Discurso, subjetividade e novas tecnologias: você, sem fronteiras.


resumo resumo

Paula Chiaretti



Introdução

"A internet me aproximou do mundo, mas me afastou da vida" é o que afirma um dos dois protagonistas do filme argentino Medianeras, de 2011, do diretor Gustavo Taretto. De que maneira essa aproximação e esse distanciamento podem ser entendidos? De que forma o discurso eletrônico, expressão cunhada por Orlandi (2010, p. 6) para “significar o discurso da automatização”, está implicado na forma como sentido e sujeito se constituem na atualidade?

A crescente revolução tecnológica tem consequências tanto na constituição dos sujeitos quanto na forma como eles se relacionam uns com os outros. Em linhas gerais, podemos considerar que essa revolução tecnológica se propõe a “diminuir distâncias” por meio de uma rápida rede de comunicação virtual que “conectaria” todos os usuários da internet. Cada vez mais, torna-se impossível separar os registros real e virtual e, por conta disso, as formas de subjetivação balizadas pelas novas tecnologias[1] têm chamado cada vez mais a atenção de pesquisadores do mundo todo.

Justamente por considerar o ciberespaço um “transbordamento do espaço, naquilo que constitui sua temporalidade” (DIAS, 2012, p. 45), podemos considerar que as relações de sentidos em jogo nas análises que levam em conta a especificidade desse funcionamento discursivo possibilitam elaborar uma análise que excede essa especificidade e nos dá indícios sobre os modos de subjetivação na contemporaneidade.

De uma maneira geral, podemos considerar que o ciberespaço visaria à integração, à socialização, à inserção cultural e profissional, por meio de novas formas de aprender e se comunicar. No entanto, há, como em qualquer tentativa de completar o circuito de relação entre eu e outro, um “mau funcionamento” que, neste trabalho, é entendido como justamente aquilo que retroalimenta as inovações tecnológicas.

A aliança entre o capitalismo contemporâneo e o desenvolvimento tecnológico promove modificações na configuração mundial encarnando a universalização e quebra de fronteiras prometidas pelas discussões já datadas sobre a “globalização”. Essas modificações não são apenas da ordem econômica (de mercado), mas também dizem respeito à forma como os sujeitos se constituem em suas práticas materiais. Assim, assiste-se hoje à elaboração de uma nova economia subjetiva que não corresponde mais aos modelos de subjetividade do passado. Essa subjetividade, marcada por sua relação com o consumo e com a tecnologia, inaugura maneiras inéditas de ser e estar no mundo.

Você, sem fronteiras.

É conhecida a afirmação de que a pós-modernidade se caracteriza pela aceleração do tempo e diminuição dos espaços. No entanto, o que esse trabalho pretende é, por meio da análise discursiva de um slogan publicitário, mostrar de que maneira essa modificação da configuração tempo-espaço se materializa discursivamente e quais as consequências que podemos extrair a respeito de uma subjetividade suposta por esse tipo de discurso. Para isso, partimos da análise discursiva doslogan“TIM – Você, sem fronteiras”.

Imagem 1: retirada do site tim.com.br



Dias (2011, p. 18) utiliza esse slogan para tratar “do apagamento das fronteiras entre o espaço físico e o espaço eletrônico”, fazendo referência em sua análise ao modo como essa propaganda “aponta para uma mudança nas práticas quotidianas de experimentação, circulação no/do urbano, afetada pela tecnologia digital” (DIAS, 2011, p. 18).

De outro ponto de vista, considerando que 'sem fronteiras' seria o aposto que se refere ao 'você', a partir da TIM, o você não tem mais fronteiras. Passamos então a tentar compreender a que produto se refere a peça publicitária: de modo geral, a TIM oferece a seus consumidores o serviço de telefone móvel e de internet, ou seja, tratar-se-ia, portanto, de uma oferta de ‘novas’ formas de comunicação entre pessoas.

