Revista Rua


Políticas de Autoria - Entre Regulação e Falha
(Authorship Policies - Between Regulation and Failing)

Ana Silvia Couto de Abreu

A partir da reflexão da autora, propomos descrever o arquivo jurídico caracterizando seu funcionamento pela produtividade do acúmulo, pela ilusão de completude, pelos efeitos de congelamento de uma escritura no tempo. Assim, consideramos que o arquivo jurídico cristaliza um gesto de leitura no/do arquivo jurídico que desconhece um seu exterior, que apaga a referência a discursos outros, que se concentra sobre si mesmo, estabelecendo uma rede interna de citações datadas, de referências intertextuais precisas, que produzem um efeito de completude do corpo de leis que constituem o arquivo. Gesto de leitura que se projeta sobre as práticas institucionalizadas de escritura legal, normatizando um dizer circular, auto-referencial, que desconhece/esquece constitutivamente enunciados produzidos fora do arquivo.
Como nos lembra Pêcheux (1990: 32), a “homogeneidade lógica, que condiciona o logicamente representável como conjunto de proposições suscetíveis de serem verdadeiras ou falsas, é atravessado por uma série de equívocos...”. 
E tem nos parecido que é no equívoco que se situa a resistência, indicando que “a idéia de que os espaços estabilizados seriam impostos do exterior, como coerções, a este sujeito pragmático, apenas pelo poder dos cientistas, dos especialistas e responsáveis administrativos, se mostra insustentável” (PÊCHEUX, 1990: 33).  
Assim, entendemos que os espaços estabilizados não são estáticos, transformam-se historicamente, pela construção dos sujeitos, que, em um efeito de retorno, fazem uma “mexida” na estabilização, preenchendo seus furos, não sem resistência, com outras práticas discursivas que deixam entrever um diferente Real. 
Isso nos remete novamente ao trabalho de Zoppi-Fontana (2004:11) e um aspecto de suas conclusões:
 
A partir da observação do corpus, levantamos a hipótese de que a presença de considerandosmanifesta um gesto de interpretação que analisa os acontecimentos históricos em relação a sua “relevância social”, o que justificaria a elaboração de leis que os regulem. Neste sentido, os considerandos funcionam como vestígio no texto legal dos limites movediços que relacionam o arquivo jurídico com seu exterior. Os considerandos sinalizam esta região conflituosa de contato entre a ordem do jurídico e a ordem do social e manifestam o espaço enunciativo heterogêneo onde a lei responde a/se confronta com discursos outros que lhe exigem uma adequação e legitimação não puramente formal. Assim, os enunciados contextualizadores (os considerandos) participamde um processo de textualização que quebra o efeito de completude,