Da relação sujeito, religião e estado: O discurso da liberdade e das letras na cidade
Eliana de Almeida
Perguntas: [...] Prometeis ensinar-lhe a ler para que venha a ler por si mesmo a Santa Escritura; [...]? – Prometo. (Manual do Culto 2000, p. 12) Grifos nossos.
Perguntas aos pais: Prometem ensinar-lhe a ler para que leia por si mesmo a Santa Escritura; [...]? – Sim, prometemos. (Manual Litúrgico1992, p.90). Grifos nossos.
Tem-se assim, no contexto do povoado de São Roque, em que os protestantes não podiam construir escolas para a instrução de seus filhos, uma interdição para alémdo acessoà educação, como também a interdição do exercício da fé, dada a conjugação entre ossaberestemporal – instrução escolar – e espiritual – leitura do Texto Sagrado – supostapelo protestantismo. No Brasil, essas diferenças entre as práticas discursivas católicas e protestantesdefinem-seainda,como mostra Orlandi (2009, p. 134), em relação às línguas indígenas:
Já nos inícios do Brasil, católicos e protestantes se diferenciavam. Para o católico – os jesuítas, os capuchinhos, por exemplo – para que um índio fosse considerado cristão, bastava que soubesse repetir orações e que aceitasse ser batizado. Já para os protestantes, o trabalho com a Bíblia ocupava um papel mais importante e a questão da tradução se impunha em um processo de maior elaboração, com respeito à língua.
A autora afirma ainda em situações mais recentes o pastor protestante se coloca como tendo grande responsabilidade sobre o Texto Sagrado,tomando como focoo conhecimento da língua, enquanto que, para o católico, a língua funciona como instrumento de transmissão de costumes e crenças.Vemos assim que, como projeto de cidade, Iepê conjuga,como para a modernidade, a contradição entre afé e a instrução escolar, marcada na história particular de construção daliberdade de culto e deformação escolar do sujeito.Como cidade, Iepê significa, ainda,o processo de constituição das cidades brasileiraspela relaçãosujeito/Estado.Uma relação histórica, do ponto de vista discursivo. Se na Idade Média as determinações do sujeito se davam a partir da Igreja, enquanto espaço legitimado à interpretação da Letra (o Texto Sagrado), no século XVIII na Europa, com a instauração do Estado moderno de direito, o sujeito passa a ser determinado pelo discurso jurídico, regido pelas letras – as leis do Estado(ORLANDI, 2009).
Supomos assim que afalta constitutiva,produtora do excessode dizeres que fundamIepê, vai além do acesso ao cemitério e à escola, mas também e, fundamentalmente,à falta de espaços discursivospossíveis à existência do sujeito brasileiro, protestante, no que concerne às práticas discursivascristãs, no Brasil dos anos 20 do século passado.