Introdução
A construção de espaços públicos nas cidades é geralmente pensada como a criação de locais abertos a serem frequentados por qualquer pessoa. Seja apenas de passagem ou como um ambiente rotineiro, esses espaços representam oportunidades de interações e podem servir como lugar para construções e apropriações na relação pessoa-ambiente. A Psicologia Ambiental busca investigar esses processos, estudando aspectos sociais e individuais das interações entre o sujeito e o espaço que o circunda, bem como sua apropriação, ou seja, o ambiente impacta a pessoa, porém a pessoa também impacta o ambiente (Günther; Guzzo; Pinheiro, 2006).
Günther, Guzzo e Pinheiro (2006) apontam que esses espaços informais, aqueles não institucionalizados, são os ambientes onde as pessoas mais se relacionam na maior parte de suas vidas, inclusive os jovens. Conforme Pinheiro (1997), o crescimento populacional e a consequente urbanização desenfreada tendem a levar a uma crise ambiental, o que faz com que seja necessário pensar em soluções para que haja um desenvolvimento sustentável do ambiente. Para o autor, a degradação do ambiente interfere profundamente nos processos psicológicos e na percepção das pessoas sobre si mesmas e o seu entorno, por isso o ambiente físico necessita ser estudado, incluindo sua dimensão social e considerando os seus atributos simbólicos.
Em 1998, Lerner e von Eye ressaltaram a importância e a escassez de estudos envolvendo adolescentes em diferentes contextos e alertaram que os estudos sobre ambiente e desenvolvimento humano enfatizavam apenas jovens brancos e de classe média. Nos últimos anos, mudanças ocorreram no campo de estudos da Psicologia e a adolescência passou a ser mais discutida. No caso da Psicologia Ambiental, é possível identificar estudos sobre relações entre ambiente e características pessoais (Rossi et al., 2021), comportamento pró-ambiental, que envolve o cuidado das pessoas com o ambiente (Ferreira; Santana, 2021), vizinhança e planejamento de espaços construídos (Ferreira et al., 2018) dentre outros.
No Brasil, autores como Koller (2016), Santana et al. (2018), Finkler e Dell’Aglio (2018), apesar de não serem vinculados à Psicologia Ambiental, têm estudado locais onde predominam as situações de vulnerabilidade social, utilizando-se do método de Inserção Ecológica com base no Modelo Bioecológico do Desenvolvimento Humano, todavia não é comum encontrar estudos fora das metrópoles. Cidades do interior carecem de estudos relacionados ao desenvolvimento de adolescentes; no caso da Psicologia Ambiental, estudos relacionados com a relação entre os jovens e o ambiente urbano típico desses contextos, o que justifica no estudo aqui proposto a escolha de três cidades vizinhas na região do Campo das Vertentes em Minas Gerais.
As cidades estudadas têm diferenças entre si e, apesar de pequenas, podem ser compreendidas na relação entre centro econômico e periferias, lembrando que, segundo Moser (2018), o investimento, o apego e as práticas desenvolvidas no bairro variam em função da posição topográfica e social. As periferias das cidades tendem a ser espaços mal aproveitados em detrimento das regiões centrais. Assim, a periferia tende a ter menos espaços atrativos, enquanto o centro não depende da condição econômica para ser atraente, sendo mais frequentado e apropriado. O autor também apresenta que o desenvolvimento de aspectos positivos é maior quando há maior possibilidade de interação e consequente afeição entre os frequentadores de um mesmo ambiente.
Para além do espaço abordado em si, é necessário considerar o contexto em que esse ambiente está inserido. Os contextos, ou cosmos, podem ser compreendidos por meio do cronossistema. Este é dividido em microssistema, onde se encontra o espaço pesquisado em si, onde ocorrem os processos proximais, e os sistemas que o influenciam direta ou indiretamente, desde o mesossistema que circunda o espaço até os exo e macrossistemas que incluem os outros espaços da cidade e as políticas públicas que influenciam no acesso e manutenção desse espaço, por exemplo. Além disso, é importante destacar a relevância do tempo. No caso das praças e cidades pesquisadas, é essencial retomar o tempo histórico (Bronfenbrenner, 1979, 1995, 2005; Bronfenbrenner; Crouter, 1983; Bronfenbrenner; Morris, 1998).
Em se tratando do cosmos onde as praças estão inseridas, este estudo busca trazer elementos de cidades do interior de Minas Gerais, de médio (São João del-Rei) e pequeno portes (Santa Cruz de Minas e Tiradentes), considerando a relação entre densidade demográfica e extensão territorial. De acordo com Noleto, Magni e Rieth (2019), as cidades do interior têm recebido mais atenção devido à expansão da Antropologia Urbana, que expande a discussão do urbano para além das metrópoles e cidades grandes. Os autores citam que muitos desses estudos buscam debater fronteiras entre rural e urbano, expansão do capital e trânsitos dos sujeitos dessas cidades, além da problematização das relações entre as populações tradicionais e os contextos que as cercam.
Os objetivos deste estudo foram identificar vestígios ambientais relacionados à utilização de praças e realizar um mapeamento comportamental com base nos pressupostos da Psicologia Ambiental, com ênfase em um estudo mais exploratório e qualitativo, que servirá como base para aplicação de estudos seguintes utilizando outras metodologias. Para contribuir com as discussões, foram elencados alguns dos conceitos básicos da Psicologia Ambiental apresentados em Cavalcante e Elali (2011), que se relacionam com os objetivos da pesquisa: affordance; características do ambiente e arranjo espacial; e behavior setting.
