Revista Rua


Sentidos do/no corpo interpelado pelo câncer de mama
Senses of / in nobody challenged by breast cancer

Lívia Fabiana Saço e Eliana Lúcia Ferreira

Esse discurso de conflito entre o aspecto aparente e a limitação corporal repercute, constantemente, em sentidos da incapacidade, que, muitas vezes, é dito a partir do processo de conformação, mas não de aceitação da situação.
O diferente, o “anormal”, sempre atraiu olhares, subjugando as mais diferentes especulações. Esta questão de anormalidade se torna visível a partir da queda do cabelo, advinda dos efeitos colaterais do tratamento da quimioterapia que, simbolicamente, deixa a mulher marcada no social com o negativo. Essa peculiaridade foi pontualmente destacada por todas as mulheres entrevistadas:
 
O cabelo que caiu me sinto meio envergonhada de cair (...) (S4).
 
A preocupação maior foi o cabelo, mas não foi preciso fazer a quimioterapia. Qualquer coisa que eu sinto já acho que a doença é o cabelo (...) ( S19).
 
(...) ele [o filho da entrevistada] também me deu problema quando meu cabelo começou a cair, ele não chegava perto de mim (...) (S2).
 
(...) o problema maior foi a careca, encontrei duas pessoas que riram de mim, mas aguentei (...) (S26).
 
A estigmatizaçao advinda do corpo imperfeito está presente em todas as relações sociais (FERREIRA, 2005); por isso, podemos afirmar que o “problema” estético no corpo da mulher com câncer é um problema cultural/social.
Embora as diferenças corporais sejam, muitas vezes, aparentes, observamos que a subjetividade dessas mulheres está inscrita em uma imagem/memória de um outro corpo. A subjetividade é estabelecida na ambiguidade do normal/anormal e isto é evidenciado na contradição do discurso verbal/corporal:
 
Eu tenho vergonha do meu corpo e de trocar de roupa perto das pessoas. Ficou bem diferente, por causa cicatriz. Quero acabar de fazer a reconstrução, voltar a ser do jeito que eu era antes, quando vou trocar de roupa perto de outra pessoa e ela fica olhando e perguntando (...) (S17).
 
Eu procuro me arrumar para ser como era antes, mas minhas roupas antigas não me servem mais, minha autoestima vai lá embaixo (...) (S17).
 
Não sou mais a que eu era antes (...) (S17).
 
A mulher com câncer de mama na trajetória do tratamento é transformada não somente biologicamente, mas refeita pelo processo social-histórico. O corpo afetado pelo câncer traz consigo agora as marcas de um “um outro corpo que se digladia com a rememoração do que já foi e com as peculiaridades que o singularizam e que, às vezes, são negadas em busca do corpo anterior ao processo cirúrgico.