Revista Rua


A Farsa e El-Rei Junot, subversão e decadência
A Farsa e El-Rei Junot, subversion and decline

Débora Renata de Freitas Braga, Otávio Rios

Brandão trabalha com uma perspectiva mais humana da história, criando o “protótipo do anti-historiador [...] para quem a história era mais a perscrutação do humano do que a descrição e interpretação objectiva dos fatos” (1994, p. 248). Como verificamos no trecho de El-Rei Junot: “Eu vejo, positivamente vejo, os mortos a empurrarem os vivos” (1982, p. 85).
Teixeira de Pascoaes, na apresentação que faz a El-Rei Junot na revista A Águia, afirma que “é difícil encontrar, em qualquer parte do mundo, quem possua, como Raul Brandão, o segredo de pôr, diante dos nossos olhos, violentos de realidade, os homens e as épocas desaparecidas” (1994, p. 30), inserindo na escritura portuguesa uma narrativa em que se (con)fundem os conceitos de história e literatura. Quanto a El-Rei Junot, há duas cartas que gostaríamos de destacar: a primeira é de junho de 1914:
 
Quando acabei de ler a sua genial história da 1ª invasão, disse para comigo: Se ele escrevesse uma História de Portugal?!...Uma História resumida ao essencial, é claro. Com o seu estranho poder de visão íntima e dramática, o meu querido Amigo fará, certamente, uma obra absoluta e dum divino alcance para a nossa Pátria (1994, p. 47-48).
 
Na segunda carta a que nos referimos, de 14 de dezembro de 1920, Teixeira de Pascoaes afirma: “Não corresponde a Farsa ao seu estado de espírito actual? Mas corresponde e sempre corresponderá ao estado de espírito dos homens que vivem a sua própria tragédia” (1994, p. 66). Assim, de acordo com Álvaro Manuel Machado, na obra brandoniana nos deparamos com um autor que reflete “não só sobre a dor universal, genericamente, mas também, especificamente, sobre o processo de criação, sobre a dor (e com ela o sonho) como fundamento de toda a verdadeira e perdurável obra de arte” (1984, p. 77). Sendo assim, a narrativa ultrapassa suas linhas para colocar-se como uma escrita na decadência.
 
Escrita, decadência, romance
 
Se os gregos antigos concebiam o tempo como um círculo que se repetia continuamente, a passagem do tempo, desta forma, não atemorizava os homens; sugeria renovação. Ao instaurar-se o calendário cristão, a ideia de começo e fim dos tempos fez com que o associássemos à morte e à decadência, e surgiram, por conseguinte, temores relacionados ao fim dos tempos, sobretudo em épocas de mudança entre séculos e/ou períodos milenares. Para Eduardo Lourenço, “fin de siècle, se não significava fim do