Da relação sujeito, religião e estado: O discurso da liberdade e das letras na cidade


resumo resumo

Eliana de Almeida



Iepê se dá como espaço discursivo de diferentes posições ideológicas, cujos sentidos estão materializados na contradição que a constitui como cidade. Se por um lado, a querela fundadora aponta para Iepê o insurgimento contra a modernidade e seus ideais de liberdade, de outro, a construção do templo presbiteriano faz repetir o gesto católico de demarcar naquele território um signo à liberdade de culto e ao conhecimento das letras. O templo não se constrói, assim, conforme vimos anteriormente, como marco da relação entre o espiritual/temporal (Orlandi, 1983), senão como ícone da dominação católica, religião hegemônica no Brasil, e do estabelecimento da liberdade de culto como conquista dos fundadores da cidade.

Nossas últimas considerações concernem à relação cidade e escola, suposta na querela religiosa entre católicos e protestantes, no entorno do acesso ao espaço público do povoado de São Roque. Em seu artigo Cidade e Sujeito Escolarizado, Pfeiffer (2001) afirma que o processo de escolarização e o de urbanização funcionam como instrumentos do Estado para normatizar, estabilizar, regulamentar as normas de ocupação da cidade e considera:

 

A escola é tomada ainda como um dos principais lugares autorizados a construir a capacidade de sociabilidade. Relações de sociabilidade normalmente pensadas a partir do fim do século XVIII, como relações calcadas na ideia de igualdade, direitos iguais, direitos burgueses. [...] Participamos do efeito da escola republicana francesa que estabelece uma relação necessária entre escola e república no sentido de que a escola representa o lugar de preparação e de evidência de qualidades dos homens que disputam, e já não mais herdam, lugares sociais. (PFEIFFER, 2001, p. 29-35).

 

A falta de acesso à escola materializa-se como a falta do Estado, pela política do Império, do padroado, estabelecida entre Igreja e Estado, portanto pela hegemonia do catolicismo como religião oficial no Brasil e pela administração do espaço público sob os ideais da segregação e apagamento da diferença. A cidade de Iepê propõe-se como espaço da liberdade, das diferenças culturais, já que a escola é responsável por criar uma unidade cívica a partir da pluralidade cultural, conforme Pfeiffer (2001).

A cidade de Iepê não apenas é construída concretamente, como também é circunscrita ideologicamente sob os ideais da modernidade, estabelecendo sobre as relações sociais o consenso político necessário, sob a bandeira da liberdade de culto e da formação do sujeito letrado, materializada no anseio da Igreja e da escola. Conforme os relatos, a inexistência de escola forçava os cidadãos protestantes a contratarem professores particulares de outras cidades, como o Prof. Rev. Jonas Martins, de Assis-