No slogan, fronteiras não traz qualquer referência espaço-temporal, mas aciona uma memória discursiva que leva em consideração essas dimensões. A elipse das referências sobre a que fronteira (entre quais elementos), o texto publicitário estaria se referindo não deve ser entendida simplesmente como alguma coisa que falta ao slogan. Ao contrário, a publicidade propositalmente cultiva ambiguidades e elipses como uma maneira de deixar o campo interpretativo de tal maneira aberto que permita que diferentes sentidos se instalem e, consequentemente, suas marcas ressoem a um maior número de intérpretes. Em publicidade, quanto mais aberto o slogan, melhor (REBOUL, 1975).

Fronteiras parece, então, evocar uma série de significações relacionadas à espacialidade. É importante, neste ponto, lembrar que as novas tecnologias têm, por conta de seu funcionamento, inaugurado novos regimes de espacialidade. Segundo Dias (2012, p. 29), “a medida do tempo está [...] associada ao modo como o espaço é estruturado discursivamente”, fazendo com que diferentes regimes de temporalidade e espacialidade produzam diferentes significações. A autora, apoiada em Serres (1994), destaca as transformações no deslocamento como uma das características mais relevantes provocadas pelo virtual. Tratar-se-ia de um tipo distinto de deslocamento, o deslocamento virtual.

O fato do espaço inaugurado na virtualidade não ser localizável, permite a promoção de um modo de subjetivação, de produção de sentidos sobre o homem, que o qualificaria como não localizável, sem fronteiras. Um novo regime de espacialidade, que se distingue do espaço celestial e do espaço físico (DIAS, 2012), permite a fabricação de um novo sujeito. São os traços desse ‘novo’ sujeito, ou de uma nova subjetividade, que podemos extrair a partir da análise do discurso eletrônico[2].

As inovações tecnológicas têm como uma de suas consequências a promoção de novas formas de relacionamento entre os homens e novos protocolos de convivência. Isso implica em determinadas práticas materiais, diferentes códigos de linguagens (como emoji, por exemplo), comandos específicos como “cutucar”, “adicionar”, “excluir”, “curtir”.

Sabemos, de acordo com Freud (2011), que o relacionamento entre os homens é uma das três fontes do mal-estar na civilização, ao lado do próprio corpo fadado à decadência e à dissolução, e das ameaças do mundo externo, com suas forças destruidoras (como, por exemplo, por meio de catástrofes naturais). Freud, no entanto, considera a primeira a mais penosa fonte de sofrimento para os homens, já que aparentemente é mais gratuito que os dois outros.

Uma das saídas possíveis, portanto, desse sofrimento se caracterizaria pelo rompimento que alguns sujeitos fazem com os outros, ou mesmo com a realidade. Freud dá como exemplo o eremita que tenta reconstruir seu mundo eliminando os aspectos que considera insuportáveis, adequando, assim, o mundo às suas aspirações. No entanto, frequentemente esse caminho leva à ou é considerado loucura. Aqui temos diversos exemplos como a obra do filósofo Henry Thoreau,Walden – a vida nos bosques–,ou mesmo o filmeInto de wild, [“Na natureza selvagem”], dirigido por Sean Penn.

No entanto, na atualidade o que se observa é cada vez mais a promoção de formas de se relacionar que substituem as anteriores (tête-à-tête) por relacionamentos mediados por máquinas, aparelhos celulares, computadores, tablets etc, e softwares que possuem comandos ‘inequívocos’ e protocolares (adicionar, desfazer amizade, procurar pessoas ao redor, adicionar a favoritos etc.).

Em um primeiro momento, podemos considerar o efeito de evidência e transparência que tais comandos instauram, já que basta um clique para que uma ação social supostamente idêntica a si mesma (ou seja, cutucar é cutucar, excluir é sempre excluir, curtir é sempre curtir) seja executada por qualquer usuário.

