“No carnaval a fantasia é minha. O corpo é meu”: memória e rupturas feministas na folia


resumo resumo

Dantielli Assumpção Garcia
Lucília Maria Abrahão e Sousa



memória e uma atualidade entram em funcionamento, buscando compreender os atravessamentos discursivos na produção de outros dizeres sobre a mulher e a sociedade patriarcal.

 

2. O carnaval no Brasil: os conflitos desfilam na avenida

Constituidor da identidade nacional, o carnaval é visto por muitos como uma festa popular em que todos os indivíduos passam a conviver harmoniosamente nos quatro dias de folia. Apagam-se imaginariamente as diferenças cruciais entre classes e foliões de modo a instalar o efeito de que a circulação dos sentidos de violência estaria contida, bem como adormecidos estariam o conflito entre classes e os abusos de poder. O período das marchinhas guardaria a interrupção dos efeitos mais duros de desigualdade sejam eles de que natureza fossem.

Nos primeiros anos da República, as elites nacionais procuraram criar a imagem do país associado ao carnaval: “Muitos literatos, no início do século, percebiam a festa como uma manifestação que tivesse nascido e crescido em simbiose com a nação, entendiam os festejos de momo como algo homogêneo” (CUNHA, 2001, p. 13). Fruto de um processo que tem seus primórdios ainda na segunda metade do século XIX, o carnaval brasileiro formou-se pelo encontro entre os carnavais europeus (Paris, Nice, Veneza) e o entrudo – criticado pelas elites. Entrudo era a brincadeira com água, farinha e máscaras que desde o tempo da colônia garantia a diversão dos foliões. Explicitam Albuquerque e Filho (2006, p. 226) que:

 

Na imprensa, principalmente a partir de 1880, teve lugar uma exaustiva campanha contra o Entrudo. Circulares, decretos administrativos e punições, como multas e prisões, passavam a tratar especificamente dos mecanismos para reprimi-lo. Todo esse aparato legal foi mobilizado para convencer os festeiros a abandonar aquela forma de diversão. Grupos das elites brancas sonhavam em substituí-lo pelo carnaval nos moldes do que se via em Paris, Veneza ou Nice. A intensificação da repressão policial às práticas típicas do Entrudo e o surgimento das sociedades carnavalescas pareceram a inauguração desse tempo civilizador e o discurso civilizador era a camuflagem da moda para o racismo que permeava as relações sociais no Brasil.

 

Soihet (1998), ao analisar o carnaval carioca da Belle Époque ao tempo de Vargas, trabalhando as manifestações culturais da população pobre do Rio de Janeiro (1890-1930) como forma de resistência à discriminação e à opressão sofrida no cotidiano, explicita que o samba se transformou em um dos símbolos nacionais, ao mesmo tempo em que as concessões entre as escolas de samba e a ideologia do Estado