Revista Rua


A ironia exacerbada vira nada. Nada? Incômodos com Narradores de Javé
The extreme irony becomes nothing. Nothing?Troubles with Narradores de Javé

Wenceslao Machado de Oliveira Jr

(sobretudo) a realidade das palavras: “o acontecido tem que ser melhorado no escrito”, diz ele.
Um escritor interessado e oportunista que gostava demais da vida que levava em Javé. As palavras lhe serviam para garantir a sua realidade de homem dos correios, aquele que vive em conexão com o que chega e sai do local onde vive. Para manter sua vida tal qual ela era, tornou pública a vida privada, melhorando no escrito o acontecido da vida alheia. E uma vez melhorado o acontecido, ele ficou mais intenso que antes, frutificando-se em mil outros melhoramentos, o que inflamou o povo que destituiu o homem dos correios e o fez proliferar em vida outra, num barraco fora da cidade.
Uma cidade que decidiu, então, viver só nela mesma, sem conexão escrita com o mundo. Fora dali, o acontecido melhorado havia difamado a todos e grassava solto pelos olhos de quem o leu e bocas de quem os continuou melhorando...
Um dia em que a cidade acordou com o sino da igreja a avisar que seu destino era servir ao mundo ao qual tinha renunciado: submergir para que outros locais emergissem com mais força, mais pujança energética: “é preciso sacrificar alguns pela melhoria de muitos”, diz um deles, justificando a ação social que a água iria realizar em breve.
Uma cidade que só poderá ser salva se comprovar sua importância para o mundo que ela mesma negou. Mas isto, a escala da importância de Javé, eles – a diretora do filme, os personagens do filme, o narrador do filme – se esqueceram e resolveram contar a nós – os espectadores do filme – a importância daquele lugar para as pessoas do próprio lugar. Tão voltados ao próprio umbigo – diretora, personagens, narrador – não perceberam que enterravam as suas possibilidades antes mesmo de serem submersos em sua ignorância da escritura.
Um escritor exilado foi chamado de volta para salvar a cidade às vésperas do dilúvio invertido – água que sobe – promovido pelos homens e suas necessidades. Escoltado e vigiado, além de orgulhoso de sua importância, o escritor inventivo revela-se também um bufão. É chamado para divertir a corte de espectadores que o cinema reúne em sua platéia.
Um irônico exacerbado que
não ri mais verdadeiramente; satisfeito de sua soberania beata, adota a posição convencional de uma negação dos outros e se condena à sua própria perda pelo desprezo que não pára de manifestar. Entrincheirando-se na repetição mecânica dos sarcasmos, exerce sob o mundo um olhar desiludido e cínico que o separa eternamente da comunidade. Acreditando decidir por sua própria ligação com o mundo, ele se deixa ser pego pela sua própria armadilha” (JEUDY, 2001, p.74).