De certa maneira, esses comandos “inequívocos” teriam a finalidade de garantir que o contato humano fosse o menos penoso possível, dado que qualquer tipo de interação possível já é previamente elencado pelo sistema. Há um campo previsto de interações a partir do qual o sujeito escolhe ‘livremente’ e com certa segurança, supostamente garantindo a melhor interação e contato possível e amenizando o mal-estar proveniente da relação com os outros.

A tecnologia tem também um importante papel quando pensamos a respeito da fonte de mal-estar proveniente da natureza e sua força avassaladora uma vez que o desenvolvimento das ciências naturais e suas aplicações técnicas e tecnológicas garantiriam ao homem um certo controle sobre a natureza. Mas ainda assim, Freud escreve que os homens “parecem haver notado que esta recém-adquirida disposição de espaço e de tempo, esta submissão das forças naturais, não elevou o grau de satisfação prazerosa que esperavam da vida” (FREUD, 2011, p. 32).

Freud cita, então, os notáveis progressos técnicos como o fato de podermos ouvir a voz de alguém há milhares de quilômetros ou a diminuição da mortalidade infantil pela medicina. No entanto, não se trataria de um simples e evidente acréscimo de prazer, pois se os modernos meios de transporte não tivessem levado nossos entes queridos para longe, não haveria a necessidade de ouvir suas vozes por meio de um aparelho eletrônico. Justamente por conta disso, Freud chama o prazer que os meios tecnológicos nos oferecem de “prazer barato” e diz que consiste em colocar a perna pra fora em um dia frio somente pelo prazer de colocá-la de volta embaixo das cobertas. Para o autor, essas realizações da humanidade teriam como finalidade proteger o homem da natureza e da relação com os outros homens.

No entanto, não devemos nos ater a uma compreensão dos avanços científicos a partir daquilo que ‘facilitam’ ou ‘dificultam’, mas sim a partir do modo como engendram maneiras de ser e de se relacionar, levando em conta aí a especificidade da dimensão imaginária do discurso do digital a partir da qual o sujeito é individua(liza)do. De acordo com Orlandi (2011), esse processo de individuação seria posterior ao de interpelação e teria relação estreita com a formação social em questão.

Assim, considerando que “os artefatos têm política” (WINNER, 1986), podemos tomá-los a partir das práticas materiais que estabelecem a fim de tentar compreender de que modo eles contribuem nesse processo de constituição de subjetividade.

Objetos tecnológicos

Para Freud, os “instrumentos” têm a finalidade de eliminar obstáculos para o bom desempenho dos órgãos ou mesmo para os aperfeiçoar: o navio, por exemplo, aperfeiçoa os órgãos motores ao nos levar de modo mais rápido e eficiente aonde nossas pernas não conseguem nos levar, ou as lentes que eliminam deficiências ou que fazem com que nossos olhos enxerguem mais do que são aptos a enxergar. O desenvolvimento desses instrumentos aproximar-se-ia à realização de um conto de fadas. Todorov (1975, p. 31) aborda ainda o caráter maravilhoso, que ele chama de maravilhoso instrumental, desses pequenos objetos, que considera “adiantamentos técnicos irrealizáveis na época descrita, mas depois de tudo, perfeitamente possíveis”. Quando pensamos em “adiantamentos”, estamos diante do caráter de inovador, que pode ser tomada como uma palavra de ordem na atualidade, que esses artifícios apresentam.

Lacan ao abordar os objetos tecnológicos, ao invés de utilizar o termo usual,gadgets, fabrica o neologismolatusaspara nomear esses objetos governados pela ciência e “feitos para causar o desejo” (LACAN, 1969-1970, p. 153).

De acordo com Carreira (2014),latusa,lathouse, em francês, reúne os termos gregos:ale?theia(?λ?θεια) eousia(Ο?σ?α).O termoaletheiacorresponde à verdade (perseguida pela Filosofia) ou realidade. Posteriormente, Heidegger, recuperando a raiz etimológica do termo sendoao prefixo de negação eletheo substantivo esquecimento, resultando daí o sentido de “desvelamento”. Enquanto queousiateria essência ou substância, tendo sido também Heidegger que concebe o termo como significandoser. Daí dizer quea latusatem como objetivo dizer sobre a “verdade desvelada do ser”.