Conceitos básicos da Psicologia Ambiental aplicados à pesquisa
Affordance é um conceito que implica a reciprocidade entre percepção do que o ambiente oferece, seja para um animal ou uma pessoa, e a sua ação. Isso ocorre na relação entre o layout do ambiente – o que ele nos provê ou fornece – e a percepção e ação do ator nesse espaço (Gibson, 1986). É compreendida, na Psicologia Ambiental, enquanto um modo de entendimento recíproco entre o que o ambiente oferece e como a pessoa o percebe, utiliza e o modifica, ou seja, como o ambiente impacta a pessoa e vice-versa, de forma bidirecional e interdependente. Esse conceito busca a compreensão do estímulo do ambiente sobre o comportamento humano. As affordances de um ambiente são aquilo que ele proporciona em termos de qualidade ou objeto que define sua utilidade para seu usuário (Günther, 2011).
A maneira como os objetos, móveis, utensílios, equipamentos e ornamentos são dispostos no ambiente representa um “arranjo espacial”. As diferentes organizações espaciais estão intimamente ligadas às formas de organização social, pois a forma como elas se encontram indica como as atividades deveriam ocorrer, seja pela facilitação ou impedimento de terminadas funções que são passíveis de serem exercidas naquele espaço. Esses arranjos carregam consigo também valores culturais e representações simbólicas das pessoas que gerenciam aquele ambiente. Ele pode ser caracterizado em visualmente aberto, aberto ou visualmente restrito a depender das circunscrições de fronteiras, ou barreiras em torno do local (Campos-de-Carvalho, 2011).
Behavior setting são unidades chamadas de ecocomportamentais correspondentes a padrões estáveis de comportamentos que acontecem em tempo e espaços determinados. Ecocomportamental, porque não se restringe apenas ao comportamento ou ao ambiente. O conceito permanece em língua estrangeira por não haver ainda uma tradução correspondente capaz de transmitir a relação bidirecional da relação pessoa-ambiente que deve relacionar, de forma dinâmica e interdependente, a pessoa que se comporta, o comportamento exposto e o ambiente onde ele ocorre (Pinheiro, 2011).
Tendo em mãos esses conceitos, é possível realizar uma exploração desses aspectos pertinentes à Psicologia Ambiental nas Praças Públicas, que são os objetos de pesquisa deste estudo. A seguir, serão apresentados, de forma sistematizada, os objetivos e as estratégias metodológicas utilizadas. Espera-se que, ao final desta pesquisa, seja possível elaborar uma descrição comportamental e os perfis dos frequentadores, o que servirá como base para futuras proposições envolvendo esses espaços.
Metodologia
Por se tratar de um estudo exploratório, optou-se por utilizar a metodologia de Mapeamento Comportamental e Vestígios Ambientais (Pinheiro; Günther, 2008). Foram selecionadas três cidades com aproximação geográfica. As praças foram escolhidas com base na centralidade e nas indicações de moradores das cidades, sendo elas: Praça da Biquinha, no bairro Tijuco, em São João del-Rei; Praça São Sebastião, no centro de Santa Cruz de Minas; e Largo das Forras, no centro de Tiradentes, todos municípios do interior de Minas Gerais.
Segundo Pinheiro, Elali e Fernandes (2008), a complexidade das interações que ocorrem entre as pessoas e o ambiente exige diversos instrumentos para sua ampla investigação. Baseado nos métodos de observação naturalística, os autores apresentam os vestígios ambientais enquanto uma ferramenta muito utilizada no início das explorações em Psicologia Ambiental e que foca em investigar os vestígios do comportamento humano nos ambientes observados, buscando a compreensão do uso e ocupação de um local. A técnica não exige a definição rígida de horários para a observação e, em geral, utiliza-se de cadernetas para anotação, podendo utilizar-se ainda de diagramas, desenhos, fotografias e contadores. Os vestígios são divididos em deposição, quando se acrescenta algo ao ambiente, como lixo ou grafite; e erosão, quando algo é retirado do ambiente, como os desgastes ocasionados pelo uso constante dos locais (Pinheiro; Elali; Fernandes, 2008). Esses elementos podem contribuir com indicativos para a existência ou não de um “comportamento ecológico” (Pato; Campos, 2011).
A técnica de Vestígios Ambientais apresenta algumas limitações. Por esse motivo, Pinheiro, Elali e Fernandes (2008) recomendam a complementação com o Mapeamento Comportamental. Esse método permite a criação de um documento empírico que representa graficamente as localizações e comportamentos das pessoas no espaço. Isso permite uma análise das atividades que acontecem e uma comparação com as que estariam inicialmente planejadas para um determinado local. Sua complexidade dependerá do objeto de pesquisa, será mais simples se demandar responder ao que acontece e onde, e se tornará mais complexa enquanto novas questões surgem ao longo do processo. Com isso, é possível ter um panorama gráfico da ocupação das pessoas em uma área, sendo possível relacionar o espaço físico, limitado e dividido em seções, e o comportamento humano, em categorias, consoante o tema estudado (Pinheiro; Elali; Fernandes, 2008).
