Revista Rua


A patrimonialização do cotidiano: desafios para as políticas públicas
The diurnal heritage: challenges for public policies

Fabíola Rodrigues

 

A patrimonialização do cotidiano: desafio para as políticas públicas
 
Em reunião do dia 10 de março de 2011, o Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (CONDEPACC) decidiu, após acalorada reunião, pela abertura de estudo de tombamento do estádio Moisés Lucarelli, pertencente à Associação Atlética Ponte Preta.
A singularidade desse ato administrativo – a abertura de estudo de tombamento do estádio Moisés Lucarelli – reside no interesse que ele despertou dentre os mais diversos segmentos da sociedade: os postulantes do pedido de abertura de estudo de tombamento (grupo ligado ao próprio clube), os oponentes do pedido (investidores imobiliários e credores, às vezes pertencentes ao próprio clube), conselheiros e também cidadãos anônimos, torcedores que enxergaram no tombamento a oportunidade de perpetuar a memória do clube, por meio da preservação do seu principal patrimônio, o “Majestoso”.
Mas, afinal, de que memória estamos falando? Eis, então, que o elemento mais interessante dessa história nos aparece: o estádio Moisés Lucarelli, inaugurado em setembro de 1948, foi ao longo de vários anos construído pelos próprios torcedores, que doaram ao clube seu trabalho, seus recursos financeiros, seu tempo, seu engajamento num projeto comum: a sede própria.
A curiosidade, o interesse, as veementes manifestações de apoio e de repúdio à abertura do estudo de tombamento evidenciam, nesse sentido, um acontecimento surpreendente: a política patrimonial tocou a delicada epiderme de um monumento.
Nos termos precisos e sensíveis de Françoise Choay (2001), o monumento refere-se:
 “àquilo que evoca a lembrança de alguma coisa. Para o monumento, a dimensão afetiva é fundamental (trata-se de tocar pela emoção uma memória viva) e a especificidade do monumento deve-se, exatamente, ao seu modo de atuação sobre a memória, à sua capacidade de invocá-la, de vibrá-la, de colocá-la em movimento. O monumento assegura, acalma, tranquiliza (...) Ele constitui uma garantia das origens e dissipa a inquietação gerada pela incerteza dos começos” (p. 18)
 
Propulsor dos afetos que põem em relação e dotam de significado os testemunhos da cultura material de um grupo ou segmento social específico, raramente o monumento afetivo coincide com o monumento histórico – este, selecionado da massa de bens existentes a partir do olhar informado da técnica e da ciência, mas que, frequentemente, passa ao largo das afeições populares.