“No carnaval a fantasia é minha. O corpo é meu”: memória e rupturas feministas na folia


resumo resumo

Dantielli Assumpção Garcia
Lucília Maria Abrahão e Sousa



  1. Juro que não sei onde enfiar a cara de vergonha quando um rapaz agarra o braço de uma moça e insiste que só o largará quando receber um beijinho. Ou quando o piolho dá um “armlove'' e, insano, tenta arrastar a moça até ser contido por outros foliões – ou não. Presenciei uma cena patética e recorrente: depois de receber uma miríade de respostas desabonadoras, e sem soltar o braço de uma mulher bastante educada, um deles pediu “por favor, por favor, me dá um beijo''. Cara, cadê sua dignidade? Isso é o fundo do poço! O amor próprio é o primeiro a morrer quando a alcateia está olhando.

 

Sakamoto aproxima o comportamento masculino ao comportamento de animais. As mulheres surgem como presas que serão abatidas pelo homem. Na sociedade machista, a mulher nada mais é que um objeto a ser consumido, devorado, principalmente, quando a “alcateia” está olhando e analisando o funcionamento do poder masculino sobre a “presa-mulher”.

Ao mostrar uma naturalização da violência, ao mostrar que isso é reflexo de uma educação machista, Sakamoto tenta romper esses dizeres e atualizá-los com outros sentidos ao “segundo sexo”, materializando o empoderamento da mulher. Embora esteja vivendo no espaço público, à mulher não lhe é permitido estar sozinha, não lhe é permitido dizer não, não lhe é permitido divertir-se nem no carnaval. Mesmo denunciando o homem pela violência sofrida, a mulher é violentada por meio das designações dadas a ela. A sociedade, pelo funcionamento da ideologia, faz com que a mulher veja como natural a violência que sofre, afinal, ela “procurou” por estar sozinha, por se divertir, por dizer não:

 

  1. Mas, em comparação a outros carnavais, tenho a grata impressão de que há mais pessoas conscientes e sentindo-se empoderadas para não deixar barato esse tipo de assédio sexual. Fiquei sabendo de casos em que a polícia foi acionada e pôs água no chope dos desmiolados que achavam que a bunda alheia é patrimônio público.

 

  1. Em outro momento, depois de dar um tapa na cara de um sujeito que tentara lhe beijar à força, uma colega ouviu alto e bom som, quase como uma crítica social: “Mas é carnaval, vadia! Quem está aqui sozinha é porque quer isso''. O sujeito aprendeu com amigos e família, viu na televisão, ouviu no rádio, que este é um momento em que as regras de convivência estão suspensas e todos procuram sexo. Para ele, a rua é um imenso Tinder offline (não que todos usem o app dessa forma, mas o desespero de alguns por lá é deprimente). Daí, quando rejeitados, expressam toda a sua perplexidade em bordões como “vagabundas'', “vadias'' e “piranhas''.

 

Duas posições à mulher são trazidas ao texto. Uma, legitimada pela sociedade, a “mulher de bem”; e a outra, vítima de violência que esta mesmo provoca, a vagabunda”, “a piranha”, “a vadia, “a mulher da vida. A “mulher de bem” está em casa à espera de seu homem, a vadia está na rua, está brincando o carnaval. A sociedade machista, aparentemente, não aceita a mulher no espaço público, esta, nesse lugar, é