Pinheiro, Elali e Fernandes (2008) apresentam duas formas de realizar o Mapeamento Comportamental. O primeiro é centrado no lugar, onde se representam os tipos de comportamentos das pessoas de acordo com seções específicas do espaço observado, exigindo a criação de um mapa do lugar simples e uma ficha de observação (tabela ou planilha contendo o período observado e as ações mais relevantes dos usuários daquele ambiente). Os dados coletados devem ser comparados entre os observadores. O segundo é o Mapeamento Comportamental centrado na pessoa. Um usuário do ambiente pesquisado é escolhido para ser acompanhado durante o tempo em que permanece no local, representando graficamente – por meio de registros em protocolos de observação – sua locomoção e tempo despendido em cada lugar dentro daquele espaço. Essa forma de mapear seria ideal para investigar o “comportamento socioespacial humano”. Por se tratar de um formato mais intrusivo e exigir o consentimento prévio da pessoa observada, essa segunda abordagem não foi utilizada neste estudo, que possui um caráter mais exploratório centrado nas Praças Públicas. Conforme Pinheiro (2011), o Mapeamento Comportamental em si pode ser considerado um desdobramento da ideia de behavior setting.
Para a coleta de dados, optou-se pela utilização do Diário Pessoal, que é um importante instrumento para registro das observações e percepções dos pesquisadores. É primordial ressaltar a relevância da influência do contexto de pesquisa. As informações coletadas no Mapeamento Comportamental centrado no espaço foram analisadas usando comparações dos percentuais de ocupação de seções dos lugares em cada horário observado (Pinheiro; Elali; Fernandes, 2008). Já as representações gráficas e os dados estatísticos simplificados foram tratados qualitativamente, relacionando-os aos conceitos da Psicologia Ambiental apresentados anteriormente.
Foram realizadas três visitas às praças com duração de uma hora cada uma. Na primeira visita, em dias de semana no horário comercial, foram observados os vestígios ambientais e a estrutura física delas. Nessa ocasião, os dois pesquisadores puderam estar presentes nas praças de São João del-Rei, Tiradentes e Santa Cruz de Minas.
Para o Mapeamento Comportamental centrado no espaço, foram feitas duas observações em cada praça, selecionando quinta-feira e sábado, com o intuito de ter uma representação de um dia de semana e de um final de semana. Nessas ocasiões, as observações ocorreram entre dezesseis e dezessete horas, no horário de Brasília (GMT-3), realizadas individualmente. Ou seja, não foi possível que os dois pesquisadores estivessem presentes nas mesmas praças durante a pesquisa devido ao isolamento social adotado no combate à pandemia de Covid-19. Para contornar essa situação, foram discutidos protocolos de observação, definindo-se como deveriam ocorrer as observações e anotações, quando seriam incluídos apenas os comportamentos de pessoas e animais que estivessem dentro das praças ou ao seu redor, excluindo-se os comportamentos dentro de residências e estabelecimentos, e que os registros seriam feitos de forma descritiva. Enfatizaram-se a passagem e a permanência de pessoas nos espaços observados, bem como as atividades que estas realizaram durante os períodos observados. Para registro dos comportamentos, foi elaborado um modelo abreviado de ficha de observação para Mapeamento Comportamental conforme apêndice anexado a este artigo.
Cidades pesquisadas
Santa Cruz de Minas é o menor município do País em extensão territorial, e possuía, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2015), uma população estimada em 8.864 moradores, majoritariamente em níveis significativos de pobreza, tendo 3,565 km² e uma densidade demográfica superior a 2.206,17 habitantes por km² (IBGE, 2020a). Emancipada em 1995, até hoje possui uma delimitação geográfica confusa, e está localizada entre as cidades de Tiradentes e São João del-Rei (Silva; Almeida, 2017). Silva e Almeida (2017) apontam que essas particularidades colaboram para uma instabilidade social e uma identidade municipal ainda em desenvolvimento, mas é preciso um olhar singular para suas características, sua cultura e sua identidade para além do que existe entre as famosas cidades vizinhas. Os autores apontam também que a cidade vem passando por uma transformação nos últimos anos devido às práticas relacionadas principalmente às políticas públicas de educação e assistência social.
São João del-Rei é uma cidade histórica situada no Campo das Vertentes, em Minas Gerais, com uma população estimada em 90.497 residentes e uma densidade demográfica superior a 57,68 habitantes por km² (IBGE, 2020b). A cidade vivencia um exponencial aumento de sua população universitária devido à presença da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e do Centro Universitário Presidente Tancredo de Almeida Neves (UNIPTAN). Araújo e Santos (2014) afirmam que esse crescimento gera impactos nos moradores do município, dos quais se pode destacar que o aumento de pessoas na cidade impulsiona modificações no cotidiano das pessoas e na estrutura local; isto é, impacta tanto o espaço físico quanto o social. Além disso, a presença de culturas diferentes deixa marcas na identidade local bem como interfere positivamente no crescimento econômico, na promoção de espaços culturais e na oferta de formação e de empregos. Por outro lado, alguns moradores pontuam a alta especulação imobiliária, o aumento do movimento e da circulação no trânsito da cidade e as posturas inadequadas de alguns alunos, sendo que a maioria dos aspectos negativos está relacionada à falta de planejamento e políticas locais que acompanhem a expansão universitária (Araújo; Santos, 2014).
