Revista Rua


In-(cor)porar palavras
Incorporate words

Vivian Marina Redi Pontin

Incorporações
 
            Escolher a verdade da ciência como única forma de narrar um povo pode ser um caminho-armadilha de oposições binárias, em especial entre o que é certo e errado, como se não houvesse outras possibilidades nesse espectro. A sedução pela fabulação e pela ficção por vezes envolve a narrativa e o testemunho perde a razão para o que a racionalidade moderna fixa – qual seja, a necessidade de se narrar verdadeira e sequencialmente os fatos. Sedução pelo cotidianar, pela multiplicidade dos falsos sorrisos que, sendo falsos ou verdadeiros, continuam a sorrisar, assim como os amores continuam a amar, independentemente das vontades da ciência em verdadeirar sorrisos e amores.

Não se afobe, não                        
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar
E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
 
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos
Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização
Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você
 
Canção “Futuros amantes”,
 de Chico Buarque, 1993.
            A falta das provas cientificamente comprobatórias fez com que o povoado de Javé sucumbisse. As histórias da origem do povoado e as folhas em branco de Biá não tinham nada de científico para mostrar a verdade sobre aquela comunidade, que só queria continuar existindo ali. Armadilha por achar que a ciência poderia salvá-los, armadilha por pensar que a verdade somente é produzida pela ciência.
            Com seu status de reveladora, a ciência suprime possibilidades até de um sorriso estar apenas sorrindo. A Mona lisa precisa ser espectromizada para se saber, verdadeiramente, se aquilo em seus lábios é mesmo um sorriso. Se Leonardo a tivesse feito chorando, a ciência iria à busca da substância química de sua lágrima. Enfim, não há limites para se manter a maquinaria de desvelamentos. Suprimir sorrisos, suprimir ficções.Suprimir amores, talvez.
            Supressões e revelações que entrelaçam verdadeiro e falso e de tanto tentar separar um do