Revista Rua


Imagi-nando multiplicidades entre-tempos/lugares: um olhar sobre o filme Narradores de Javé
Imaging multiplicity between places/time: a perspective about the film Narradores de Javé

Giovana Scareli

Ou como havia o discípulo de abandonar o mestre
Que lhe deu o saber?
Quando o saber está dado
O discípulo tem de se pôr a caminho.
 
Na velha casa
Entram os novos moradores.
Se os que a construíram ainda lá estivessem
A casa seria pequena de mais.
 
O fogão aquece. O oleiro que o fez
Já ninguém o conhece. O lavrador
Não reconhece a broa de pão.
 
Como se levantaria, sem o esquecimento
Da noite que apaga os rastos, o homem de manhã?
Como é que o que foi espancado seis vezes
Se ergueria do chão à sétima
Pra lavrar o pedregal, pra voar
Ao céu perigoso?
 
A fraqueza da memória dá
Fortaleza aos homens.
 
 
            O que seria de um povo que teve de deixar seu “lugar”, sua “terra prometida” se não fossem as benesses do esquecimento? O tempo é aliado do esquecimento. Esquecimento que se faz lembrado com imaginações. Lapsos de memória que o tempo não conseguiu apagar se alia a capacidade criativa e imaginadora e refaz, recria histórias. Estamos falando de cinema. O cinema lembra e esquece o tempo todo. É apagado, guardado em latas, caixas, baús, reféns da lembrança e/ou do esquecimento.
            Para Almeida (1999),
Em todos os gêneros, mesmo em seu gênero ‘cult, artístico, intelectual’, o cinema e, também, a televisão, revelam-se uma arte da memória e seus trajetos originários enlaçam, num certo momento da história, o Ad Herennium e participam da memória coletiva, histórica. São, também, parte da retórica da indústria e da cultura audiovisual. Ritualizam, em imagens agentes, visuais e sonoras, as imagens e locais que os espectador-fiel deve recordar ao cogitar o passado, o presente e o futuro de sua vida (1999, p. 50) (grifos do autor).
 
            O cinema como arte da memória se mostra neste filme como memória produzida pelo cinema. Memória que é trazida pelos moradores através de suas narrativas. Memória inventada pela diretora do filme, que se torna verdade no tempo da projeção e nas nossas memórias de cinema ao relembrar Narradores de Javé. Memória que se desdobra, que também está nas dobras da linguagem cinematográfica.