Tiradentes, anteriormente denominada São José del-Rey, é uma cidade histórica também localizada no Campo das Vertentes, em Minas Gerais, com uma população estimada em 8.072 habitantes e uma densidade demográfica superior a 83,82 habitantes por km² (IBGE, 2020c). A principal atividade econômica do município é o turismo, fortalecido a partir dos anos 1980 (Campos, 2018). Esse autor salienta que, durante a primeira metade do século XX, houve lentidão nas transformações socioespaciais em Tiradentes seguidas por um período de transição a partir dos anos de 1960, o que acelerou a expansão urbana. O autor ressalta a riqueza histórica da cidade, surgida em 1702, quando os paulistas descobriram ouro nas encostas da Serra São José, e aponta que seus arruamentos foram determinados pelas edificações religiosas e públicas. A população da cidade é bastante presente nas festividades religiosas, porém boa parte dos eventos realizados no centro da cidade é destinada a pessoas com alto poder aquisitivo. Além disso, há poucos espaços propícios ao lazer da população local. Segundo Campos (2018), algumas praças estavam sendo equipadas com brinquedos para as crianças. Uma grande deficiência apresentada em seu centro histórico é a falta de acessibilidade para pessoas com diferenças funcionais. Calaça e Araújo (2012) afirmam que os casarões históricos foram gradualmente sendo reconfigurados e adaptados ao turismo.
Resultados
Arranjos espaciais e Vestígios Ambientais das Praças
A Praça São Sebastião (Figura 1) está localizada no centro de Santa Cruz de Minas, próxima à Igreja Matriz de São Sebastião, cercada por escola estadual, creche filantrópica, bares, restaurante, panificadora, lotérica, supermercado, distribuidora de doces e bebidas, açougues, lojas de roupas, papelaria, lava-jato, lanchonete e pizzaria, hamburgueria, drogaria, ponto de mototáxi e residências. Possui muitos canteiros elevados, tem um coreto alto com banheiros localizado no setor C e ponto de ônibus com cobertura e de táxi no setor A. Possui dois trailers que funcionam como lanchonetes nos setores A e C. Nos setores B e C, há duas mesas com quatro bancos fixos de ferro, uma em cada setor. Apenas o setor D não possui canteiros. Estes dominam a maior parte do espaço construído da praça, a maioria com presença de árvores e os demais com plantas decorativas naturais. Ainda no setor D, existem demarcações e locais para afixação de hastes para redes, utilizadas para prática de esportes, como vôlei e peteca.
Figura 1. Representação gráfica com divisão de setores da
Praça São Sebastião em Santa Cruz de Minas–MG
Fonte: registro realizado pelos autores.
Na primeira visita à Praça São Sebastião, foi possível encontrar um local relativamente limpo, sem presença significativa de lixo, apenas alguns guardanapos de papel amassados, sachês de molhos como de ketchup, embalagens de doces, bitucas de cigarro e algumas folhas de árvores, sendo o setor C o mais sujo em relação aos demais. Havia um funcionário da Prefeitura com um carrinho de mão e vassoura, indicando que o ambiente tinha acabado de ser varrido, além de haver mangueiras esticadas, apontando para a irrigação recente dos canteiros. As pinturas presentes na parte superior do concreto que cerca os canteiros estavam gastas pela ação do tempo, havendo manchas referentes a líquidos derramados por pessoas que se sentam nos canteiros para lanchar ou beber algo. Tanto alguns canteiros quanto o piso próximo a eles apresentavam danos ocasionados pelo avanço das raízes de árvores, demandando a necessidade de cuidado destas, que, em boa parte, não apresentavam boa aparência e saúde.
O piso da praça, feito em blocos de concreto intertravado com formatos ondulados nos setores A, B e C, bem como o do setor D, construído em concreto intertravado retangular em tom avermelhado, apresentavam desgastes do tempo, sendo os desníveis irregulares mais comuns nos setores de A até C. A grama presente nos canteiros também demonstrava irregularidades, porém não deixava claro se isso se devia à passagem de pessoas por cima deles. Nos canteiros com grama mais gasta, havia muitas fezes de animais. Não havia significativas pichações. Os banheiros do coreto estavam abertos e com forte odor de urina. Sobre o coreto, a pintura estava gasta, a pia instalada para higienização das mãos encontrava-se suja, o jardim do lado do banheiro masculino possuía abundância de plantas, enquanto do lado feminino havia somente terra seca. Havia carros estacionados nos lados esquerdo e direito da praça (mão e contramão). O trânsito de pedestres, ciclistas e veículos automotores estava tranquilo e não havia ruídos significativos. Durante a observação, houve a passagem de apenas um ônibus de transporte urbano e não havia taxistas convencionais, mas sim mototaxistas. Não havia também vestígios significativos de vandalismo.
A Praça da Biquinha (Figura 2) está situada próxima ao centro histórico de São João del-Rei, mais especificamente no bairro Guarda-Mor, próximo à divisa com o bairro Tijuco. Seu nome atual é Praça Fausto Mourão. Uma das ruas que a cercam é uma das principais ruas que cruzam a cidade, interligando o centro da cidade ao bairro Tijuco, que possui uma saída para a rodovia BR 265. Fica localizada próximo ao Minas Futebol Clube e é cercada por um estacionamento de veículos, um consultório psicológico, um salão de beleza, um ponto de ônibus e o Conselho Tutelar.
Figura 2. Representação gráfica com divisão de setores da
Praça da Biquinha em São João del-Rei-MG
Fonte: registro realizado pelos autores.
