Uma análise discursiva da veiculação das manifestações de junho de 2013 pela revista Veja


resumo resumo

Raquel Noronha



 

O discurso midiático  desloca o objetivo das manifestações para um objetivo melhor, mais adequado, de outra “cor” e “envergadura” (8). O objetivo inicial seria uma “energia pura”, que não teria potencial senão através de “espasmos populares”. Ou seja, seriam matéria-prima, bruta,  que precisaria ainda ser “canalizada”. O desfecho seria a retirada de governantes incapazes e populistas do governo, mais especificamente da presidência.

Em outro espaço da revista, na seção Livros (edição de 26/06), é resenhado o novo livro do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Pensadores que inventaram o Brasil. Ao mesmo tempo em que, ao longo da matéria principal, é construída uma imagem de líder negativa, nesta seção, podemos ver a construção da imagem de um líder culto. Como podemos observar no título da reportagem que é Pensador e pensadores, fazendo um jogo de palavras que brinca com o título do livro: os pensadores seriam objeto do livro, e o pensadorØ, seria o autor.

 

11) Em uma coletânea de ensaios, Fernando Henrique Cardoso revisa os intelectuais que o formaram (VEJA 26 de junho de 2013, seção Livros - subtítulo) (grifo nosso)

 

12) Político habilidoso na formação de alianças que possibilitaram a grande arrancada modernizante do país, Fernando Henrique Cardoso nunca abandonou por completo o pensamento acadêmico. Foi, à sua maneira, um presidente-sociólogo. (...) Através do exame desses grandes pensadores do Brasil, tem-se um vislumbre do presidente-sociólogo. (VEJA 26 de junho de 2013, seção Livros) (grifo nosso)

 

Trazemos estes recortes para ilustrar como a construção da exterioridade se dá na materialidade do discurso a partir das formações discursivas (Pêcheux [1975] 1997) em que o discurso midiático se inscreve.

Ao nomear o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de “presidente-sociólogo”, vincula-se o cargo que ocupou à sua formação acadêmica. E a comparação, apesar de não estar explícita, é constituída ao se trazer na mesma edição exemplo de líderes inadequados e de um “político habilidoso” e culto. Mas o político habilidoso não aparece senão através de um “vislumbre”.

 

5. Conclusão

A mídia trabalha produzindo um efeito de exterioridade que lhe autorizaria a, não só interpretar, como também traduzir os fatos. O trabalho de desautorizar discursos funcionaria ao preencher-lhes suas lacunas da maneira certa que, pelo apagamento do caráter interpretativo, é construída como única possível.