Da relação sujeito, religião e estado: O discurso da liberdade e das letras na cidade
Eliana de Almeida
funcionamento dessa memória, dessejá-dito, materializado comoparáfrase do excerto acima. Do ponto de vista discursivo, a paráfrase, enquanto repetição, funciona como a possibilidade mesma do discurso, em sua relação com a memória do dizer. Orlandi(2007)define a paráfrase numa relação constitutiva com a polissemia e teoricamenteaponta:
Quando pensamos discursivamente a linguagem, é difícil traçar limites estritos entre o mesmo e o diferente. Daí considerarmos que todo o funcionamento da linguagem se assenta na tensão entre processos parafrásticos e processos polissêmicos. Os processos parafrásticos pelos quais em todo dizer há sempre algo que se mantém, isto é o dizível, a memória. A paráfrase apresenta assim o retorno aos mesmos espaços de dizer. Produzem-se diferentes formulações do mesmo dizer sedimentado. A paráfrase está do lado da estabilização. Ao passo que, na polissemia, o que temos é deslocamento, ruptura de processos de significação. Ela joga com o equívoco.
O título do documentário que comemora os 90 anos de fundação de Iepê põe em jogo o funcionamento discursivo entre a linguagem e a memória.A memória de uma falta de liberdade articula-se ao termoIepêreferido como uma Terra para Todos. A cidade de Iepêé evocada como espaço de direitos à cidadania brasileira, significando-se numa relação com a falta de liberdade religiosano povoado de São Roque.A reescritura é uma noção da Semântica do Acontecimento, cunhada por Guimarães (2002), a propósito dos procedimentos de textualidade. O autor afirma quehá procedimentos de reescritura quandouma enunciação do texto rediz insistentemente o que já foi dito. Ainda, para Guimarães (2002), a reescrituração define-se como uma volta ao dito para continuar dizendo, ou apontar um futuro do dizer. Desse modo, amemória histórica de fundação da cidade é atualizadana formulação Terra para Todos,à medida que Iepêé reescritano termo Terra,marcado pela maiúscula inicial como uma história particular, mas ao mesmo tempo como umaTerra para Todos, sem distinção, sem preconceitos,sob os ideais doEstado moderno de direito.
Essa formulação Iepê: há 90 anos uma Terra para Todossó é possível no contexto das narrativas que contam a história de fundação de Iepê;- não, porém, em contextos enunciativos quaisquer, visto que aponta para o funcionamento de uma memória histórica muito particular. Supomos assim a formulação Terra para Todos mobilizarda memória discursiva os sentidos queadministraram o povoado de São Roque,pelas políticas e posicionamentosreacionários aos ideais da Revolução