Revista Rua


Imagens e metáforas do mundo
(Images and Metaphors of the World)

Cristiane Dias

relação com o saber está estritamente relacionada à renovação do laço sócio-histórico-ideológico.
Nesse sentido, remontemos ao século XVI, quando o mundo passava por mudanças tão significativas em termos de conhecimento científico, com o capitalismo mercantil, o processo de urbanização, a expansão territorial, quanto as que estamos vivenciando hoje. Qual era a forma do conhecimento no século XVI? Ele tinha a forma geométrica do círculo, nos ensina Serres[2]. Se analisarmos etimologicamente o termo ‘enciclopédia’, escrita por Diderot, D’Alembert e colaboradores, marco do conhecimento no século XVI, saberemos que o termo cunhado por Rabelais vem do termo grego, eu-kuklios paidéia, a saber, “círculo (kuklios) perfeito (eu) do conhecimento ou da educação (paideia)”[3]. Sendo assim, podemos compreender que Rabelais deu ao conjunto de conhecimentos a forma do círculo (a esfera do mundo?).
Assim, também, o mapa da astrologia, de Copérnico, o mapa da Terra, de Mercator, o mapa do corpo (anatomia humana), de André Vésale, constituem formas do conjunto de conhecimentos de um século que vivenciava um novo universo, um novo planeta terra, um novo corpo humano.
Nossas questões de hoje não são tão diferentes das questões do século XVI. Com as novas tecnologias da informação, temos uma outra concepção de corpo humano, dos planetas e do nosso planeta, uma outra imagem do universo. A diferença aí não está nas nossas questões, está na forma do conhecimento, que, de círculo, passa a rede. 
Se pensarmos na figura do círculo, podemos pressupor que o conhecimento é delineável, demarcável, fronteiriço, de modo que poderíamos dispô-lo e localizá-lo num mapa, como o fez o século XVI. Michel Serres[4] diz, no entanto, que não se pode cartografar o conhecimento tal como se cartografa a terra, porque os saberes não são continentes, dos quais se podem demarcar fronteiras, limites, o saber é flutuante, contínuo.
Essa afirmação é importante, na medida em que o conhecimento nunca é o mesmo, ele não pode ser enquadrado, porque é fluido, escoa. Poderíamos considerar, remetendo à reflexão da Análise de Discurso, que, apesar disso, ele tem uma forma material, ou seja, ele é um processo de significação e, sendo processo, não pode ser estancado.


[2] Symposium Diderot : cartographier la connaissance, de 14-17 avril 2003. Langres, France.
[4] Symposium Diderot : cartographier la connaissance, de 14-17 avril 2003. Langres, France.