Forma de vergonha em sonho



Forma de vergonha em sonho

 

 

Shara Lopes[1]

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1683-6676

posta em chamas

chama o sentimento de vergonha

“compareça, ó vergonha!”

 

desnudam-se em sonho

os cantos angulares

do opróbrio fundante 

da feminilidade

 

sente-se envergonhada

a mulher

de ser-se e estar-se

curva envolta em curvas

distante das facilidades

fálicas

das superficialidades

de um martelo hostil ao que é forte

hostil à casa curva uterina

à delicadeza de quem é profunda

 

estivera a imaginar celeste

e cristas de ondas envergonhadas

avermelhadas

envergavam-se e pendulavam

por um tempo surreal

 

funda o fundo oval nunca ereto

oco de razão antiga

de lógica grupal ocidental

de procura de anulação da polêmica

o lugar da forma é vazio

 

forma

deforma

          conforma

reforma

          transforma

o sonho                                   de um arco

realoca            no tempo 

                     a vergonha

 

 

 

 

Anúncio de interrupção do poema

 

a quem de interesse:

 

está interrompido o plantio de poemas

para contemplação do belo

em mil expressões de novidade

 

a máquina de produção poética

requer de quando em quando

um pouco de matéria bruta experimental

tátil, audível, visível, imperativa,

única como todo nascer de sol, de lua, de vida

 

no planeta, a cada minuto de cada dia,

há a estreia da esperança

em camas hospitalares, banheiras e manjedouras

e há correspondências celestes que servem aos poetas

 

a quem vive de poesia, portanto,

é instado interromper o ato

porque no intervalo, no vale

mora a fantasia visionária

 

a interrupção é, além disso,

para fins de apreciação da tal beleza

de um caminho inteiro a ser trilhado

com o mais recente choro de vida,

pois que aí está o tecido da arte

questão limítrofe

quase toda ela enevoada

 

barra-se o poema para vê-lo em potência de totalidade

e obviamente por genuína soberba artística

 

 

 

Dança de parir

 

como estivesses a navegar ártica

e nos sentíamos em mútuo tato

tu e eu em plena forma tópica

 

como vieste tu a gerar força

por tão impaciente determinação

fizeste de posse outra a áspera dança

 

não te quis por inteiro e ainda

em pedaços esfacelada vi-te minha

e vitimei-me por tola finda

 

o breu marinho avistei em ti

mal querendo teu querer

pois que eras o nada a partir

 

dilacerei então cordão e sangue

flutuantes de espaças brumas

para que o espaço ande e desague

 

a nau era hostil e no entanto

sucumbia ao todo jazido

óbvio e crente de pranto

 

de minha mãe as curvas escritas

daquela que me fez ser

delineavam-se na prancheta que avistas

 

existíamos tu e eu uma só

solidão divina de pó

tal qual matéria de fundante nó

 

a darmos as mãos irregulares

a constrangermos os milhares

por sorrisos largos em bares

 

fitamo-nos de fora a dentro

como a perseguir o fim do passo

a perder toda noção do compasso

enviesando o rumo do centro

Data de Recebimento: 13/08/2023
Data de Aprovação: 02/10/2023

 

[1] professora efetiva do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI), doutora em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). E-mail: sharalylian@hotmail.com.




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