Revista Rua


Vagabmundear pensamentos - ciência e loucura e arte
Vagabond thinking - science and art and madness

Susana Oliveira Dias

Embora preferisse ficar i-móvel, Escrita era forçada a se movimentar. Carregado de sonolentas palavras e um ouvido fingido, andava de casa em casa sob forte escolta, desescutando as histórias dos Heróis da vila que deveriam preencher as páginas do livro salvador: “Como eram prodigiosos ao demarcarem seus territórios. Quase uma arte!”, ria-se consigo mesma. Subiam os morros, carregavam e conduziam o povo todo junto, e cantavam as fronteiras. Galos empoleirados. Lutavam obsessivamente pela melhor, mais bela e verdadeira Plumagem. Mas, ao mesmo tempo, envolviam-se em disputas ferrenhas e assistíamos à destruição de corpos, ao esvoaçar e estraçalhar das penas, ao piar doloroso. Havia cheiro de morte naquelas histórias que clamavam pelos testemunhos mais fiéis, pelas origens mais puras, pelos melhores representantes, os mais decentes pretendentes a serem perpetuados. Queriam-se VerSões, mas era sempre o Mesmo. Queriam-se Plurais, mas investiam na expulsão dos outros galos, afinal a história tinha que ser privada, una, unificada. Escrita total. Era Constância quem realmente ganhava a disputa. Fugindo da briga de galos, seus pensamentos vagabundavam – “A vila já se encontraria submersa?” – e Escrita terminava por colocar no papel, como uma criança que aprende a escrever, usando mais de um terço da página, em letras desconcertadas, apenas os Nomes dos heróis. Apenas Nomes… Consumido que andava, saiu da vila e encontrou um poeta, josé avelino dias, que do alto do Vale bramia e também cantava as divisas, mas um canto muito distinto:


Eu fiz um poema,
falava de irmãos
mais bem preparados
guiando os mais fracos,
dizia de eleitos
por Nosso Senhor
lutando por todos,
pregava da
Honra
Pátria,
Santidade!
 
Rasguei o poema,
não era verdade.
 
Refiz o poema
trazia outros gritos:
Juntos poderemos!
(?),
pregava igualdade,
falava do povo
do pão para todos
união,
Pátria (ainda) e
Liberdade!


Rasguei o poema,
tive de rasgar
não era verdade.
Não faço mais versos
não sei da verdade
medos me consomem
creio em quase nada
 
Igualdade?
Pátria?
Liberdade?
 
Não sei de palavras
não creio em milagres
não quero saber
rasguei os poemas,
todos os poemas
 
espero cansado
não sei se ainda há tempo,
não te acuso nada
sabendo da merda
não limpei meu cu
não matei nenhum
eu sim,
sou culpado.