“No carnaval a fantasia é minha. O corpo é meu”: memória e rupturas feministas na folia


resumo resumo

Dantielli Assumpção Garcia
Lucília Maria Abrahão e Sousa



Como em Zoppi-Fontana (1997, p. 51), o acontecimento discursivo é trabalhado aqui como ponto de quebra dos rituais enunciativos, como uma interrupção, uma emergência nas relações de continuidades definidas por esses rituais. Assim, o acontecimento discursivo é entendido como:

 

a ruptura de uma prática discursiva pela transformação dos rituais enunciativos que a definem; a interrupção de um processo de reformulação parafrástica de sentidos pelas mudanças das condições de produção; enfim, a emergência de um enunciado ou de uma posição enunciativa novos que reconfiguram o discurso, e através deste participam do processo de produção do real histórico (ZOPPI-FONTANA, 1997, p. 51).

 

Em consonância ao proposto neste trabalho em relação à compreensão do acontecimento discursivo como um ponto de ruptura nos processos de significação, Indursky (2008, p. 9) define esse acontecimento como uma deriva, uma movimentação, muito intensa, dos sentidos em decorrência da qual se dá o surgimento de um novo domínio do saber. Para a autora (2008, p. 9), essa movimentação dos sentidos, registraria “não só o surgimento de um novo domínio do saber, mas também uma nova forma-sujeito”.

Vemos as postagens das Marchas das Vadias sobre o carnaval como um acontecimento discursivo, em que há a interrupção de um processo de reformulação parafrástica (em que se sustenta um dizer sobre o carnaval como uma festa livre, alegre, sem violência) e a emergência de enunciados, da posição-sujeito-mulher-feminista – constituída pela movimentação dos sentidos, a partir de uma desidentificação com o dizer dominante que a interpela para constituí-la como sujeito –, em que se busca romper com a naturalização da violência contra a mulher. Na ruptura, o discurso-outro surge como memória, todavia, os movimentos feministas buscam atualizá-la e reorganizarem sua prática discursiva, fazendo falar outra posição de um outro lugar. Rompem-se, portanto, desse acontecimento discursivo, rituais enunciados machistas que sustentam um dizer sobre a mulher na sociedade patriarcal e emergem outros dizeres sobre o “segundo sexo” que atualizam sentidos acerca da posição da mulher e de sua relação com o outro – sociedade e homem.