“No carnaval a fantasia é minha. O corpo é meu”: memória e rupturas feministas na folia


resumo resumo

Dantielli Assumpção Garcia
Lucília Maria Abrahão e Sousa



 

O discurso-outro sustenta que a mulher, principalmente a negra, tem como função na sociedade e no carnaval “atrair o homem estrangeiro, dada a forma como os sentidos de mulata foram desenhados desde a escravidão, aquela que serve ao senhor em todos as instâncias da vida privada inclusive. Tal sentido dominante foi inscrito sócio-historicamente e cristalizou-se como único modo de dizer do corpo da mulher negra, peça ou objeto a ser comprado e usado na e fora da cama. Ressaltamos o modo como partes desse corpo feminino negro foram discursivizados na matriz escravocrata que sustentou e ainda sustenta efeitos: seios fartos das amas de leite, o que garantiria potência para a amamentação, além de nádegas avantajadas e lábios grossos, capaz de assegurarem satisfação sexual para os senhores. Tais efeitos, pelo modo como constituíram um dizer oficial e dominante, estabilizaram certa imagem sobre o corpo da mulher negra, imagem esta que os cartazes acima fazem furar/atualizar.

A mulher é colocada como um objeto de diversão, como um objeto a ser comercializado nas propagandas da Globo. A Globeleza não representa as mulheres porque deixa a sociedade usar seu corpo como símbolo do carnaval, do Brasil. A mulher negra surge como entretenimento ao estrangeiro, podendo ser “exportada” a outros países, que também a violentarão e legitimarão sua posição como objeto de desejo. Uma crítica a esse discurso é divulgada na Marcha das Vadias de Belo Horizonte.

Antes de passarmos à análise desse texto, é importante salientar que em nossas análises estamos mobilizando a noção de recorte (Orlandi, 1984). O gesto de recortar visa ao funcionamento discursivo, buscando compreender o estabelecimento das relações significativas entre os elementos significantes. Ao analisarmos os recortes – unidades discursivas – dos textos, pretendemos refletir sobre as condições de produção atuais que permitem a emergência de dizeres que rompem com rituais enunciados e estabilizados na memória.

No dia 21 de fevereiro de 2014, a Marcha das Vadias de Belo Horizonte compartilha um texto sobre um concurso de marchinhas na cidade de Contagem (MG). Esse texto, em tom de manifesto, faz uma crítica ao edital lançado pela Fundação Municipal de Cultura de Contagem para a inscrição de marchinhas, o qual previa que o tema das canções era “livre”, porém, era “proibida qualquer tipo de manifestação de desapreço a órgão ou entidade da Administração Pública Direta e Indireta, a grupo social, organizações, pessoas físicas e instituições privadas”. O que causa estranhamento, inicialmente, é a censura ao conteúdo das marchinhas. Contudo, o que o