Revista Rua


Consumo, Espaço e Memória
Consumption, public space and memory

Guilherme Carrozza e Andrea S. Domingues

 

possibilidades de dizeres. Se havia, até aquele momento, apenas a “tendência à prosperidade”, à qual a cidade estava “pré-destinada”, isso se realiza de fato a partir da construção da ferrovia. Interessante perceber que o texto fala de “novas perspectivas para Pouso Alegre e região”. Nesse dizer, a cidade já é colocada, de certa forma, como o centro da região onde se situa, já que ela é nomeada e região representa indefinidamente os outros povoados próximos.
Não por acaso, a estação de trem foi construída no início da avenida principal da cidade, que naquela época era nomeada Avenida do Imperador. Representava essa avenida, uma via de acesso que ligava a Estação de trem à Igreja Matriz da cidade e ao Mercado Municipal, logo atrás da Igreja. Subindo essa via em direção à Igreja encontrava-se a Cadeia Publica.
 
Da estação, subindo pela rua principal, passa-se á cadeia no largo do mesmo nome [...] Sahindo do largo da Cadeia e subindo ainda pela rua principal, chega-se em frente ao Theatro Municipal. No logar em que se acha o theatro, a rua tem a largura das grandes avenidas... (Almanack, p. 83 e 84) (grifos nossos)
 
Mesmo não sendo referida nos textos como Avenida do Imperador[7], percebe-se que o que se marca é sua característica de “rua principal”. Cabe perguntar aqui o que significa, para uma cidade do interior de Minas Gerais, no ano de 1900, ter uma “rua principal”. Será que estamos falando apenas de uma questão geográfica, ou podemos supor que o dizer “Pouso Alegre tem uma rua principal”, naquela época, possibilitaria um pilar para o futuro a que estaria “pré-destinada”? É assim que, pensamos, a avenida vai adquirindo textualidade, referenciada à cidade. Não se trata de qualquer rua, mas da “rua principal” que, de certa forma, tem em si uma futuridade: “a largura das grandes avenidas”. E que “grandes avenidas” são essas que, certamente são pensadas na relação das grandes cidades? Mais uma marca de que a cidade já teria, por assim dizer, uma futuridade presente: a de se tornar grande.
Se olharmos para esta formulação também como um acontecimento, é possível, a partir daí, perceber como a “rua principal” deixa de ser principal apenas por uma questão geográfica e passa a ser principal na sua relação com o movimento do comércio que vai se estabelecendo na cidade.


[7] Cabe chamar a atenção para esse apagamento do nome Avenida do Imperador, num momento em que a república ainda tentava se estabelecer no Brasil. Isso será percebido inclusive nos anúncios analisados. Somente em 1916 é que a Avenida passou a chamar-se Doutor Lisboa.