A Revista Rua, após ter tido o privilégio de comemorar, no decorrer do ano de 2014, seus 20 anos de publicação, lança seu vigésimo-primeiro número ciente de sua responsabilidade no campo interdisciplinar do saber urbano e linguagem, no campo multidisciplinar dos estudos urbanos, e também no campo de uma política científica condizente com sua atuação inovadora que abre espaço para o debate e para a visibilidade de diferentes abordagens do espaço da cidade enquanto simbólico e político, trazendo a linguagem como um modo possível de compreensão das tensas e contraditórias relações que se embatem nos diferentes espaços no/do urbano.
Abrimos a Seção Estudos com “As ruas comerciais, o consumo e a vida social urbana: o universo dos ateliês da Rua Dias Ferreira” de Sílvia Borges Corrêa, no qual a autora descreve práticas de comercialização, de consumo e de sociabilidade presentes na Rua Dias Ferreira, no Rio de Janeiro, em uma perspectiva antropológica do consumo que realça a linguagem coletiva, de comunicação e de classificação social, presentes nas práticas comerciais que ali se desenrolam. Por outro lado e de outro modo, Paulo Cezar Nunes Junior e Janir Coutinho Batista, em “FICA na rua: arte, cultura e poéticas de apropriação de espaço urbano”, apresentam ao leitor uma prática cultural que se apropria do espaço público de modo a colocar a cidade como lugar de lazeres e espaço para múltiplas relações. Ainda na interface entre o estético, o público, a cidade, Guilherme Radi Dias e Renata Marcelle Lara, em “Discursividades, materialidades e entremeios: dizeres e sentidos das artes visuais em espaços arquitetônicos na cidade de Maringá”, permitem dar visibilidade a relações entre discursos ligados às artes visuais em uma perspectiva discursiva materialista do real da cidade. De outro modo, e olhando para aquilo que se preserva no entremeio entre o histórico, o estético e o Estado, podemos observar em “Análise do discurso da arqueologia preventiva na Folha de S. Paulo: A Casa Bandeirista do Itaim”, de Glória Tega e Rodrigo Bastos Cunha, um outro modo de compreender a cidade sendo significada por gestos nela inscritos, quando os autores analisam matérias publicadas no jornal Folha de S. Paulo sobre o licenciamento de obras da Casa Bandeirista do Itaim, São Paulo/SP. Também refletindo sobre a presença arquitetônica nas cidades, mas não na ordem de um discurso sobre, como no artigo anterior, mas sobre um discurso da cidade, Olimpia Maluf-Souza e Fernanda Surubi Fernandes, em “Arquitetura das igrejas: gestos metafóricos e metonímicos que materializam desejos inconscientes”, tomam a arquitetura – neste caso específico, a das igrejas – enquanto um acontecimento discursivo que instala, institucionaliza, espacializa, estabelece relações de pertença para sujeitos e para sentidos. Levando nosso olhar do corpo da cidade para o corpo na cidade, deparamo-nos com ““No carnaval a fantasia é minha. O corpo é meu” - memória e rupturas feministas na folia”, em que Dantielli Assumpção Garcia e Lucília Maria Abrahão e Sousa nos mostram a atualização de uma uma memória sobre a mulher e sua relação com o carnaval, com o homem e com a sociedade no acontecimento discursivo em que se configurou a Marcha das Vadias. Mirando agora no corpo do povo, Rodrigo Marcelino, em “Reportagem e Folhetinismo: narrativas infames como poder finalista”, mostra traços típicos do jornalismo e do folhetinismo que passam a concorrer com a reportagem, a partir de um deslocamento da crítica à literatura pela ciência sociológica e da história pelo critério etnológico. Por sua vez, observando o sujeito, Eliana de Almeida, em seu artigo “Da relação sujeito, religião e estado: O discurso da liberdade e das letras na cidade”, trabalha o fato discursivo de que no processo brasileiro de urbanização está implicada à questão da laicização do Estado, fazendo intervir sentidos outros para as instituições e para o sujeito. Debruçando-se ainda sobre o sujeito, um sujeito das ruas dito e significado por um discurso midiático, Raquel Noronha, em “Uma análise discursiva da veiculação das manifestações de junho de 2013 pela revista Veja”, mostra ao leitor o funcionamento do discurso midiático produzindo sentidos. Fechando a Seção Estudos deste número 21 da Rua, encontra-se “Cáceres - nome luso de cidade mato-grossense” de Neuza Zattar, em que a autora trabalha os movimentos de nomeação da cidade de Cáceres, tomando estes gestos como acontecimentos do dizer perpassados pela história e pela memória luso-brasileira, dentro de um interpretável do que se diz em relação a um passado de enunciações em que os nomes foram se dando. Como os leitores podem observar, são artigos que nos apresentam questões de língua, linguagem, processos de identificação e de estabilização de sentidos do e no espaço da cidade, em um discurso urbano e do urbano, fundamentais para que possamos fomentar o debate sobre questões candentes ou pouco visíveis, todas fundamentais para aqueles que tomam o espaço em suas múltiplas formas de significação.
A Seção Artes é brindada com duas belas obras – de Ana Maria Niemeyer e de Isadora Machado – sutis, singelas, fortes, marcantes, que nos aproximam e nos distanciam dos sentidos de modo que possam ser estranhamente familiares, permitindo movimentos.
Na Seção Notícias e Resenhas, além de informações de atividades científico-acadêmicas desenvolvidas pelo Labeurb/Nudecri, pode-se ler a belíssima resenha de Felipe Nascimento sobre a forte obra Sentidos de milícia: entre a lei e o crime, publicada pela Editora da Unicamp, resultante do doutorado de Greciely Cristina da Costa.