Revista Rua


In-(cor)porar palavras
Incorporate words

Vivian Marina Redi Pontin

salvar-se da inundação de suas vidas pelas águas e acredita que a verdade científica é capaz de fazê-lo.
Vamos, nós mesmos, hoje, escrever a grande história do Vale do Javé. Vamos colocar no papel os enredos. Desencavar da cabeça os acontecimentos de valor. Botar na escrita, fazer um juntado de tudo que é importante, pra provar pras autoridades porque Javé tem que ter tombamento. Só que tem uma coisa, eles falaram lá que só tem validade esse trabalho se for assim... científico. Científico é... assim... que não pode ser essas pataquada mentirosa que vocês inventam, essas patranha duvidosas que vocês gostam de dizer e contar (Zaqueu – personagem de Nelson Xavier – Narradores de Javé – 11’26’’, grifo da autora).
 
            Dizer e contar descomprometidamente foge à credibilidade da verdade científica, faz-se necessário o registro daquilo que se fala para que se possa testemunhar essa verdade, para que se possa comprovar façanhas e peripécias do cotidiano. Narradores de uma história que cotidiana vidas, tornando-as interessantes aos interessados em sabê-las, perdendo-se nas palavras embaralhadas pela memória e pela fabulação. Contar um povo, através de suas memórias, para poder contar com sua salvação, creditada no registro científico desse verbalizar.
            Narrações multiplicadas, que tecem e entrelaçam, ora contradizem, ora interrompem, e caoticamente juntam-se num filme que mistura a permissão do ficcionar, por ser uma peça audiovisual pertencente à arte cinematográfica, e da realidade, pelos acontecimentos que cotidianam a vida brasileira.
            Artefatos culturais que suspendem ficção, realidade, tempos, narrações, verdades absolutas. Numa matéria da revista portuguesa Up magazine, intitulada Rui Horta – Optimista me confesso[3], o próprio Rui diz que há uma “contaminação oblíqua” no ato do artista, uma vez que foge ao apenas subjetivo (ou autobiográfico) para manifestar-se como co-contaminação, co-fruição e co-criação. Coletividade de narrações, coletividade de filmes (camadas que se posicionam uma dentro da outra), várias Javés sendo contadas e fabuladas e nenhuma é escolhida para ser escrita no livro em branco. Afinal acontece uma escrita, mas não é nem científica, nem fabulosa, nem jornalística, mas negligente.
           Nenhuma narrativa era suficientemente científica para ter o privilégio de ser registrada? Nenhuma possuía a credibilidade, o status da verdade para ser posta no papel e servir de prova, para com-provar a validade de patrimônio javélico? Ou a


[3] Disponível em: <http://www.upmagazine-tap.com/2010/06/rui-horta-optimista-me-confesso/
>. Acesso em primeiro de julho de 2010.