Uma análise discursiva da veiculação das manifestações de junho de 2013 pela revista Veja


resumo resumo

Raquel Noronha



Podemos observar o discurso midiático, por efeito, construindo uma imagem dos manifestantes que explica as manifestações. Os “jovens” protestam porque faz parte de uma escala natural de evolução: aos 20 anos, liberal porque fisiologicamente imaturo; aos 40, a maturidade é atrelada à capacidade intelectual e política.  A mídia trabalha produzindo um efeito de exterioridade que lhe autoriza a não só interpretar a atitude dos jovens como também a traduzi-la.

 

6) Eles teÌ‚m em comum [com “jovens americanos” do “Ocupe Wall Street”, com “estudantes ingleses” “em protesto contra cobrança de algumas taxas nas universidades”] principalmente o fato de pertencer aÌ€s classes médias e ricas de seus respectivos países. (...) Os repórteres de VEJA entrevistaram dezenas de jovens nas ruas de São Paulo e do Rio de Janeiro que, candidamente, confessaram nunca andar de oÌ‚nibus, mas protestavam mesmo assim em nome de suas empregadas domésticas. Fosse esse mesmo o caso, seria mais eficiente pedir aos pais um aumento de salário para elas. (VEJA 19 de junho de 2013, seção Carta ao Leitor) (grifos nossos)

 

7) Os brasileiros que estão indo às ruas não admitem mais ser usados como massa de manobra por partidos e políticos profissionais. (...) neste momento, o imperativo é ouvir as ruas e esperar que essa energia pura seja canalizada para a construção de instituições mais representativas dos anseios populares legítimos. O erro fatal agora é fechar os ouvidos. É temer o novo. (VEJA 26 de junho de 2013, seção Carta ao Leitor) (grifos nossos)

Colocando os recortes acima lado a lado, podemos perceber um deslocamento da configuração dos protagonistas dos protestos: no recorte (6), os manifestantes pertencem às classes média e rica; no recorte (7), os manifestantes são “os brasileiros” indignados contra o governo.

Na edição do dia 19 de junho, a imagem projetada dos manifestantes é a de quem não saberia o que diz e nem o que quer (3), nem teria um motivo real para protestar (“candidamente, confessaram nunca andar de oÌ‚nibus, mas protestavam mesmo assim”, 6). O discurso midiático desautoriza o lugar do qual os manifestantes falam, trazendo como efeito de sentido uma oposição entre ricos/ pobres que diz respeito a quem pode reivindicar o transporte público. A responsabilidade pelo “motivo” das manifestações é deslocada do público (o Estado) para o privado (os pais). Nesse sentido a revista oferece como alternativa às manifestações protagonizadas por jovens que não usariam transporte público: que eles peçam a seus pais um aumento de salário às empregadas. Isso reforça o esvaziamento das manifestações que vimos no recorte (1 - “Eles querem protestar Ø”).