Revista Rua


A ironia exacerbada vira nada. Nada? Incômodos com Narradores de Javé
The extreme irony becomes nothing. Nothing?Troubles with Narradores de Javé

Wenceslao Machado de Oliveira Jr

completamente absurda, “o quê que este pedaço de chão perdido no mundo tem de importante?”, pergunta ele, já afirmando seu veredito e seu reconhecimento do absurdo [que] legitima a ironia. Se uma ação pode continuar a se cumprir porque tudo é finalmente absurdo, então pouco importa o sentido que lhe é dado e pouco importa se o mundo muda ou não”(JEUDY, 2001, p.74).
Um mundo que muda de maneira desigual. Javé permaneceria talvez a mesma por anos a fio não fosse a represa inundar suas casas e ruas. Ao desaparecer da vista na superfície, a cidade submersa torna-se algo a ser visitado, gestando também, com a mudança para uma Nova Javé, a proliferação daquela vida que, sem a represa, teria tendência a se repetir com mudanças pequenas.
Uma inundação como dádiva que traz a vida como força proliferadora e não como coisa a ser preservada. Vida que se prolifera da própria vida como diferença de si mesma, sendo a mais destacada proliferação de Javé a própria narrativa que é contada no bar e alinhava as demais narrativas do filme. A importância daquela cidade foi ser inundada. Seria esta a ironia maior do filme? Poesia pouco apontada, os narradores seriam todos aqueles que contam a história da ausência da cidade na superfície e do anúncio da cidade submersa.
Uma inundação que gesta a vida proliferada na admiração e deslumbramento de uma mulher e um homem e uma criança que perderam suas casas, mas ganharam outras novas na Nova Javé. Nova Jerusalém onde a energia gerada na usina aponta outros caminhos para uma vida que se desdobra outra de si mesma.
Uma vida proliferada na dor da segunda perda, das perdas acumuladas de não se ter na nova terra nem mesmo aquilo que se tinha na anterior. Onde estão as novas Javés? Em qual círculo infernal lançaram os habitantes das cidades submersas? Na lamentação constante daqueles que saíram e não tiveram onde chegar? No falatório desenfreado em que terminaram o filme os personagens que, antes de chegar na Nova Javé, já estavam encantados com a possibilidade de contar a história que lhes daria o poder e a glória de ter feito algo memorável a ponto de ser escrito?
Uma “contação” negociada com o único que detém o poder de torná-la história escrita, a ser grafada em suporte que permaneça para além daquele que contou: o papel. Talvez aí esteja uma ironia sutil do filme: não há democracia no hábito de negociar com o poder,
a negociação é ao mesmo tempo o fundamento e a morte da democracia. A demonstração pública da negociação revela quanto à capacidade de absorção das contradições e das oposições é o próprio