As ruas comerciais, o consumo e a vida social urbana: o universo dos ateliês da Rua Dias Ferreira


resumo resumo

Sílvia Borges Corrêa



Na literatura antropológica internacional existe um trabalho seminal e que se tornou a principal referência para a pesquisa sobre a Rua Dias Ferreira. Trata-se do trabalho de Geertz (1978, 1979) que, em seu estudo sobre sistemas de mercados tribais/regionais (“peasant market systems”) ou aquilo que ele denomina de economia de bazar (“bazaar economy”), revela a centralidade do mercado na estruturação de algumas sociedades. A partir de sua pesquisa na cidade de Sefrou, no Marrocos, o autor descortina questões importantes para o entendimento das relações sociais nessa sociedade. O bazar é um sistema particular de relações sociais centrado em torno da produção e do consumo de bens e serviços, ou seja, é um tipo particular de economia. Nesse sistema, a informação é escassa, mal distribuída, ineficientemente comunicada e intensamente valorizada. O nível de ignorância ou desconhecimento sobre tudo – da qualidade dos produtos aos preços praticados – é alto. Como consequência, o “jogo” do bazar consiste na busca por informações por aqueles que não as têm e a proteção da informação por parte daqueles que as possuem. Para Geertz (1978, p. 30), “the search for information is the central experience of life in the bazaar” ("a procura por informação é a experiência central da vida no bazar"). Mais do que troca de produtos, trata-se da troca de habilidades cuja ênfase recai sobre o conhecimento a respeito de que tipo de mercadoria está sendo vendida e para que fins a mesma está sendo vendida. Nesse contexto de trocas simbólicas, dois procedimentos de busca são fundamentais: a “clientelização” e a barganha. O primeiro pode ser entendido como a tendência a compras repetitivas de bens e serviços específicos a fim de estabelecer relações contínuas (situação oposta a da procura pelo mercado a cada nova ocasião de compra) e representa uma maneira de lidar com as deficiências de informação no bazar. A barganha, por sua vez, tem um caráter multidimensional e intensivo, uma vez que qualidade, quantidade e outras dimensões não monetárias podem ser barganhadas, o crédito pode ser negociado, etc. Apesar de ressaltar a especificidade do suq (bazar) de Sefrou – sua formação, seu desenvolvimento, sua heterogeneidade e suas características étnicas, os textos de Geertz (1978, 1979) lançam bases para a análise de outras configurações de comércio, uma vez que analisam o bazar em sua estrutura física (organização espacial, segmentação, setores etc.) e em sua forma social (divisão de trabalho, relações entre comprador e vendedor, financiador e tomador de empréstimo, profissional e leigo) – aspectos que podem orientar o olhar etnográfico para diferentes locais de troca e formas comerciais.