A que verdade do ser se pode referir? Segundo Carreira (2014, p. 6),



[...] é interessante pensar que o tamponamento da falta pretendido pelaslatusasé homólogo aquele presente na constituição de um fetiche, pois ambos operam uma forma de negação ambígua da falta (Verleugnung): ao mesmo em tempo que a negam, a afirmam.


É possível então compreender essas latusas como mercadorias oferecidas ao sujeito como forma de, ao mesmo tempo, preencher e velar o vazio. Ou seja, ao mesmo tempo em que esses instrumentos ‘corrigem’ um obstáculo, a sua existência mesma reforça a existência de algo a ser superado. O ideal de onipotência aparece justaposto à realidade impotente, precária.

A esse respeito, Dias (2012, p. 43) destaca o caráter de universalidade e adesão à noção de homem ideal no “espaço-tempo tecnológico, cujo imaginário em torno do qual funciona, o torna capaz de transcender a morte e a dor do mundo físico”. O desejo de ubiquidade é mobilizado pelas novas tecnologias já que a construção do ciberespaço altera as noções de tempo-espaço até então vigentes.

Segundo Freud (2011), há muito tempo o homem formou as ideias de onipotência e onisciência e as corporificou em seus deuses que dotados de tais atributos ultrapassam em qualidade suas criações, os homens, que somente poderiam desejar tais atributos proibidos a eles. No entanto, esses instrumentos tecnológicos permitiriam que o homem pudesse se aproximar ou encarnar esse ideal cultural, uma vez que o usuário da TIM poderia, por exemplo, a despeito das constrições espaciais e temporais, estar em vários lugares ao mesmo tempo. A TIM teria assim uma solução à ‘humanidade’ do homem, à sua incapacidade de ser deus, ‘corrigindo’ sua falha: na/com a TIM, você não tem fronteiras.

Os sentidos de ilimitado

Podemos ainda, para desenvolver essa interpretação, elaborar as seguintes paráfrases do slogan Tim – Você, sem fronteiras:

TIM: você, sem fronteiras.

TIM; você, com fronteiras.

TIM: você, sem limites.

TIM: você, sem limitações.

Importante retomar ainda nesse ponto a série de significantes utilizados pela mesma empresa em diferentes peças publicitárias e que ressoam na ‘eternidade’, no ‘infinito’, no ‘ilimitado’, no ‘infinity’:

Imagem 2: retirada do site tim.com.br



Aqui, é possível observar um decalque da economia neoliberal na subjetividade: se as ligações são ilimitadas, o usuário passa a ser qualificado por tal atributo, “tornando-se” um deus onipotente, com suas próteses. Ao relacionar de maneira estreita a subjetividade às questões ligadas ao corpo e aos órgãos (‘falar’ ilimitado, ‘ouvir’ ilimitado, ‘mover-se’ no espaço digital de forma ilimitada), e observando ainda as paráfrases elaboradas acima, podemos considerar que a produção de sentidos presente nesta peça publicitária aponta para o corpo como aquilo que faz fronteira à subjetividade, aquilo que pode determinar o sujeito em sua limitação. Desta forma, os ‘órgãos auxiliares’ ou ‘instrumentos’, providos pela tecnologia e oferecidos aos sujeitos como próteses, podem ser considerados em uma relação de identificação e individuação, e não de mera apropriação. O processo de individuação funciona por meio da injunção colocada em causa a partir das condições de produção promovidas pela tecnologia e pelo Mercado.

