Eu já tive um certo conflito interno por causa do seio, já pensei na reconstrução mas não vai ocorrer por causa de outros problemas. Eu aceito (...) (S20).
Tirei um nódulo e voltei em maio de 2005 (...) até este ano deu uma microcalcificação, assim... microscópica, deu que retornou e por preocupação irá fazer a mastectomia total por precaução, porém realizarei no mesmo momento a reconstrução (S7).
Nesses recortes, encontramos o conflito social/corporal, pois percebemos ambivalências e contradições nas condutas, uma vez que as mulheres demonstram o entendimento e a necessidade da cirurgia, porém enfatizam a reconstrução logo após a extirpação, sem deixar visível a ausência do seio. Marca-se a necessidade do visível (corpo) transpondo o invisível (câncer/doença), o fato de não visualizar o seu corpo mutilado ajuda a minimizar o processo do impacto social.
Segundo Ferreira (2003), o estigma, na sociedade brasileira, tem o sentido do discurso dominante, no qual o diferente tem de se subordinar ao esquema de uma lógica na culpa em si pela indiferença, levando à reprodução dos argumentos em que se apoiam a concepção da marca, constituindo formas de segregação e marginalização.
Quando as mulheres se veem desprovidas de uma parte do seu corpo, observado na regularidade da repetição da palavra “perda” e, nesse caso, especificamente a mama, o conflito interior aflora, o corpo é apresentado de forma diferenciada como algo incomum à realidade. É algo que amedronta, gera medo, reclusão, e os discursos mostram que as mulheres vivem um processo de construção de um ser não identificado por elas e procuram soluções reais e imaginárias, a mais próxima do ser anterior ao acontecido.
Muitas mulheres, apesar de relatarem incômodo em relação à falta da mama, não veem essa parte do corpo como o problema maior na imagem e na feminilidade, pois, muitas vezes, podem ser utilizados artifícios para não deixar essa visibilidade tão exposta. Uma das questões de incômodo maior presente nos discursos das mulheres após a mastectomia está relacionada com o linfedema.
Nas entrevistas, o linfedema é tratado com uma deformidade/negatividade do corpo somado à disfunção e limitação do membro homolateral à cirurgia: “Eu já tive um certo conflito interno por causa do seio e do inchaço do braço, já pensei na reconstrução, mas não vai ocorrer por causa de outros problemas. Eu aceito” (S21).