Revista Rua


A Farsa e El-Rei Junot, subversão e decadência
A Farsa e El-Rei Junot, subversion and decline

Débora Renata de Freitas Braga, Otávio Rios

único instrumento de investigação literária, cedendo espaço para um processo em círculos – da criação à obra e, desta, de volta ao processo de criação.
 
Escrita, sociabilidade, subversão
 
Segundo Percy Lubbock (1985), todo ato subversivo pretende desconstruir o que está estabelecido. Entretanto, não temos a pretensão de julgar a escrita de Raul Brandão como subversiva, mesmo porque não se pode admitir o fato apenas por base na leitura de sua correspondência, ou tão somente nas páginas de sua literatura. Por outro lado, o caráter de subversão é verificado de forma evidente em Húmus, e de forma latente em A Farsa, El-Rei Junot e Os Pobres. Se as cartas são arquivos da criação literária, a discussão epistolar entre Brandão e Teixeira de Pascoaes permite entrever que o “arquivamento do eu é uma prática de construção de si mesmo e de resistência” (ARTIÈRES, 1998, p. 10-11 apud VASCONCELLOS) quando verificamos que não é apenas o texto que possui um sentido passível de ser analisado. A noção de obra como algo acabado, fechado, foi ultrapassada para dar lugar à investigação dos arquivos literários como fonte de informações acerca desta obra, processo que evita o que Marília Rothier Cardoso (2003, p. 47) denomina como esquecimento ou amnésia literária e estética.
Queremos pensar A Farsa e El-Rei Junot construindo uma investigação em que textos literários são inscritos no percurso inverso: em vez de partirmos das obras, optamos pela análise de seus procedimentos de criação e do modo como se faz a escritura num processo de sociabilidade entre os dois expoentes da virada do século. Sociabilidade esta tecida nas relações urbanas entre os dois escritores, e que hoje podem ser reveladas por meio do estudo do arquivo literário. Brandão chega a afirmar na carta 77, de 18 de abril de 1923[4], que o ato de escrever é “levar uma cruz ao calvário” (1994, p. 112). Certamente, a tarefa se torna mais fácil quando realizada por duas cabeças, sobretudo se as tais figurarem como peças influentes no cenário intelectual da época. A escrita de um texto literário não precisa ser, necessariamente, um ato individual. Quando o discurso do outro e o discurso próprio se entrelaçam, grandes obras podem surgir. A sociabilidade está presente em várias obras brandonianas, seja em forma de


[4] Neste artigo, preservaremos a ortografia vigente nas citações e nos fragmentos das cartas analisadas, mesmo porque não há edições brasileiras destes livros.