Para Sarti (2011, p. 196),



se materializa nas locuções “na sua mão” e “sem fronteiras” a expansão dos corpos dos sujeitos em linhas objetuais, ou seja, se materializa a encarnação do Outro, ao qual são encaixados objetos-fetiche, nos corpos dos sujeitos, expandidos em coisas-objetos mercadorias e imagens.


É a partir de uma lógica da completude e da suficiência que os sentidos são produzidos, fazendo funcionar ao mesmo tempo, por um efeito de pré-construído, o sentido de ‘limitação’ atribuído ao corpo (sem suas próteses). Para Pêcheux (2009, p. 151), um dos elementos do interdiscurso, “o ‘pré-construído’[,] corresponde ao ‘sempre-já-aí’ da interpelação ideológica que fornece-impõe a ‘realidade’ e seu ‘sentido’ sob a forma de uma universalidade (o ‘mundo das coisas’)”. O sentido ou a realidade “limitada” do sujeito se impõe, via encadeamento do pré-construído, determinando o universal da subjetividade.

Vale lembrar ainda que Freud (2011) coloca ressalvas a essa realização a qual chama 'deus protético', pois dotado de órgãos auxiliares, que “ainda lhe dão [ao homem] muito trabalho”:


Ele tem o direito de consolar-se, porém, com o fato de que essa evolução não terminará justamente no ano da graça de 1930. Épocas futuras trarão novos e inimagináveis progressos nesse âmbito da cultura, aumentarão mais ainda a semelhança com Deus. Mas não devemos esquecer, no interesse de nossa investigação, que o homem de hoje não se sente mais feliz com esta semelhança (FREUD, 2011, p. 36).


Inovação e obsolescência

Sabemos que a falta é estrutural (está relacionado ao fato do sujeito ser constituído pelo inconsciente – simbólico, e pela ideologia), mas de certa maneira, o que as inovações tecnológicas, aliadas ao discurso da ciência, nos fazem crer é que a falta não é estrutural, mas sim uma falha passível de ser corrigida, seja pelos avanços, seja pelo consumo de novos produtos. Bastaria para tanto, comprar o novo smartphone (ou atualizar a sua versão mais recente).

Diante da reiteração da promessa de superação da insuficiência que um “novo” artifício tecnológico engendra, podemos pensá-la não como algo constitutivo, mas sim como uma falha que a próxima mercadoria será capaz de corrigir. Isso permite que o movimento constante de reenvio do sujeito ao próximo objeto se renove, renovando-se assim as promessas de completude e suficiência promovidas pelo mercado de consumo no seu bem sucedido casamento com a tecnologia.

De certa maneira, o que o discurso capitalista promove, na medida em que se trata de uma variação do discurso do Mestre, é um excesso, um sempre mais. A partir daí, o vazio (‘a verdade do ser’) é preenchido não por um objeto (obviamente), mas por um movimento, uma aceleração constante que impede a queda do objeto do “zênite” social no qual se encontra (LACAN, 2003 [1970]).

Por meio da produção de um excesso, nos recortes que tomamos em nossa análise, o funcionamento do discurso capitalista aliado a um discurso que mobiliza o digital, o eletrônico, escamoteia a falta (real ou de sentido literal), obtura essa falta através da oferta de um sentido estável e transparente – latusas, que são favorecidas pelo lugar privilegiado que ocupam na intersecção entre mercado, ciência e tecnologia. A sucessão imediata faz com que se sustente uma satisfação ilusória, que sempre está a um passo do sujeito, no próximo da série. Daí nossos iPhones 2, 3, 4, 5, e assim sucessivamente, sem previsão de término.

É nesse sentido que podemos nos perguntar o que vem antes: a inovação ou a obsolescência? Duas faces da mesma moeda, esses dois sentidos não poderiam aparecer separados e marcam em grande medida a tonalidade das modificações que podem ser observadas nas condições de produção e reprodução das forças produtivas. A fruição desses objetos fadados à obsolescência deve ser curta e rápida.

