Revista Rua


Da parede ao corpo social: a carne que não satisfaz
From the Wall to the Social Body: the Meat Doesn't Satisfy

Gesualda dos Santos Rasia

em uma perspectiva discursiva. O recorte que ora fazemos, pela via desses dois autores (ao menos inicialmente), para pensar o estatuto do enunciado e sua relação com a FD em que este se inscreve, justifica-se pelo fato de Foucault tê-lo pensado como unidade menor que se insere em redes, princípio esse que Courtine perfila para a noção de redes de formulações.
Redes que não apenas tramam os enunciados entre si, mas principalmente em relação ao sujeito de saber de uma determinada FD. A forma-sujeito, segundo o que Courtine traz a partir de Pêcheux (1988), desfaz o efeito de evidência de que a apropriação dos discursos pelos sujeitos se dá via ocupação de um lugar vazio na ordem do dizer. O que ocorre, defende Courtine (1981: 88),  é “uma posição de sujeito como uma relação determinada que se estabelece em uma formulação entre um sujeito enunciador e o sujeito de saber de uma determinada FD.” Dizer/escrever é, portanto, inscrever-se, inelutavelmente. Inscrição que, ainda na esteira do pensamento de Courtine, não se dá de modo transparente e homogêneo:
 
A inscrição de um enunciado num conjunto de formulações – como “um nó em uma rede” – deverá ser caracterizada a partir de uma pluralidade de pontos, constituindo, ao redor de sequências discursivas tomadas como ponto de referência, uma rede de formulações extraídas de sequências discursivas, cujas condições de produção serão, ao mesmo tempo, homogêneas e heterogêneas em relação à sequência discursiva de referência. (op.cit.:.90).
 
As diferentes amarras constituem, na trama, pontos de encontro que fazem os enunciados convergirem para filiações comuns entre eles, no caso, para uma mesma FD, porém, como é típico da estrutura de rede, com cruzamentos entre as amarras. Ou seja, diferentes FDs podem valer-se, de modos distintos, dos mesmos enunciados. Ou ainda, no interior de uma mesma FD, posições distintas convivem, não sem deslizamentos e tensões.
No caso de enunciados pichados em paredes, pode-se falar, de modo amplo, de um discurso de resistência, no caso, o dos pichadores. Esse discurso é perpassado por diferentes FDs, segundo o engajamento da ordem do dizer se dê em questões estritamente políticas, econômicas, relacionadas à sexualidade, entre tantas outras