O setor D, o mais confuso em termos de organização do espaço e distribuição dos equipamentos, apresenta mesas e bancos de concreto, com ladrilhos para jogos no topo das mesas, um ponto de ônibus, equipamentos do Programa Academia da Saúde, alguns espaços gramados e uma fonte de água desativada, conhecida como “Leão da Biquinha” ou “Bica do Guarda-Mor”, justificando o fato de a Praça ser conhecida como Biquinha (Praça da Biquinha, s/d.). No setor C, há uma pista de skate/patins simples. Não há rampas, apenas uma elevação em concreto em uma lateral e dois obstáculos em ferro. À sua frente, existe um espaço com um brinquedo de ferro colorido com escadas e escorregadores, sendo cercado, de um lado, por uma grade de ferro baixa e, por outro, com blocos grandes de concreto.
No setor B, existe uma quadra de vôlei fechada por grades e com arquibancadas em suas laterais, além de uma construção onde se encontram dois vestiários, masculino e feminino, com banheiros, e uma sala onde fica uma espécie de escritório utilizado pelos zeladores da praça, além de barras de ferro fixadas em um canteiro que funciona como um bicicletário. No setor A, existe uma quadra de basquete e futebol também cercada por grade e com arquibancadas ao seu redor. Há árvores em todos os setores. Tanto a pista quanto as quadras possuem refletores para reforçar a iluminação. Também, existem espaços gramados em todos os setores e a praça é toda cercada por calçadas. Somente o setor D possui partes do piso com ladrilhos, enquanto o restante da praça tem um piso todo em concreto ou gramado.
O Largo das Forras (Figura 3) está localizado no centro histórico de Tiradentes e recebe esse nome por ser construído em local onde os escravos recebiam sua carta de alforria (Calaça; Araújo, 2012). A praça é cercada pela Capela Senhor Bom Jesus da Pobreza, bares e restaurantes, pousadas e hotéis, lojas de artesanato, Secretaria da Cultura e Turismo, fábrica e loja de chocolate, Passinho (capelinha de Senhor dos Passos) e farmácia. Além disso, é próxima às agências bancárias do Bradesco e Itaú, fator que contribui para a passagem de pessoas pela praça. O Largo das Forras, conforme Renne (2016), é a principal praça de Tiradentes e é a porta de entrada para o Centro Histórico da cidade.
Figura 3. Representação gráfica com divisão de setores do
Largo das Forras em Tiradentes-MG
Fonte: registro realizado pelos autores.
A praça é arborizada, com vários canteiros elevados que oferecem lugares para se sentar à sombra das árvores. Possui mesas com ladrilhos para jogos (xadrez e damas) com bancos e ponto de táxi no setor C, pedras que servem como bancos no setor A, Wi-Fi gratuito, charretes ao redor da praça e mangueiras com água para uso dos charreteiros no setor B. O setor B possui alguns degraus, alterando a elevação da praça. Há também um monumento em homenagem ao centenário da morte do inconfidente mineiro Tiradentes, erigido em 1892, uma das poucas características realmente seculares da praça em si, além das construções que estão ao seu redor, uma vez que houve modificações nela do século XVIII até a década de 1970 (Calaça; Araújo, 2012; Carvalho, 2019).
A praça possui alguns buracos em seu calçamento feito de ladrilhos de pedra e várias trincas nas estruturas dos canteiros. Há pouco lixo (garrafas de cerveja, palitos de picolé, folhas das árvores, plásticos no chão e bitucas de cigarro), algumas lixeiras estão danificadas ou em falta, além de uma lata de lixo diferente das demais. Apresenta árvores de pequeno a grande porte em todos os canteiros, algumas delas com aparência de não estarem saudáveis, além de a árvore do canteiro central estar com os galhos cortados e sem folhagens, mantendo somente o tronco seco. Foi possível observar trincas no canteiro, pedras faltantes e cercas de arame em dois canteiros. As luminárias lembram lamparinas históricas. O piso é, na maior parte, plano, porém há buracos e, assim como todo o Centro Histórico de Tiradentes, não possui adaptações que garantam acessibilidade. Há charreteiros ao redor da praça, entre os setores B e D, e uma mangueira utilizada por eles atravessando esses setores. O Wi-Fi se apresentou estável e havia ainda pombos e cachorros.
Mapeamento Comportamental centrado nas Praças
Apesar da situação pandêmica, observou-se uma considerável presença de usuários nas Praças observadas. Além disso, foi possível realizar uma comparação qualitativa entre a utilização desses espaços em um dia de semana (quarta ou quinta-feira) e um sábado no mesmo horário (16 às 17 horas) e mês (maio de 2021). A seguir, serão apresentados os principais comportamentos observados pelos pesquisadores.
Na Praça São Sebastião, em Santa Cruz de Minas, os comportamentos mais recorrentes foram de passagem de pedestres e ciclistas e utilização dos canteiros para descanso e bate-papo entre grupos de duas a quatro pessoas. Na quinta-feira, havia mais estabelecimentos comerciais em funcionamento, o trânsito de pessoas e ciclistas dentro e fora da praça era maior, assim como o trânsito de veículos ao seu redor. A permanência de pessoas no local era mais breve e predominava a presença de pessoas com uniformes de trabalho, na fila da lotérica ou esperando o transporte coletivo (ônibus). O banheiro do coreto estava trancado e a presença do pesquisador pareceu chamar mais a atenção. Já no sábado, o trânsito de pessoas e veículos foi menor. Havia mais bares abertos e a permanência de pessoas sentadas nos canteiros da praça por um longo período (> 20 minutos) foi mais recorrente. Grupos de duas a quatro pessoas passaram mais tempo conversando e a utilização de máscara de proteção era mais rara em comparação à quinta-feira. Também, havia mais grupos consumindo bebidas alcoólicas, os banheiros do coreto estavam abertos e não foi possível observar consumo recorrente de tabaco, apesar da forte presença de bitucas no chão.