Se a subjetividade passa a ser marcada pela ausência de finitude e de fronteiras, é preciso estar o tempo todo conectado, sob a ameaça de que diante da ausência da possibilidade de comunicação virtual, uma certa identidade venha se desfazer, ou que esse sujeito, escorado em seu artifício, venha deixar de existir. Nesse sentido, estaríamos diante de uma relação inédita entre o sujeito e o corpo.

Retomo o ponto de partida: por que a internet aproximou o protagonista do mundo e o afastou da vida? Sobre isso, Quinet (2009, p. 37) nos dá algumas coordenadas:


O discurso capitalista efetivamente não promove o laço social entre os seres humanos: ele propõe ao sujeito a relação com umgadget, um objeto de consumo curto e rápido. Esse discurso promove um autismo induzido e um empuxo-ao-onanismo fazendo a economia do desejo do Outro e estimulando a ilusão de completude não mais com a constituição de um par, e sim com um parceiro conectável e desconectável ao alcance da mão.

Ao sujeito conectável e desconectável não restariam fronteiras, o que nos convoca a repensar a subjetividade por meio de análises de práticas discursivas. Assim, ao alcance de um clique, na palma da mão, intuitivamente, online, são alguns dos discursos que servem como ponto de ancoragem a essa reflexão que se apresenta (sem se concluir) neste trabalho.



Referências

CARREIRA, A. Enquanto houver real... In: Seminário de Abertura de Lalíngua - “Che Vuoi”: O desejo do analista ou as demandas, Ribeirão Preto, 2014.

DIAS, C. Sujeito, sociedade e tecnologia: a discursividade da rede (de sentidos). São Paulo: Hucitec, 2012.

______. DIAS, Cristiane. e-urbano: a forma material do eletrônico no urbano. In: DIAS, C. (org.) e-urbano. LABEURB/NUDECRI/UNICAMP: Campinas, 2011. Disponível em: <http://www.labeurb.unicamp.br/livroEurbano/index.htm> Acesso em 22 de mar. 2015.

FREUD, S. (1930) O mal-estar na civilização. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2011.

LACAN, J. (1970) Radiofonia. In: ______. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

LEMOS, A. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2008.

ORLANDI, E. A contrapelo: incursão teórica na tecnologia - discurso eletrônico, escola, cidade.Rua: Revista do Laboratório de Estudos Urbanos do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade, Campinas, v. 2, n. 16, p.5-17, 11 nov. 2010. Semestral. Disponível em: http://www.labeurb.unicamp.br/rua/pages/home/index.rua? acessar=16-2. Acesso em 03 out. 2013.

______. Discurso e Texto: Formulação e Circulação dos Sentidos. Campinas: Pontes, 2001.

PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas: Pontes, 2009.

QUINET, A. Psicose e laço social: esquizofrenia, paranoia e melancolia. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

SERRES, M. Atlas. Paris: Julliard, 1994.

REBOUL, O. O Slogan. São Paulo: Cultrix, 1975.

TODOROV, T.Introdução à Literatura Fantástica. São Paulo: Editora Perpectiva, 1975.

WINNER,L. Do Artifacts have Politics? In: __________.The Whale and the Reactor: A Search for Limits in an Age of High Technology.Chicago: The University of Chicago Press,1986.p. 19-39.



Data de Recebimento19/06/2015
Data de Aprovação: 21/01/2016




[1] Seguindo Lemos (2008), denominamos novas tecnologias (de comunicação e de informação) aquelas tecnologias que são construídas a partir da associação entre as telecomunicações analógicas e a informática, desde meados da década de 70 do século passado.

[2] Apesar de o novo regime de espacialidade, presente na materialidade digital, possibilitar que ‘novos’ sentidos sejam produzidos, ainda é preciso que seja desenvolvido um trabalho de investigação e de articulação teórica sobre a maneira como esse ‘novo’ incide sobre a produção de sujeitos – uma vez que os processos de produção de sentido e sujeito são contemporâneos.