini-Comin e Soraya Maria Romano Pacífico, discutem, em Global e acolhedora: efeitos de sentido no espaço urbano durante o trânsito pandêmico, as implicações do discurso político em formulações de um governo municipal durante a pandemia da Covid-19 que, sob a aparência da unanimidade acolhedora, produzem sentidos desacolhedores e excludentes. Refletindo igualmente sobre os modos de se subjetivar em espaços públicos compartilhados, o artigo Vestígios ambientais e mapeamento comportamental em praças do interior de Minas Gerais, de Gleidson Jordan dos Santos, Larissa Medeiros Marinho dos Santos e Marina Carneiro Lanna, explora, a partir da psicologia ambiental, a dinâmica de uso de três praças para compreender os processos de apropriação desses espaços e possibilidades de participação comunitária no planejamento e nas melhorias arquitetônicas. Os processos de subjetivação são também o foco do artigo Enchentes: mal-estar ambiental e a cidade, de Marcos Aurelio Barbai, no qual o autor faz ver modos de significação inscritos nas cidades frente aos desastres climáticos que vêm assolando as mais diferentes regiões do globo, apresentando sua formulação do conceito de mal-estar ambiental. De seu lado, Daniel Costa Vianna Mucciolo e Andréa Vieira Zanella, nos apresentam formas de estar na cidade por meio da arte no artigo Artes de novas mídias em espaços livres públicos: reinventando relações com a cidade, no qual discutem as potencialidades das artes de novas mídias para proporcionar novas experiências nos espaços públicos. Também olhando para a arte, Mauricio Moysés, em Produto Bruto: economia urbana e RAP no distrito do Grajaú no extremo sul de São Paulo, procura compreender as ações econômicas de sobrevivência a partir do circuito de produção fonográfico da música RAP nas periferias urbanas, por meio do selo fonográfico independente, Produto Bruto. Igualmente nos trazendo a arte, agora aquela que se dá enquanto monumentos, Lucas Bená de Oliveira e Paulo Cezar Nunes Junior, em Patrimônio Incendiário: Monumentos bandeirantes e embate de memórias em São Paulo, trazem à tela a tensão de sentidos na luta pela ressignificação de patrimônios que perpetuam memórias simbólicas do colonialismo. Cidade e luta também se encontram no artigo Uma faixa no meio do caminho: o mostrar/apagar das relações de força, de Luciana Vedovato e Luan Henrique Mendes, em que discutem as tensões em torno dos espaços das cidades que se materializam na pintura/apagamento de uma faixa de pedestres com as cores da bandeira dos movimentos sociais LGBTQIAP+ na ocasião do Dia Nacional da Visibilidade Trans. Indo em direção ao fechamento da seção, temos 2 artigos que tocam a mobilidade urbana. O primeiro, Estacionamentos rotativos e mobilidade urbana: os novos meios tecnológicos na financeirização digital, de Leandro Di Genova Barberio e Fabricio Gallo, trazendo a questão da mobilidade pela necessidade de estacionamento, foca na participação de instituições digitais nas concessões dos serviços de estacionamento rotativo e sua abordagem mercadológica de usos territoriais. O segundo, que encerra nossa seção, Empregado ou autônomo: a mídia e os efeitos de sentido sobre o trabalho uberizado, de Mario Luiz Bezerra Feitoza Matheus e Silmara Dela Silva, analisa efeitos de sentido produzidos pelo discurso jornalístico sobre o trabalhador, o trabalho e a precarização das relações trabalhistas no setor de transporte de passageiros através das plataformas digitais. Como de praxe, a revista conta ainda com duas seções: a seção Artes em que temos Corpo-Arte-Constelação: das “imperfeições” às reflexões acerca do corpo gordo feminino e seus afetos de Martina Viegas e a seção Notícias e Resenhas na qual, além de nos aproximarmos de parte das atividades realizadas pelos pesquisadores do Labeurb, com suas notícias, também nos aproximamos de leituras interessantes como a de Carolina Roberta Peixoto do Nascimento sobre o livro Feminismos Favelados: uma experiência no Complexo da Maré, de Andreza Jorge, na qual são apresentadas as dinâmicas de luta e resistência de mulheres das favelas, a partir da experiência de moradoras do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, sob a perspectiva da intersecção entre raça, gênero e classe.
Ao tempo de desejarmos boa leitura, agradecemos às/aos autoras/es, às/aos pareceristas, às/aos leitoras/es e à toda a equipe da revista Rua por mais um ano de parceria cuidadosa e comprometida com olhares, ouvidos e escritas inventivas/os.
Bom fim de ano e seguimos junt@s.
[1] Pesquisadora do Laboratório de Estudos Urbanos da Unicamp e professora do Programa de Pós-Graduação em Linguística do IEL/UNICAMP; Doutora em Linguística pela UNICAMP; e-mail: claupfe@gmail.com.