Revista Rua


O corpo na relação trabalho x prazer
The body in relationship labor x pleasure

Fernanda Surubi Fernandes e Olimpia Maluf-Souza

de prostituição, pois toda a contradição – presente na relação prostituição x trabalho e corpo – vem investida por questionamentos presentes no nosso dia a dia, na sociedade: circulando, produzindo sentidos. Afinal, o que é trabalho? O que é esse trabalho na relação com o corpo, o que é o corpo na relação com o trabalho e com o prazer?
Há, nas relações sociais, uma insuportabilidade em deixar circular os sentidos sobre o prazer, porque a sexualidade traz para todos os sujeitos um fantasma socialmente insustentável que é o prazer. Historicamente, a relação entre trabalho e prazer é algo inconciliável, principalmente no momento em que a Igreja, como instituição, leva o homem a repudiar o prazer, através da moralidade, atravessando, barrando constantemente a sua relação com a sexualidade, com o prazer.
O preconceito é um modo de dar visibilidade a essas questões, que funcionam como pré-construídos, em que se silenciam os dizeres sobre o prazer/a sexualidade, ou seja, não se pode falar de prazer, não se pode falar sobre o corpo na relação com o prazer. A negativa demonstra como o preconceito nega a produção dos sentidos, através da interdição, porém, é a proibição que torna tão forte os efeitos sobre o sexo, que sempre encontra formas de escape, de deslize, de falha, produzindo sentido. Assim, mesmo silenciado, interditado, o seu dizer continua incomodando, funcionando nas relações sociais, produzindo efeitos.
Nessa direção, o trabalho, pautado por um sistema capitalista, produz sentidos voltados para a concepção do sustento, como forma de edificação do ser humano, sem o qual o homem não se constituiria como sujeito para a sociedade, como um bom cidadão, que cumpre suas obrigações. Por essa razão, a própria relação do prazer com o trabalho é diluída, pois não há tempo para o prazer (“tempo é dinheiro”), produzindo assim, efeitos negativos sobre os sujeitos que visibilizam, através de sua atividade, a questão do prazer, como é o caso da prostituta.
Portanto, tem-se, nessas condições de produção, a contradição marcada pelo trabalho e pelo corpo, ou seja, ou corpo serve para o trabalho ou serve para o prazer, o que coloca em funcionamento uma impossibilidade de que prazer e trabalho se constituam mutuamente. E nessa relação, a prostituta vai se constituir como o lugar do equívoco, do deslize, pois produz um funcionamento em que trabalho e prazer se constituem mutuamente através do uso do corpo na prostituição.
Talvez essa contradição não permita que, ainda hoje, no Brasil, haja a legalização da prostituição como profissão, pois essa legalização coloca-se no lugar do interditado, do proibido, permitindo, portanto, como um de seus efeitos, a consolidação do estigma social