Revista Rua


Imagi-nando multiplicidades entre-tempos/lugares: um olhar sobre o filme Narradores de Javé
Imaging multiplicity between places/time: a perspective about the film Narradores de Javé

Giovana Scareli

Temos aqui várias versões para a mesma história. A coleta desse material se aproxima da metodologia da História Oral, que busca, através dos relatos e narrativas do povo, reconstruir a história.
 
Ao construir uma representação social da realidade, o imaginário passa a substituir-se a ela, tomando o seu lugar. O mundo passa a ser tal como nós o concebemos, sentimos e avaliamos. Ou, como diria Castoriadis, a sociedade, tal como tal é enunciada, existe porque eu penso nela, porque eu lhe dou existência – ou seja, significação – através do pensamento (Pesavento, 2006, p.3).
 
         Assim aconteceu com os personagens do filme que, durante as narrativas, traziam uma determinada realidade, imaginada, sonhada, desejada e que, legitimavam e dava importância àquele povo e ao local onde viviam, ameaçados por uma inundação prestes a acontecer. Por alguns instantes, davam existência e significado às suas vidas, através do pensamento, da imaginação, do desejo.
            Fábulas, lendas, mitos nos são trazidos por seus moradores e por Eliane Caffé. Mito do nascimento de um mundo, e alguns referenciais são feitos à mitologia. As lendas da criação de um povo, com diferentes versões, lembram os contos populares, maravilhosos, de fadas, que eram transmitidos de geração para geração à beira do fogo. Neste filme, um círculo também se faz no bar para ouvir o contador de histórias.
            O mito do nascimento é sempre uma potência. Diferentes povos explicaram, à sua maneira, como o mundo teve início. Neste filme, também podemos inferir uma referência a este mito quando alguns personagens se reúnem em um bar, próximo ao rio, onde um rapaz chega instantes após a partida da embarcação que precisava pegar. Esta embarcação me remete à história bíblica de Noé, que agrupou um casal de cada espécie de animais que havia na Terra para continuar a vida após o dilúvio. Algo semelhante irá acontecer com os moradores de Javé, terão que se reunir e fugir das águas que inundarão suas casas, sua terra para continuar a vida em outro lugar.
            Estamos diante das fabulações de um povo que precisa se tornar heróico na tentativa de salvar aquele lugar e o seu modo de vida. Seria uma espécie de Atlântida, com um povo bravo e inteligente que se perdeu submerso as águas, neste caso do progresso, no entanto, um povo que até aquele momento, não havia precisado justificar sua legitimidade e, talvez por isso, não reconhecesse suas especificidades.
            Fabulações que acontecem nas três camadas de filme, que, no entanto, apresenta-se apenas como um filme. O mesmo espaço da tela apresenta filmes distintos