Revista Rua


Cidade narrada, tempo vivido: estudos de etnografias da duração
City told, Time lived: Studies in Ethnography of the Duration

Ana Luiza Carvalho da Rocha, Cornelia Eckert

O drama específico que motiva a entrevista ocorreu com o casal no final dos anos 90 quando ainda moravam em uma casa no bairro Partenon, uma habitação comprada para ser a feliz morada da família, um casal e dois filhos. A vizinhança era bem quista com a vantagem da proximidade da casa da avó materna. Num final de semana, ladrões encostaram um caminhão de mudança. Entraram pelo telhado e levaram um importante patrimônio pessoal. Na avaliação de Dona Emma, a decepção foi de que os vizinhos sabiam que eles não estavam de mudança e nem perguntaram do que se tratava aquele caminhão em pleno domingo. “Para que servem vizinhos então? A gente se dava bem com todo mundo. Nunca falamos em nos mudar. Sabiam que sempre íamos para praia, e nunca falamos em mudança”, sentencia amargurada. Mas para Dona Emma, em sua narrativa: “o pior foi terem levado todas as nossas lembranças, presentes de casamento, herança dos nossos pais, louças e bibelôs, toda minha coleção, além do estrago, da quebração e da sujeira que deixaram.” O sentimento de constrangimento e de insegurança lhes causa trauma pelas “lembranças roubadas”.
Em razão do ocorrido, tomam a decisão de desfazer-se da casa e de comprarem um pequeno apartamento para onde se mudam com o que sobrou. O deslocamento de bairros é do Partenon para o bairro Santana, agora próximo ao “quartel” (depósito do Quartel General da III Região Militar, situado na Rua Santana, próximo ao edifício onde moram), e onde dizem se sentir mais seguros. O prédio onde moravam era um edifício típico das construções dos anos 70, bastante funcional, com um espaço, improvisado no terreno, para acomodar o carro do casal. Um prédio com cerca alta, alarme e porteiro eletrônico, lhes dá algumas garantias de proteção. É nesse apartamento, localizado no segundo andar, que realizamos as entrevistas. Na sala, trabalhos artesanais pendurados nas paredes revelam a ocupação predileta de Seu Castro. Dona Emma justifica o fato: “agora só temos os trabalhos de Castro como enfeite. Os bibelôs e minha louçaria foi toda roubada”.
A trajetória geográfica, e a opção por uma morada funcional e protegida, é situada no presente pelo casal de idosos a partir da vulnerabilidade em face de matizes de uma cidade violenta. Para controlar a imprevisibilidade de um cotidiano descontinuo, interpretam os deslocamentos a partir de uma posição volátil na cidade. Outras imagens são relatadas para falar de deslocamentos e de suas trajetórias biográficas como citadinos.