“No carnaval a fantasia é minha. O corpo é meu”: memória e rupturas feministas na folia


resumo resumo

Dantielli Assumpção Garcia
Lucília Maria Abrahão e Sousa



varguista transformaram as primeiras em atração turística. O carnaval brasileiro, visto como um ritual de inversão da ordem cotidiana, um fenômeno que promove a ruptura do continuum da vida social diária, seria “a marca da individualidade, estando junto daquelas instituições perpétuas que nos permitem sentir nossa própria continuidade enquanto grupo” (Da Matta, 1987, p. 8-9). Já para Ortiz (1980), o carnaval existe a partir de uma ordem capitalista, sendo o Estado e as autoridades públicas que determinam o tempo e o espaço da festa, bem como os limites considerados toleráveis para a desordem. Não apenas isso, acrescentamos que hoje a administração dos efeitos do carnaval passa também por formas de controle da circulação das palavras e imagens dessa festa na mídia. Há canais de televisão detentores de direitos de transmissão em dada região ou lugar, há revistas que fazem a cobertura de certos camarotes, há sites que atualizam os passos da folia minuto a minuto. Como mostra Silva (2010), ao analisar o carnaval e o samba na historiografia brasileira:

 

O carnaval tem o seu grande momento uma vez por ano. Aliás, um tempo muito bem delimitado: o Estado estipula o feriado, a igreja declara o início da Quaresma e, com isto tem-se uma “desordem legítima”. Durante o reinado de Momo, grande parte da população se volta para vivenciar esse fenômeno, o “povo” se transforma, as ruas se tornam um grande palco, onde todos dançam, brincam, divertem-se, ou seja, por um período curto – quatro dias, oficialmente – os limites entre o lícito e o ilícito tornam-se mais tênues, tem-se uma sensação de liberdade, que permite, por exemplo, que as pessoas se vistam de uma maneira mais livre ou exótica. Para muitos é o tempo da libertinagem, da luxúria, onde os prazeres da “carne”, do corpo tornam-se preeminentes (SILVA, 2010, s.p.).

 

A partir dessas condições de produção, pretendemos analisar diferentes materiais produzidos ou divulgados pela Marcha das Vadias acerca do carnaval. Mostraremos como essa festa é vista como um momento em que tudo é permitido, em que é possível relacionar-se livre ou obrigatoriamente com o outro. Na época da folia, apagam-se os casos de violência, a criminalidade, as opressões. Nos quatro dias, o imaginário que se constitui à sociedade é o da alegria, da diversão. Contudo, a violência silenciosa permeia essa festa. É esse discurso da violência, principalmente contra a mulher, que os dizeres das Marchas das Vadias vão fazer circular na sociedade. Nas materialidades, são explicitados os conflitos, as relações de poder, as formas de violência contra o feminino, mas também contra os negros, os homossexuais. São nos diferentes materiais simbólicos que vemos o funcionamento da sociedade patriarcal que legitima e silencia uma violência, principalmente, contra a mulher em prol de momentos de folia.