Outros comportamentos observados incluíram a passagem de pessoas com carrinhos de bebê e cadeirantes, os quais apresentaram dificuldades de locomoção devido ao relevo problemático de várias partes do piso da praça. Uma criança utilizou os canteiros para correr e saltar entre eles e havia um gato em um destes. Nos dias observados, não foi possível ver cachorros, apesar da existência de fezes nos canteiros e, em ambos os dias, havia veículos estacionados ao redor da praça. Apenas dois jovens fizeram uso dos banheiros do coreto durante as observações. Os setores B e C foram os mais utilizados, enquanto o D foi subutilizado, servindo apenas de passagem. Um dos pesquisadores frequenta esse lugar com frequência e afirmou que esse último setor é muito utilizado para eventos cívicos, culturais e religiosos fora da pandemia, enquanto o coreto passou a ser mais utilizado por músicos da Corporação Musical São Sebastião de Santa Cruz de Minas para ensaios de grupos reduzidos ao ar livre recentemente, pois não se sentem seguros em ensaiar em um ambiente fechado.
Na Praça da Biquinha, em São João del-Rei, no dia de semana, o Sol estava incidindo sobre a maior parte da quadra e, gradualmente, foi diminuindo nos setores A e B e aumentando nos demais. A quadra estava recém-pintada e o “zelador” da Praça estava guardando as traves que haviam acabado de ser pintadas nos vestiários. Havia marcas de bebida derramada na arquibancada do setor B, indicando o consumo recente. Nesse dia, estavam abertas uma clínica de fisioterapia e pilates, o Conselho Tutelar e o estacionamento de veículos. Os principais comportamentos observados no setor A foram duas mulheres jovens com vasilhames de cerveja cheios, que permaneceram por poucos minutos na Praça, e dois jovens jogando basquete. No setor B, havia um grupo de crianças que recorrentemente interagia com o setor C. Havia adultos os observando. No setor C, havia crianças acompanhadas de cuidadores, sendo que o movimento destas aumentou a partir das 16h30min. Havia também uma mãe jogando bola com sua filha na pista de skate/patins e uma adolescente sentada com um skate. No parquinho do setor C, quando o movimento estava menor, foi possível ouvir xingamentos homofóbicos entre dois meninos. Já no setor D, havia mais idosos sentados, pessoas esperando o transporte coletivo e crianças brincando com os aparelhos da Academia da Saúde. Havia ainda pessoas passeando com cachorros por toda a extensão da Praça, assim como pessoas sentadas em todos os setores, com exceção do setor A.
No sábado, havia maior presença de crianças, tanto interagindo entre elas quanto com adultos e adolescentes. Um exemplo foi na pista de skate/patins, onde duas adolescentes trocaram momentaneamente um skate pela bike de um dos meninos e andaram juntas pela pista. O Minas Futebol Clube estava aberto. Foi possível ver a movimentação de pessoas uniformizadas e de chuteiras, indicando haver jogo de futebol naquele horário, o que poderia impactar na presença de mais pessoas na Praça. No setor A, havia dois adolescentes jogando futebol em um lado da quadra e um adulto jogando com uma criança pequena do outro, além de um casal de adolescentes namorando na arquibancada. No setor B, havia um homem com dois cachorros, um casal de adultos namorando na arquibancada, várias crianças brincando enquanto adultos as observavam, além de um adulto jogando com uma criança pequena. No setor C, havia crianças brincando, cuidadores observando e adultos com crianças de colo e carrinho de bebê no parquinho, enquanto na pista havia crianças e adolescentes com bikes e skates. No setor D, havia pessoas aguardando o ônibus e idosos sentados nas mesinhas conversando. A partir de 16h40min, as crianças que estavam no setor B passaram a transitar entre todos os setores, enquanto uma mulher e um adolescente levaram um cachorro de grande porte para brincar na quadra do setor B, porém, depois de poucos minutos, deixaram o local. O trânsito de pessoas começou a ficar mais lento a partir desse horário também. Houve ainda outras pessoas transitando com seus cachorros.
Em ambos os dias, as quadras da Praça estavam destrancadas, no entanto, os banheiros/vestiários estavam fechados no sábado e não havia zelador. Havia mais carros estacionados ao redor da Praça no dia de semana. O fluxo do transporte coletivo era maior e o trânsito de pedestres menor. Consequentemente, havia maior ruído sonoro decorrente do trânsito. Em ambos os dias, o uso de máscara de proteção não era feito por todas as pessoas que frequentavam a Praça, principalmente entre as crianças.
