Revista Rua


Da parede ao corpo social: a carne que não satisfaz
From the Wall to the Social Body: the Meat Doesn't Satisfy

Gesualda dos Santos Rasia

de relação de tempo. No entanto, nos usos cotidianos, não raro é empregada com sentidos outros, como, por exemplo, relação de comparação/contraste e de condição[12]. No caso em questão, a presença virtual da conjunção enquanto possibilita que se façam presentes os dois sentidos. Numa perspectiva temporal, é possível desdobrá-lo da seguinte forma: ao mesmo tempo em que carne é crime para uns, fome é foda para outros; presente aí a representação de duas forças contraditórias. E, de outro lado, pode estabelecer também uma relação de condicionalidade, no sentido de que a condição para que a fome não seja algo ruim para uns é que o consumo de carne entendido como ato criminoso (pelos argumentos já anteriormente arrolados) seja repensado. Neste segundo caso, E1 e E2 estariam situados no entremeio de uma relação que é ao mesmo tempo de aliança e de divergência.
Já a conjunção coordenativa e, presente em E7, é classificada, também na perspectiva da gramática normativa, como sendo estabelecedora de relação de adição, admitindo-se, no entanto, funcionamento adversativo e também conclusivo (CUNHA, 1986: 36-7). Em E7, a presença virtual da conjunção põe em causa aspectos que podem ser convergentes ou divergentes. Em um sentido, pode estar funcionando adversativamente, ao reportar a posições contraditórias no interior da formação social que prevê relações de mercado e de consumo, especificamente no que se refere à carne como alimento comercializável. Por outro lado, pode estar produzindo o ponto de encontro entre a condenação à produção/venda/consumo de carne e o fato de alguns estarem fora desse circuito, desde que a criminalização do circuito comercial seja entendida como conclusão decorrente do fato de nem todos poderem estar inseridos nele.
E1 e E2, enquanto partes, compõem um todo, que não é, no entanto, decomponível em fragmentos simétricos, porque cada um deles pode convergir ora para uma mesma posição-sujeito no interior da FD, ora para posições-sujeito diversas. Os enunciados reencontram-se no produto de uma construção/desconstrução parafrástica, na ruptura da ordem da estrutura. O E1, Carne é crime, é paráfrase de Violência é crime, repetição que já é produto de um primeiro deslize, ao fazer a associação da produção, do comércio e do consumo de carnes com práticas que convergem, em última instância, para um contexto que pode ser entendido como de violência, dados os aspectos já discutidos.


[12] Ana Carolina Sperança. “Os valores dos conectivos quando e enquanto na GT e no uso efetivo da língua”. Araraquara. Disponível em http://www.filologia.org.br/ileel/artigos/artigo_488.pdf.