Entre a ainda abundante matéria-prima disponível na região e a diversidade cultural existente no mesmo espaço urbano, a feira da Boa Esperança atualiza os modos como a culinária típica cuiabana se representa econômica e simbolicamente entre as demais culturas populares que povoam e subjetivam a cidade que se transforma em metrópole. Em meio a tantas migrações populacionais que atravessaram o país e aportaram em Cuiabá, a diversidade culinária na cidade revela também as relações existentes entre as experiências culturais e as condições subalternas das culturas populares, onde quer que sejam produzidas e seja lá quais forem suas origens étnicas e geográficas.
Cultura em processo e reinvenção do trabalho
Na perspectiva folkcomunicacional (BELTRÃO, 2001), ou seja, considerando a dimensão comunicacional nos modos como o folclore se representa ou é representado na dinâmica da vida moderna, o atravessamento de distintas culturas populares na feira da Boa Esperança sugere a constituição de um ambiente multiétnico e multicultural, marcado pela experiência de tolerância no trato com a diferença. Os movimentos constituintes de uma cultura cosmopolita, até mesmo pela grande plasticidade cultural, são ecléticos e ambivalentes, o que inclui o campo do consumo como condição para emergência de um cosmopolitismo banal no mais ordinário cotidiano. (BECK, 2005)
A identidade cultural, ao fornecer saberes culinários de origens étnicas diversas, torna-se uma ferramenta com que é produzida a vida simultaneamente simbólica e econômica desse segmento de trabalhadores. A feira da Boa Esperança, em sua discreta condição no espaço urbano, emerge como o que os geógrafos chamam de “nova raridade” (DAMIANI; CARLOS, & SEABRA, 1999, p. 64), na medida em que a praça, sendo espaço público, passa a agregar diferenças culturais a partir de uma demanda pela reinvenção do mundo do trabalho coletivo e colaborativo entre os feirantes.
Na feira gastronômica da Boa Esperança, as referências culturais tornam-se difusas, numa cidade multiétnica onde as capturas econômicas de distintos repertórios culinários tornam-se populares mais pelo uso generalizado do que pela relação direta entre produto cultural e sua suposta origem étnica ou geográfica. A contaminação de uma cultura a outra torna difuso o conceito de comida tradicional, segundo um rótulo identitário estável. A descendente de japoneses, que prepara yakissoba e sushis, tem a sociabilidade inclusiva característica dos cuiabanos. Na barraca de outro trabalhador