O Largo das Forras, em Tiradentes, em ambos os dias observados, tinha sol incidindo sobre boa parte da Praça até às 16h30min. A partir daí, predominava a sombra da serra São José, um enorme paredão natural que compõe a paisagem natural tiradentina. No dia de semana, havia um fluxo lento e contínuo de veículos ao redor da Praça, ocorrendo o mesmo com o trânsito de pessoas pela Praça. Apenas duas pessoas permaneceram, por todo o tempo observado, sentadas nas mesinhas do setor C. Estavam abertos praticamente todos os estabelecimentos ativos ao redor da Praça, tanto turísticos, com exceção da igreja, quanto da Prefeitura e agências bancárias. Esses últimos são os únicos que se encontram fechados nos finais de semana. O movimento de charreteiros foi muito lento. Assim, foi possível observar apenas duas das charretes em movimento, enquanto oito delas permaneceram estacionadas ao redor da Praça. As pessoas transitavam tranquilamente pela Praça, mas permaneciam pouco tempo nela, tendo esse fluxo aumentado e acelerado ao se aproximar das 17 horas, momento em que a temperatura também diminui consideravelmente e aves (maritacas) começam a fazer mais barulho. Apenas uma pessoa cruzou a Praça de bicicleta. Havia maior número de pessoas utilizando, por pouco tempo, os canteiros dos setores B e D para se sentarem. No setor A, havia um grupo de cinco crianças brincando, umas a pé, outras interagindo com uma bike pequena e um hoverboard, enquanto uma moça as observava e usava o celular. Nem todas as pessoas utilizavam máscara de proteção.
No final de semana, o movimento de turistas na cidade estava ocasionando superlotação em estabelecimentos – mesas de bares todas ocupadas e fila de espera – e na própria Praça, mesmo em período de pandemia. A cidade se encontrava em período de reabertura do comércio. Havia forte presença de funcionários da Prefeitura e guardas municipais buscando conscientizar as pessoas da necessidade do uso de máscara. Todos os setores da Praça estavam sendo utilizados. As pessoas permaneciam a maioria do tempo sentadas, tirando fotos ou se locomovendo lentamente pela Praça. O observador teve dificuldades em permanecer em locais onde pudesse manter o distanciamento recomendado, optando por encerrar a observação em 40 minutos para sua segurança. Havia vendedores ambulantes, carrinhos de pipoca e de milho-verde, venda de balões, fotógrafos e pessoas vestidas com roupas de época. O fluxo das charretes foi muito maior que no dia de semana. Os charreteiros convidavam os turistas para andar de charrete. Uma pessoa passou empurrando a bike. Uma pessoa, com sinais de embriaguez, tirou a camisa, começou a gritar que não seria obrigado a usar máscara e atacou verbalmente os funcionários da Prefeitura, enquanto um taxista e um fiscal interagiam com ele e riam. Muitas pessoas não respeitaram o pedido de uso de máscara e não respeitavam o distanciamento social.
Em ambos os dias, havia pombos e cachorros de portes pequeno, médio e grande que interagiam com os turistas. Havia mais lixo (palitos de picolé, guardanapos, garrafas de água mineral e de outras bebidas, além de restos de alimento) no final de semana, reforçando a observação de maior presença e permanência de pessoas no local. Os banheiros (externos à Praça) eram de uso exclusivo dos charreteiros. No setor A, havia um totem com indicações e informações sobre as medidas de segurança no combate ao coronavírus, tendo o objetivo de estimular a prevenção e cuidados básicos. Todavia, como citado anteriormente, muitas pessoas não seguiam os protocolos indicados. O Wi-Fi funcionou bem também nos dois dias.
Discussão
Como foi possível observar, cada cidade traz consigo um cosmos particular que, não necessariamente, condiz com a estrutura e utilização das praças. Na cidade de Tiradentes, houve uma descaracterização histórica da praça que outrora era ponto de encontro para escravos alforriados em favor de um espaço de encontro momentâneo entre visitantes, tornando-se centro turístico que direciona as pessoas aos diferentes pontos turísticos da cidade, além de servir de palco para eventos também voltados para atrair esse público. As affordances da praça contribuem para essa função, assemelhando-se bastante à praça de Santa Cruz de Minas, que enfatiza os locais para se sentar. A Praça São Sebastião é o ponto com maior número de comércios da cidade, além de estar localizada frente a única Igreja Matriz e uma escola (única estadual da cidade), contribuindo para ser um local de passagem e encontros de pessoas para conversarem sentadas nos canteiros do local, além de ser a principal escolha para a realização de eventos livres (gratuitos) na cidade.
Ao contrário das praças anteriores, a Biquinha se destaca na quantidade de affordances disponíveis. Historicamente utilizada como ponto de encontro para utilização da bica de água, hoje mantém-se como espaço que visa a atender a todas as idades, estimulando principalmente a prática de atividades físicas e esportivas. Com um arsenal tão grande de estímulos, seria interessante entender o percurso dos usuários da Praça, que provavelmente atende a pessoas de outros bairros além dos quais ela faz divisa, o que pode ser investigado em estudos posteriores.
Outro aspecto relevante das cidades pesquisadas envolve a densidade populacional de cada uma delas, sendo a cidade de Santa Cruz de Minas a mais densa devido à sua pequena extensão territorial, o que poderia indicar maior proximidade e “identidade urbana” dos moradores com a Praça São Sebastião e justificaria a maior presença de moradores locais frequentando e transitando nela. Enquanto isso, o Largo das Forras parece pouco acessível aos tiradentinos. A vasta extensão territorial das demais cidades em relação ao número de habitantes pode justificar a menor presença de usuários nos dias observados, salvo que a Praça da Biquinha, ainda assim, mantém-se muito atrativa graças aos seus “arranjos espaciais”.
