Revista Rua


A patrimonialização do cotidiano: desafios para as políticas públicas
The diurnal heritage: challenges for public policies

Fabíola Rodrigues

 

Essa constatação, é bom observar, não exprime um juízo antiarquitetônico ou uma defesa de boicote à arquitetura, mas se propõe lembrar que as lentes a partir das quais julgamos a realidade estão impregnadas pelas disputas sociais travadas em torno da construção do que é socialmente relevante – e é evidente que o apuro estilístico ou que o monumental valor estético de uma obra já expressam, per se, suas vinculações sociais, o seja, já enunciam os grupos sociais específicos e bem definidos que representam.
Nesse contexto, a questão fundamental a ser respondida é como escapar da armadilha da atribuição de significado aos bens patrimoniais, orientada por cânones estéticos e artísticos que, afinal, terminam por chancelar como socialmente legítimas e relevantes (em detrimento de outras) as expressões materiais dos grupos mais poderosos, política e economicamente dominantes?
A experiência da cidade de Campinas e de seu órgão de preservação, o CONDEPACC, provavelmente compondo uma trajetória semelhante a de tantos outros municípios e órgãos de defesa do patrimônio espalhados pelo país, mostra que a ampliação da abrangência social da política patrimonial passa, necessariamente, por um deslocamento da valoração da excepcionalidade (estética, arquitetônica, artística), para a valoração da cotidianidade (dos modos de fazer, de trabalhar, de produzir, de viver) como substrato das ações de preservação.

As práticas patrimoniais em Campinas: o difícil deslocamento da excepcionalidade para a cotidianidade
 
O Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (CONDEPACC) foi instituído pela Lei nº 5.885, em 17 de dezembro de 1987, com o objetivo de assegurar a preservação do patrimônio cultural de interesse local.
É interessante observar que o órgão foi criado antes mesmo da emergência da Constituição Federal de 1988 no ordenamento jurídico brasileiro, antecipando-se, portanto, à legislação federal no reconhecimento do município como ente investido da competência de zelar pelo patrimônio cultural, no âmbito da repartição de competências entre os entes da federação (MEIRELLES, 2010)