Análise do discurso da arqueologia preventiva na Folha de S. Paulo: A Casa Bandeirista do Itaim


resumo resumo

Glória Tega
Rodrigo Bastos Cunha



Assim como nos discursos diretos, a escolha do verbo introdutor dos discursos indiretos é “bastante significativa, pois condiciona a interpretação, dando certo direcionamento ao discurso citado” (MAINGUENEAU, 2008, p.150). O repórter usa o verbo negar para se referir ao que a empresa Brascan tem a dizer sobre o dano ao patrimônio, como pode ser visto nos dois trechos abaixo:

 

A empresa nega que os 19 mil metros quadrados do terreno sejam alvo de preservação, mas só os 2.000 metros quadrados do Itaim.

 

A empresa nega que a parte já executada das obras tenha prejudicado o patrimônio arqueológico do entorno do sítio Itaim.

 

Já na primeira frase do texto, quando o jornalista usa as aspas em "surpresos" e "está completamente legalizado" ele indica que essas palavras não seriam suas, mas sim dos discursos dos representantes da empresa Brascan. Authier-Revuz classifica esse tipo de recurso como uma “não-coincidência do discurso consigo mesmo” (AUTHIER-REVUZ, 1998, p. 22).

Para Authier-Revuz (2008), todo discurso é heterogêneo e a marca dessa característica é a presença de várias vozes no interior do discurso (polifonia). Essa heterogeneidade do discurso é dividida em heterogeneidade mostrada – quando traz marcas de outros discursos – e constitutiva – quando constitui o próprio discurso, é a presença inevitável do outro, “onde jogam o interdiscurso e o inconsciente” (ZAMBONI, 1997, p.41). A heterogeneidade mostrada pode ser marcada e não-marcada. A primeira está explicitamente apontada no discurso; a segunda não pode ser visível na superfície do discurso.

A matéria “Justiça barra obra ao lado de ruína histórica” é, como todo discurso, heterogênea e compõe-se, sobretudo, da heterogeneidade mostrada não marcada, ou seja, a ausência das aspas do discurso direto. Contudo, baseia-se, somente, em uma única voz: a liminar do Ministério Público Federal.

No entanto, em abril de 2009, data da publicação da matéria, a Portaria 230 do IPHAN, que exige o licenciamento arqueológico para a realização de obras, independentemente de seu tamanho, como se determina no caso da construção do edifício relatado nos textos, já estava em vigor há mais de seis anos. Apesar de essa matéria ser marcada pela heterogeneidade, o repórter não usou outras fontes a não ser a liminar do Ministério Público Federal e os funcionários da construtora Brascan, para construir seu discurso.