É preciso enfatizar alguns dos conflitos presentes nas cidades de Tiradentes e São João del-Rei. A primeira destaca-se pela pouca acessibilidade do tiradentino ao centro histórico da cidade, que é pensado e construído para atrair o turismo, principal fonte de renda da cidade, mas que pode contribuir para a baixa apropriação e identificação dos moradores locais com esses espaços. Já São João del-Rei não encontrou um equilíbrio entre a manutenção das tradições históricas da cidade e a expansão tanto natural quanto a impulsionada pela presença de uma Universidade Federal e outras fortes instituições de ensino técnico e superior que atraem um público mais jovem. Essa expansão e a falta de clareza no planejamento urbano e da constituição de estatuto da cidade coeso contribuem para a confusão entre centro e periferia. Essa divisão não é clara geograficamente, mas existem bairros com maior concentração de pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica, principalmente próximos à Praça da Biquinha e à Serra do Lenheiro, enquanto no outro lado do centro histórico há forte presença de bairros considerados nobres, além do surgimento de condomínios fechados em diferentes regiões da cidade. Essas diferenças socioeconômicas são visíveis e justificam pensar que a cidade possui suas periferias. Assim como em Tiradentes, os aluguéis de pontos comerciais no centro da cidade são muito caros e inacessíveis a quem não pertence a uma elite ou possua um comércio de forte lucro.
Ainda pensando em termos socioeconômicos, as demais cidades não têm uma divisão social tão clara. Quanto às cidades de Tiradentes, Santa Cruz de Minas e São João del-Rei, há uma forte relação e afinidade entre elas, pois são cidades que se beneficiam economicamente, seja com a disponibilização de mão de obra ou pela atração do turismo e pela força dos comércios locais. Foram apresentados até aqui os componentes que constituem os microssistemas estudados (as praças), os mesossistemas e os exossistemas (bairros e cidades ao redor), ficando como proposta para estudos posteriores aprofundar nas questões pertinentes ao macrossistema. Este está ligado à questão do tempo, pois as observações foram realizadas em uma situação excepcional de pandemia, que influenciou tanto nas leis locais quanto globais, que interferem fortemente na forma como as pessoas se relacionaram com os espaços observados.
Considerações finais
Este estudo propôs observar e analisar os Vestígios Ambientais e realizar um Mapeamento Comportamental inicial centrado nas praças. Esta pesquisa foi impactada pelas restrições impostas no combate à disseminação da Covid-19, uma vez que ela foi iniciada pouco antes do isolamento social mais restritivo devido à severidade da situação pandêmica. Isso justifica as limitações metodológicas, que levaram à decisão por uma análise mais descritiva e qualitativa das observações e registros, evitando conclusões antecipadas devido ao número limitado de visitas e registros, prezando pela segurança dos pesquisadores.
Com as observações e registro dos comportamentos mais comuns, foi possível observar que, apesar de serem cidades que fazem divisa entre si e da proximidade dos seus centros, inclusive Santa Cruz de Minas e São João del-Rei possuem uma conurbação, os dois municípios e Tiradentes possuem semelhanças, relações de interdependência, principalmente econômica, mas, ainda assim, muitas particularidades. Cada uma possui um cosmos urbano característico na região das praças observadas, que tem relação com o entorno e o contexto nos quais estão inseridas.
A Praça São Sebastião está localizada bem ao centro da cidade, cercada pelos principais comércios da cidade, a Escola Estadual e a Igreja Matriz de São Sebastião, e é um ponto bem acessível em termos geográficos e econômicos a toda a população santa-cruzense. Ela possui muitos canteiros usados para se sentar, principalmente pela sombra das árvores, e um coreto, geralmente utilizado pela Banda de Música da cidade para realização de ensaios. Não apresenta uma configuração favorável a uma diversidade maior de affordances. O mesmo vale para o Largo das Forras em Tiradentes, que possui características bem similares, porém com um apelo muito mais voltado para o turismo. Os comércios ao redor da Praça apresentam preços elevados, tornando o local economicamente mais atrativo para o público mais rico. As duas Praças são pontos muito utilizados para a realização de eventos culturais.
Já a Praça da Biquinha, em São João del-Rei, está localizada entre o centro histórico e bairros considerados parcialmente periféricos pela população local. E apesar de não ser tão cercada de comércios, há um fluxo intenso de pessoas que passam pela Praça em direção ao centro da cidade. A característica mais marcante do local é a quantidade de opções de lazer que ela oferece, sendo um dos locais mais ricos em possibilidades de affordances observados. Sua estrutura física busca atender a todos os públicos e seu ponto forte para atrair a juventude são as quadras de vôlei e poliesportiva e os eventos culturais que acontecem na praça, estes promovidos pela própria comunidade.
O objetivo deste estudo foi identificar vestígios ambientais relacionados à utilização de praças e realizar um mapeamento comportamental com uma proposta exploratória, por isso a adoção de uma estratégia mais qualitativa de observação. Esses dados serão essenciais para a condução de pesquisas posteriores nesses ambientes. A metodologia foi bastante impactada pelas limitações impostas pela situação pandêmica, mas as relações aqui estabelecidas são cruciais para o entendimento dos cosmos dessas cidades, trazendo elementos significativos para os estudos em cidades do interior. Devido a essas limitações, não foi possível investigar com mais precisão outros pontos conceituais da Psicologia Ambiental que poderiam contribuir para uma análise mais abrangente, como o “comportamento ecológico” (Pato; Campos, 2011), o “comportamento socioespacial humano” (Pinheiro; Elali, 2011) e “as noções de espaço e lugar” (Cavalcante; Nóbrega, 2011) dos próprios usuários das praças, mas estes são aspectos que deverão ser enfatizados em pesquisas futuras.
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Apêndice
Data de Recebimento: 01/02/2024
Data de Aprovação: 29/08/2024