Ah, mas podemos reescrever a pergunta de miguel numa forma parônima: “Ciência e loucura têm a haver?” Haveria um débito, uma falta, algo que teriam, ciência e loucura, perdido? Quereriam ambas ter pe(r)dido algo? Talvez tenhamos que insistir um pouco mais nesse “caminho da perda”, pensou logo artaud
[13]. Ficar entre as duas – ciência e loucura – entre o que as junta e as separa. Resistir a se enclausurar na loucura real, da doença, da dor e do sofrimento corpóreos, relegando-a ora ao monopólio das margens delimitadas dos saberes psiquiátricos, patológicos, ora sucumbindo à loucura irreal, deixando-se recair no julgamento de ser considerada uma Escrita leiga e/ou mera Escrita
. peter pál pelbart propunha pluralizar a Loucura, pensá-la no Plural. O Plural achou fascinante a ideia de abrir o pensamento ao desatino lancinante, poética e politicamente potentes, entre o que o filósofo define como:
Lugar de passagem e de vertigem, em que fosse possível pensar próximo à loucura o suficiente, sem abandonar-se, porém, à sua sedução sem medida, e fora da loucura o bastante, mas sem que esse fora se transformasse no lugar da Razão (clínica, social, filosófica). Esse espaço “neutro”, não-clínico e não-literário, exterior à loucura e ao mesmo tempo à razão, talvez seja o único capaz de abrir o pensamento à desrazão sem que ele a enclausure ou sucumba a ela
[14].
Ora e Ora apaixonaram-se pelo paradoxo. Pergunta desloca-se, desfoca-se: como expor o pensamento à desrazão sem que disso advenha a loucura? O que condenaria à loucura aqueles que uma vez tentaram a experiência da desrazão? Não era dar a voz aos loucos – O testemunho do louco – mas, como a filósofa eugénia vilela sempre provocava, “seria preciso investir no abismo da linguagem ao romper com o testemunho como representação”
[15]. Deslocar da uma lógica narrativa predominante, que investe na produção de sentidos, para a irrupção do acontecimento. Modo como, para vilela, o testemunho desenharia uma forma intempestiva do sentido, produzindo um enfrentamento entre forças da morte e da vida. Um gesto de arrancar “a linguagem ao desaparecimento de um destino sem sombra”, em que a arte surge como uma experiência daquilo que não nos foi dado viver.